José Medeiros de Lacerda

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Textos

VIRIATO CANCÃO DE FOGO - O FILHO DA NOITE
VIRIATO CANCÃO DE FOGO
O FILHO DA NOITE
No tempo da escravidão
Era comum os navios
Até de poucos calados
Enfrentarem desafios
Carregando negros bravos
Na corrente, como escravos,
Cruzando os mares bravios.

Foi num desses desafios
Que no Brasil aportou
Um desses navios negreiros
Que da África chegou,
Do Congo, precisamente,
Carregando um contingente
De negros para o labor.

Logo chegava um senhor
De engenhos, selecionando
O tanto que precisava,
Comprava e ia levando
Com feitores bem armados
Que os conduzia amarrados
Léguas e léguas andando.

Enquanto estavam tirando
Os negros pra o seu destino
Lá no porão do navio
Descobriram um menino
Que não foi capturado,
Estava desacompanhado
Perdido, em desatino.

Enfim, levaram o menino
Com os companheiros seus
Para as fazendas dos Cunhas
Na região de São Mateus
Onde haviam africanos,
Congoleses, angolanos,
Que cultuavam seus deus.

E foi crescendo entre os seus
Ligeiro igualmente um gato
Pouco entrava na senzala,
Dormia sempre no mato
Perguntaram o nome seu
De pronto ele respondeu:
«Eu me chamo Viriato.»

Feitor, capitão do mato,
No começo proibia
Que ele dormisse fora
Porém ele insistia
Em dormir ali por perto
Num local a céu aberto
Onde todo mundo via.

Dificilmente sorria
Não era muito de rir
Perguntado de onde veio
Como foi parar ali,
Para aumentar a intriga
Dizia, «Foi da barriga
Da noite que eu nascí.»

Foi ficando por ali
Feitor foi lhe dando trégua
Quando já estava taludo
Deu de garra de uma égua
Tratou de se escafeder
Pois queria conhecer
Benedito Meia Légua.

Bem longe largou a égua
Para rastro não deixar
Sumiu pelo matagal
Meia Légua a procurar
Seguindo pelo roteiro
Que lhe deu um companheiro,
Até seu povo encontrar.

Meia Légua a investigar
Tudo do seu paradeiro
Só dizia que chegou
Num grande navio negreiro
Não lembrava dos seus pais
Se os teve não soube mais
Da família o seu roteiro.

Seu instinto de guerreiro
Meia Légua conquistou
O iniciou na Cabula
Aos mestres se aliou
Aprendeu a capoeira
E na arte da rasteira
Logo se aperfeiçoou.

Bom guerreiro se tornou
Veloz, firme e decidido
Viriato Cancão de Fogo
Lhe deram esse apelido,
Nasceu como num açoite
Pela barriga da noite
Da África um filho perdido.

Por haver desenvolvido
O seu olhar de cancão
Aperfeiçoou a prática
De andar na escuridão
Entrava onde queria
E sem problema saía
Dando uma de espião.

Garantiu essa função
Porque conseguia entrar
Nas fazendas mais seguras
E a tudo investigar
Colhendo informações
Onde haviam provisões
Para depois se atacar.

Aprendeu a guerrear
Praticando no escuro
A técnica da capoeira
Que assim era mais seguro
Criou um grupo perfeito
Pra lutar de qualquer jeito
Até em cima de muro.

Assim era mais seguro
Proteger negro fugido
Acompanhava nas sombras
Os escravos foragidos
Que pra quilombo fugia
Levando com garantia
Para o local escolhido.

Se algum negro fugido
Se sentisse encurralado
E gritasse por socorro
Era fato comprovado
O espírito de Viriato
Punia capitão do mato,
Salvava o aprisionado.

E foi ficando afastado
Andando na escuridão
Vez por outra aparecia
Para dar satisfação
Assim, toda sua gente,
Do mais fraco ao mais valente,
Tinham sua proteção.

O grupo da escuridão
Assim ficou conhecido
O bando que ele formou
Pois só andava escondido
Evitando a luz do dia
Só de noite o bando agia
Pelo mais desprotegido.

E assim, vivendo escondido,
Enfim desapareceu
Ninguém sabe quando, como,
De que forma ele morreu,
O certo é que sucumbiu,
Ou seja, ele sumiu
Da forma que apareceu.

Porém o legado seu
Obteve resultado
Porque levou a Cabula
Pra o meio do povo amado
Essa prática se impôs
Até para os Caialôs
Que são os não iniciados.

O ensinamento deixado
Por ele não se acabou
Pois o grupo de elite
Que com esforço criou
Atuou durante anos
Provocando os soberanos
Que a seu povo castigou.

Com ele se perpetuou
A mítica do desagrado
Sempre que havia fuga
O seu nome era lembrado
Por quem estava se salvando
Dessa forma o elevando
Ao status de Encantado.

Descendentes do passado
Não lembram dele hoje em dia
Mas ainda há quem venere
Seus feitos com alegria
Tido como protetor
Até no que se chamou
Mesa de Santa Maria.
Crato-CE, 27 de Fevereiro de 2022
SÉRIE ESCRAVIDÃO - VOLUME 22
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 19/11/2022
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