José Medeiros de Lacerda

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Textos

NEGRO RUGÉRIO - O REI DA FARINHA
NEGRO RUGÉRIO
O REI DA FARINHA
No tempo da escravidão
Muitos quilombos surgiam
De negros insatisfeitos
Que das senzalas fugiam
E ferozmente caçados
No tronco eram torturados,
Porém muitos conseguiam.

Dos escravos que fugiam
Sem serem capturados
Se agrupavam no mato
Em local desabitado
Onde ninguém se atrevia
A fazer uma travessia,
Pois era muito arriscado.

Nesses locais agrupados
Após grande penitência
Organizavam um quilombo
Pra oferecer resistência
Se fossem importunados,
E ali faziam roçados
Pra sua sobrevivência.

Mesmo com deficiência
Conseguiam cultivar
Principalmente mandioca,
Milho pra fazer fubá,
Caça em abundância tinha
E fabricavam farinha
Pra poder se alimentar.

Conseguiam até criar
Vez por outra uma vaquinha
Capturada em rebanhos
De alguma fazenda vizinha
Assim também procedia
Com animais de montaria,
Peru, criação, galinha.

O Espirito Santo continha
Vários quilombos formados
Devido às grandes montanhas
E locais bem escarpados
Propícios pra se esconder,
E para sobreviver
Manter pequenos roçados.

Desses quilombos formados
Um deles se destacou
Reuniu os quilombolas
E a todos organizou
Elegendo liderança
Sob sua ordenança
E a coisa funcionou.

Um deles se destacou
Entre outros líderes que tinha
Por acolher fugitivos
Que de muito longe vinha
Junto a ele se abrigar
E assim conseguiu montar
Uma casa de farinha.

De todo quilombo vinha
A raiz que produzia
Pra transformar em farinha
No sistema parceria
No trabalho a se unir
Chegaram a produzir
Cinquenta sacas por dia.

O chefe deles vendia
Para toda a região,
Até Dona Rita Cunha
Que era mãe de barão
Chegou a ser uma parceira
Comprando a fornada inteira
A preço de ocasião.

O Líder da região
Negro Rugério chamado
Vendia tudo mais barato
Do que o preço do mercado
Com isso ela se calava
E nunca os denunciava
Deixando-os sossegados.

O dinheiro arrecadado
Era todo dividido
Com os quilombos parceiros
Que haviam produzido
Assim todos ganhariam
Cada vez mais produziam
Mesmo plantando escondido.

Comércio bem sucedido
Serviu até pra ajudar
Os meninos quilombolas
Começarem a estudar
Com outras classes misturadas
De maneira disfarçada
Chegando até se formar

Logo passaram a chamar
Rugério, O Rei da Farinha
Como atravessadora
Dona Rita também vinha
Sempre lhes auxiliando
Seu produto transportando
Pela região vizinha.

O comércio de farinha
Logo incomodaria
Os grandes comerciantes
Da alta aristocracia
Que perdia no mercado
O monopólio formado
Como a nobreza queria.

Pois Dona Rita vivia
Combatendo ma exploração
E era muita temida
Pois era a mãe do Barão
De Aymorés o preferido,
Do Imperador e querido
Em todo aquelo sertão.

Os negros da região,
Escravos e alforriados
Confiavam em Rugério
Como um líder afamado
Que a todos protegia;
Vez em quando um se feria
E por ele era cuidado.

Rugério e outro aliado
Líder na sua região
Benedito Meia Légua
Pra manter a tradição
Vinda da terra africana
De uma seita angolana
Criaram uma religião.

Deram-lhe um nome, então,
De Cabula, entre os seus,
Com luta, oração e dança
Tendo o Banto como um deus
Passando a ser venerada
Em senzalas praticada
Na região de São Mateus.

Disseminada entre os seus
A Cabula se espalhou
Saindo do Espírito Santo
Na Bahia se alastrou
Com os negros praticando
E terminou nomeando
Um bairro em Salvador.

Voltando ao seu fundador,
Rugério, o da farinhada,
Escravo de Rita Cunha
Que fugiu de sua guarda
Porém ela o libertou
Porque muito mais ganhou
Sendo sua aliada,

Porém o fim da jornada
Pra Dona Rita chegou
Rugério ficou sozinho
Seu comercio desandou
Quando a polícia surgiu
Seu quilombo descobriu
E seu engenho queimou.

Quem não morreu se entregou
Com raríssima exceção
Alguns fugir conseguiram
Se embrenhando no sertão
Rugério seguiu lutando
Com seu povo praticando
A sua religião.

Cabula hoje é tradição
Entre a raça brasileira
Descendente dos escravos
Que ostentam essa bandeira
Nos cultos afros, no axé,
Na umbanda, no candomblé,
Nas rodas de capoeira.

Rugério formou fileira
Quando desapareceu
Sua farinha acabou-se
Mas ele permaneceu
Na Cabula com requinte;
No início do século vinte
Finalmente ele morreu.
Maceió, 14 de Março de 2022
SÉRIE ESCRAVIDÃO - VOLUME 23
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 19/11/2022
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