José Medeiros de Lacerda

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Textos

MARIA DO BONSUCESSO E A CABRA DO IMPERADOR
MARIA DO BONSUCESSO
E A CABRA DO IMPERADOR
Acabou-se a escravidão
O negro foi libertado
Levas e levas de negros
Ficaram desamparados
Sem ter para onde ir
Sem um lugar pra dormir
Nas ruas desamparados.

Muitos se viram forçados
A roubar para comer
Outros faziam arruaças
Para a polícia os prender
Para a cadeia os levar
E garantir um lugar
Onde dormir e comer.

Não se exagera em dizer
Que após a abolição
A maioria dos negros
Sofreram mais opressão
Dormindo ao relento, em valas,
Pior do nas senzalas
Do tempo da escravidão.

Pras negras a situação
Não foi menos oprimida,
Umas vendiam o corpo
Por um prato de comida
Outras até encontrava
Lugar onde trabalhava
Por comer e por dormida.

Mulheres mais aguerridas
Enfrentavam a desventura
Plantando em beiras de rios
Um canteiro com verdura
Onde nas feiras vendiam
Assim elas conseguiam
Uma vida menos dura.

Assim, vendendo verdura,
Umas tiveram progresso
Outras, como lavadeiras,
Também fizeram sucesso
Da culinária viviam
E assim muitas conseguiam
Escapar do retrocesso.

Maria do Bonsucesso
Assim que se conhecia
Uma negra alforriada
Chamada Eva Maria
Que antes da abolição
Já conseguia seu pão
Com as verduras que vendia.

Ela mesma produzia
O que comercializava
Banana, couve, alface
E outras coisas que plantava
Negra forra e aguerrida
Disposta e bem decidida,
Com nada se intimidava.

De manhã ela chegava
Armava seu tabuleiro
Na Rua da Misericórdia
Centro do Rio de Janeiro
Expondo seu conteúdo
Conseguia vender tudo
Durante o dia inteiro.

Eis que o Rio de Janeiro
Velozmente progredia
Há três anos Dom João VI
Na corte já residia
Mais visitante chegava
Muita gente se instalava
Mais a cidade crescia.

A negra Eva Maria
Com seu jeito prazenteiro
Agradava muita gente
Vendendo em seu tabuleiro,
Com sua desenvoltura
Vendia muita verdura
Ganhava muito dinheiro.

Um dia seu tabuleiro
Muito cedinho ela armou
Cheio de couve e banana
E um pouco se descuidou
Numa animada conversa
Veio uma cabra perversa
E sua banca derrubou.

A verdura se espalhou,
Toda banana que havia
A molecada pegava
A couve a cabra comia
Formaram o maior engodo
Destruiram quase todo
Tabuleiro de Maria.

Logo alguém avisaria
A ela o que se passou
Ela voltou furiosa
A dita cabra pegou
Bateu com selvageria
Sem saber que pertencia
Ao filho do Imperador.

Um empregado chegou
E vendo a cabra apanhar
Ficou muito furioso
Da negra quis se vingar
Pois cabra de sangue azul
Comedora de angu
Precisava respeitar.

Ele vivia a cuidar
Da cabra de estimação
Do filho do Imperador,
Era sua obrigação;
Se o príncipe soubesse disso
Provocava um reboliço
Piorava a situação.

Diante da agressão
De um vivo patrimônio
Do filho do Imperador
O homem, feito um demônio
Nem um pouquinho hesitou
E a negra esbofeteou,
Estava armado o pandemõnio.

Mesmo sendo um patrimônio
Do palácio imperial
Maria não fraquejou
E procedeu como tal
Abriu um processo franco
Contra um funcionário branco,
Mesmo da Casa Real.

Sendo um processo normal
Testemunhas arrolou
Dezenas que assistiram
Quando ela apanhou,
Muito embora negra sendo
O branco saiu perdendo
E a justiça o condenou.

Nesse caso o Imperador
Sabendo o que aconteceu
Demitiu o funcionário,
A polícia o prendeu
Maria foi atendida
E a mercadoria perdida
Ela também recebeu.

Esse fato aconteceu
No período do Império
Daquele tempo pra cá
Tudo mudou seu critério
E ainda hoje tem gente
Presunçosa, prepotente,
Que não leva negro a sério.

O que antes era império
Agora é democracia
Negros e seus descendentes
No Brasil é maioria
Mas ainda há branco insano
Que se acha soberano
Vivendo na hipocrisia.

Também grande maioria
De vítima de assassinato
Setenta e cinco por cento
Entre negros, é um fato,
A maioria delinquentes,
Mas muitos morrem inocentes,
A cor é um desacato.

O preconceito é um ato
Infante, vil, infeliz,
Esquecem Joaquim Nabuco
E Machado de Assis
Patrocínio, Luis Gama
Fizeram história e fama
Em nosso imenso país.

Isso a história não diz
Mas desses quatro somente
Quantos bisnetos, trinetos,
No seio de nossa gente
Fazem parte da história
E ainda ostentam a glória
De ser deles dependentes?
Brasília, 16 de Abril de 2022
SÉRIE ESCRAVIDÃO - VOLUME 24
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 19/11/2022
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