BODE IOIÔ - UMA LENDA CEARENSE
Bode Ioiô foi um bicho
Cheio de moda e acinte Que viveu em Fortaleza No início do século vinte Segundo conta a história Um bode cheio de glória E uma vida de requinte. Entre os anos quinze e vinte Volta o terror ao sertão Cinco anos, duas secas Assolando a região E o sertanejo acuado Se ver então obrigado A viver de migração. Foi nessa situação Que um humildade agricultor Fugindo da grande seca Em Fortaleza chegou Com a família e a coragem E em sua parca bagagem Trazia o bode Ioiô. Mas a crise obrigou Do bobe se desfazer Um animal de estimação Que lhe deu tanto prazer Mas na hora da agonia O amigo venderia Pra poder sobreviver. Escolheu a quem vender Pra resolver seu problema Logo logo em Fortaleza O tal bode virou tema De livros, documentarios, De cordéis e comentários Lá na praia de Iracema. E o bode, sem problema, Vivia em liberdade Subindo e descendo ruas Da praia para a cidade Mesmo sendo proibido Mas o bicho era querido Na municipalidade. Logo por toda cidade Sua fama se alastrou Aquele seu sobe e desce Também o identificou; De tanto subir ladeira E descê-las nas carreira Foi chamado de Ioiô. Mas o bode se encrencou Ao entrar na padaria De seu Manoel Português O padeiro não queria E formou-se a confusão: Um bode comprando pão? Quem isso imaginaria! Seu Manoel da padaria Gritou forte e renitente: - Fora, bode mal cheiroso! Está espantando os clientes! Ioiô sem entender nada Respondeu com uma chifrada Deixando-lhe a bunda quente. Logo a fama de valente No bode também pegou Começaram a enxotá-lo E isso o chateou No lugar onde passava O povo em pânico gritava: "Lá vem o Bode Ioiô!" Seu tempo bom acabou Fosse na praia ou na Sé Lá na Praça do Ferreira Quando ele botava o pé Era aquela correria, O povo às pressas saía Do Iracema Café. Acabou-se o seu mister Só vivia em confusão Não entendia o motivo Por que tanta rejeição E o português leviano Sempre arquitetando um plano Pra prender o valentão. E toda a população Saía correndo ao vê-lo Procuravam a polícia Com a intenção de detê-lo Mas fosse polícia ou guarda Com medo de uma chifrada Todos temiam prendê-lo Por intolerância ou zelo Virou até tradição Mesmo quando não queria Lhe arranjar confusão Se chegasse em uma feira Vinha aquela molequeira Fazendo provocação. Numa certa ocasião Resolveram lhe jogar Um balde de água fria Somente pra provocar Ele saiu disparado Nunca tinha se molhado, Precisava se secar. Começou a derrubar Bancas no meio da feira Foi fruta pra todo lado Era a maior bagunceira Gente corria e gritava Enquanto mesa virava E o bode na carreira. E de ladeira em ladeira Chegou na beira do mar Aquela areia fininha Fez o bode se acalmar O cheiro da maresia Pisando a areia macia Deu vontade de banhar. E ficou morando lá Descansando sossegado Sem ninguém lhe chateando Sem precisar ser molhado Por bodegueiro atrevido E não ser mais perseguido Por moleque mal criado. Depois de um tempo passado Que o bode Ioiô sumiu Começou a fazer falta A quem tanto o perseguiu Gerando então um impasse, Por mais que se procurasse Ninguém sabe, ninguém viu. Até que um dia surgiu Alegre, muito animado Vinha todo diferente Mais gordo, banho tomado Aquele bode valente Não corria atrás da gente Estava muito educado. O português mal criado Quando soube da mudança Disse: "Não tem graça! Como fica a vizinhança? Quem quiser que tome tento, Esse bode fedorento Tá preparando uma vingança." E o bode, igual criança, Alegre e feliz brincava Nos empórios, nos cafés, Em todo canto ele estava Nos bares era frequente Amigo de toda gente E todos o alimentava. No lugar onde chegava Reinava sempre alegria Animava a criançada Companheiro de orgia Sempre presente nas feiras Nas rodas de bebedeiras Até cachaça bebia. Conquistou a simpatia De padres, de professores Juizes, advogados, De políticos, doutores Frequentava restaurantes E era presença constante Na câmara de vereadores. E quando os eleitores Certamente revoltados Com a corrupção política E os desmandos implantados Na eleição pra prefeito Bode Ioiô foi eleito O vereador mais votado. Claro, não foi empossado Mas valeu pelo protesto Do povo contra os desmandos Com aquele manifesto Ioiô, mais reconhecido Ficou muito agradecido Com aquele tão nobre gesto. Houve depois um protesto Das mulheres do lugar Lá na praça do Ferreira Tem sempre um vendo a soprar Mulher de saia rodada Tinha que estar preparada Para não se preocupar. Começaram a ensinar O Ioiô a perseguir Mulher e padre de saia Que passase por ali Era a maior agonia O bode atrás corria Pra ver a saia subir. Começou a se expandir Sua fama na cidade Cada vez mais aumentava O seu ciclo de amizade O bode vereador, Bode cheiroso, Ioiô Estava sempre á vontade. Mas o peso da idade Começa a lhe perseguir Dezesseis anos vivendo Sempre a descer e a subir Da praia para a cidade A sua virilidade Começa a diminuir. E esse seu ir e vir Certo dia terminou No ano de trinta e um Na praia não mais voltou E terminando o poema Lá na praia da Iracema Morreu o Bode Ioiô. A imprensa noticiou A cidade entristeceu Seu corpo foi empalhado Está exposto em museu Reforçando a tradição Para a atual geração Que a história não conheceu. Sua fama se estendeu Até pelo exterior Num museu em Hollywood Não sei como lá chegou Não sei se em cera ou papel Mas há uma cópia fiel Do nosso Bode Ioiô. Atualmente se notou Não sei como aconteceu Por descuido, vandalismo Ou o tempo corroeu Do bode foi denunciado O rabo que foi roubado Lá de dentro do museu. Manaus,06/10/2013 SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 23
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 20/11/2022
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