MARIA DO BONSUCESSO E A CABRA DO IMPERADOR
MARIA DO BONSUCESSO
E A CABRA DO IMPERADOR Acabou-se a escravidão O negro foi libertado Levas e levas de negros Ficaram desamparados Sem ter para onde ir Sem um lugar pra dormir Nas ruas desamparados. Muitos se viram forçados A roubar para comer Outros faziam arruaças Para a polícia os prender Para a cadeia os levar E garantir um lugar Onde dormir e comer. Não se exagera em dizer Que após a abolição A maioria dos negros Sofreram mais opressão Dormindo ao relento, em valas, Pior do nas senzalas Do tempo da escravidão. Pras negras a situação Não foi menos oprimida, Umas vendiam o corpo Por um prato de comida Outras até encontrava Lugar onde trabalhava Por comer e por dormida. Mulheres mais aguerridas Enfrentavam a desventura Plantando em beiras de rios Um canteiro com verdura Onde nas feiras vendiam Assim elas conseguiam Uma vida menos dura. Assim, vendendo verdura, Umas tiveram progresso Outras, como lavadeiras, Também fizeram sucesso Da culinária viviam E assim muitas conseguiam Escapar do retrocesso. Maria do Bonsucesso Assim que se conhecia Uma negra alforriada Chamada Eva Maria Que antes da abolição Já conseguia seu pão Com as verduras que vendia. Ela mesma produzia O que comercializava Banana, couve, alface E outras coisas que plantava Negra forra e aguerrida Disposta e bem decidida, Com nada se intimidava. De manhã ela chegava Armava seu tabuleiro Na Rua da Misericórdia Centro do Rio de Janeiro Expondo seu conteúdo Conseguia vender tudo Durante o dia inteiro. Eis que o Rio de Janeiro Velozmente progredia Há três anos Dom João VI Na corte já residia Mais visitante chegava Muita gente se instalava Mais a cidade crescia. A negra Eva Maria Com seu jeito prazenteiro Agradava muita gente Vendendo em seu tabuleiro, Com sua desenvoltura Vendia muita verdura Ganhava muito dinheiro. Um dia seu tabuleiro Muito cedinho ela armou Cheio de couve e banana E um pouco se descuidou Numa animada conversa Veio uma cabra perversa E sua banca derrubou. A verdura se espalhou, Toda banana que havia A molecada pegava A couve a cabra comia Formaram o maior engodo Destruiram quase todo Tabuleiro de Maria. Logo alguém avisaria A ela o que se passou Ela voltou furiosa A dita cabra pegou Bateu com selvageria Sem saber que pertencia Ao filho do Imperador. Um empregado chegou E vendo a cabra apanhar Ficou muito furioso Da negra quis se vingar Pois cabra de sangue azul Comedora de angu Precisava respeitar. Ele vivia a cuidar Da cabra de estimação Do filho do Imperador, Era sua obrigação; Se o príncipe soubesse disso Provocava um reboliço Piorava a situação. Diante da agressão De um vivo patrimônio Do filho do Imperador O homem, feito um demônio Nem um pouquinho hesitou E a negra esbofeteou, Estava armado o pandemõnio. Mesmo sendo um patrimônio Do palácio imperial Maria não fraquejou E procedeu como tal Abriu um processo franco Contra um funcionário branco, Mesmo da Casa Real. Sendo um processo normal Testemunhas arrolou Dezenas que assistiram Quando ela apanhou, Muito embora negra sendo O branco saiu perdendo E a justiça o condenou. Nesse caso o Imperador Sabendo o que aconteceu Demitiu o funcionário, A polícia o prendeu Maria foi atendida E a mercadoria perdida Ela também recebeu. Esse fato aconteceu No período do Império Daquele tempo pra cá Tudo mudou seu critério E ainda hoje tem gente Presunçosa, prepotente, Que não leva negro a sério. O que antes era império Agora é democracia Negros e seus descendentes No Brasil é maioria Mas ainda há branco insano Que se acha soberano Vivendo na hipocrisia. Também grande maioria De vítima de assassinato Setenta e cinco por cento Entre negros, é um fato, A maioria delinquentes, Mas muitos morrem inocentes, A cor é um desacato. O preconceito é um ato Infante, vil, infeliz, Esquecem Joaquim Nabuco E Machado de Assis Patrocínio, Luis Gama Fizeram história e fama Em nosso imenso país. Isso a história não diz Mas desses quatro somente Quantos bisnetos, trinetos, No seio de nossa gente Fazem parte da história E ainda ostentam a glória De ser deles dependentes? Brasília, 16 de Abril de 2022 SÉRIE ESCRAVIDÃO - VOLUME 24
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 19/11/2022
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