José Medeiros de Lacerda

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Textos

A MULHER QUE VIROU COBRA - UMA LENDA CAPIXABA
Essa história aconteceu
No tempo da escravidão
No Estado Espírito Santo
Local de muita opressão
Onde conta nos legados
Escravos mortos, queimados
Com dolo e sem compaixão.

São Mateus, uma região
De muito despenhadeiro
O Coronel Mateus Cunha
Abastado fazendeiro
De imensos canaviais
Também muitos cafezais
Além de muito dinheiro.

Esse rico fazendeiro
De muitos contos de réis
Tinha outras propriedades
Na Serra dos Aymorés
Mantinha em seu apogeu
Índio, negro, europeu
E nordestino a revés.

O Barão de Aymorés
Proprietário de escravos
Era irmão de Mateus Cunha
Dos irmãos era o mais bravo
Se a história não erra
Dono das fazendas Serra
E Cachoeira do Cravo.

A mãe também tinha escravo
E escravas como criadas
Morava na Casa Grande
Com as noras aliadas
Juntas em fazenda
Depois em outra vivenda
Moradias alternadas.

Rita Cunha, apelidada
A velha sem coração
Era mãe de Mateus Gomes
E Antônio Cunha, o barão
Os seus dois filhos queridos
E moravam reunidos
Na mais perfeita união.

A esposa do barão
Dona Theodózia Vieira
Das três a mais comedida
Com a criadagem inteira
Não tinha gesto opressor
E nem mandava feitor
Bater por qualquer besteira.

Tinha também a terceira
Das três era a mais ferina
A Francelina Cardoso
Conhecida Dona Lina
Matreira como raposa
De Mateus segunda esposa,
Casou-se quase menina.

Essa Dona Francelina
Das três a mais irritante,
Ainda existem vestígios
De sua tumba gigante
Num cemitério perdido
Próximo ao local conhecido
Como Pedra do Elefante.

Essa mulher irritante
Era perversa, era má,
Judiava dos escravos
E fez questão de jogar
No Sítio Boa Esperança
O filhinho de Constância
No forno para queimar.

Fez questão de acusar
A sogra, também malvada
De ter queimado a criança
Mas a história mal contada
Logrou o argumento seu
Mas tudo se resolveu
E a verdade deu em nada.

Precisou ser retirada
De junto do povo seu,
Com medo de represália
O marido a escondeu
Onde Constância não ia
E escravo não sabia
Do menino que morreu.

Por ali permaneceu
Distante de sua gente
Depois, passado algum tempo,
A mulher ficou doente
Morreu de um tremendo mal,
E depois do funeral
Transformou-se em serpente.

Era uma cobra potente
Que assombrava os moradores
Do local Serra de Cima
E também dos arredores,
Todo mal que fez em vida
Era agora repetida
Praticando mais horrores.

Segundo os moradores
Na Cachoeira do Cravo
Ela batia em criança
Aterrorizava escravo,
Quando estavam trabalhando
Ao ver a cobra chegando
Começava o desagravo.

A debandada de escravo
No meio dos cafezais
Nas residências, senzalas,
Também nos canaviais
Teve gente que correu,
Sumiu, desapareceu,
Perdido nos carrascais.

Até em Minas Gerais
Essa serpente chegou
Praticando atrocidades
Ate que um bispo chegou
E seu túmulo benzeu,
Ela desapareceu
E nunca mais retornou.

O bispo recomendou
Que o povo tivesse fé
Mantivessem suas portas
Fechadas pra o Cricaré
E as janelas serrassem
Pois se a serpente voltasse
Não deixava nada em pé.

Pertinho do Cricaré
Tinha a Vila Barracão
Que hoje é Nova Venécia
Mas naquela ocasião
A serpente ali morava
E onde mais atuava
Causando devastação.

Outra recomendação
Era pra ninguém olhar
Aquelas águas barrentas
Que desciam para o mar
Pois a mulher prepotente
Virada agora serpente
Ainda estaria lá.

Sem ninguém pra atazanar
A serpente desistia
Então nas águas barrentas
Numa enchente ela descia
E se em nada esbarrar
Alcançaria o mar
E lá desaparecia.

A história permanecia
No povo da região
Por muitos e muitos anos
Até a civilização
Alterar a nossa história
E na Ilha de Vitória
Guardaram recordação.

As lendas por região
É coisa que não se acaba
Seja de escravo, de índio,
De senzala ou de taba,
Em temas bem controversos
E eu contei com meus versos
Uma lenda capixaba.
Teresina, 26 de Fevereiro de 2022
SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 37
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 20/11/2022
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