CONSTÂNCIA D'ANGOLA - VÍTIMA DE TIRANIA
Província do Espírito Santo
No sertão de São Mateus Fins do século dezenove Este fato aconteceu Com requinte de maldade; Negro era ´propriedade, Riqueza dos donos seus. A região de São Mateus Tinha desenvolvimento Onde o Rio Cricaré Que quer dizer sonolento Por suas águas amenas Profundas porém serenas Desciam em ritmo lento. Gritos de dor e lamento Que pela serra ecoava De uma negra no tronco O rio presenciava Sofrendo ela padecia Mais o chicote batia Mais e mais ela gritava. A negra ameaçava Sua senhora matar Por isso estava amarrada No tronco para apanhar; Quanto mais batiam nela Mais crescia dentro dela Vontade de se vingar. O desejo de matar Dessa negra acorrentada Vem de uma perversidade Que a ela foi aplicada Fria e covardemente E a deixou constantemente No tronco chicoteada. Se a história é mal contada Não ousem me criticar Pois fui juntando os pedaços De tanto e tanto estudar Sei que a trama é verdadeira; E essa tragédia inteira Eu vou em versos contar. Esse fato fez gerar Muito ódio e confusão É uma saga emoldurada Da tal colonização Onde só rico podia, Quem era pobre vivia Submisso a opressão. No tempo que a região Do Vale do Cricaré Sangue de negro, de índio E nordestino de fé Jorravam feito cascatas Na derrubada das matas Pras lavouras de café. Nas margens do Cricaré Índio era pegado a unha E dividia as senzalas Com os negros, se supunha, Surge uma crioula parda Propriedade privada Do Coronel Gomes Cunha. De Angola a sua alcunha Talvez pela procedência Constância era o seu nome E tinha boa aparência, Solteira, inteligente, Sempre muito obediente, Pra sua sobrevivência. Devido a sua serviência Aquela bela mulher Foi levada da fazenda Às margens do Cricaré Com negros de sua estima Pra o lugar Serra de Cima No cultivo do café. Na região do Cricaré Tinha extensos cafezais Mas Constância trabalhava Entre os canaviais Pois os seus proprietários Eram latifundiários, Poderosos sem rivais. E daqueles cafezais Pra onde ela foi levada Demorou pouco no eito E foi logo retirada Para servir de mucama, Passaria a ser a ama, De Dona Rita a criada. Por ser muito dedicada Gozava da boa estima Dos brancos da Casa Grande De lá da Serra de Cima, Mas em todo bom terreno Por mais tranquilo e ameno Sempre há mudança de clima. Por gozar de boa estima Na senzala não dormia Tinha cama com lençol, Mas com toda regalia Sabia que era escrava, De nada participava E seu povo não esquecia. De vez em quando ela ia Com seus amigos ficar Compartilhar rituais, De cultos participar Pois a tudo ela seguia, E a senzala servia Até para namorar. E foi de tanto ir pra lá Que um filho ela arranjou, Por morar na Casa Grande A senhora não gostou, Aquilo era impedimento; Achava um atrevimento O filho que ela arranjou. Mas Constância continuou Na Casa Grande servindo, Num cantinho do seu quarto Deixava o filho dormindo Vez por outra amamentava, A senhora reclamava Mas ela ia resistindo. Constância estava sentindo Que não continuaria Servindo na Casa Grande, E tudo que ela queria Era estar com seu povo, Voltar pro eito de novo Que eles a ajudaria. Sempre que ela pedia A Casa Grande negava Até o leite do filho A senhora lhe negava Ainda a proibia De ver o filho de dia E amamentar não deixava. Com isso o filho chorava Da fome que padecia, Um bebê recém nascido De madrugada comia Depois ficava trancado Chorando desesperado, Só à noite mamaria. Constância às vezes fugia Mas era capturada, Passava horas e horas No tronco chicoteada Suas chagas suportando, Ouvindo o filho chorando E sem poder fazer nada. Quando era libertada Voltava pra servidão Sem poder reclamar nada, Sofrendo grande opressão; Com serviço acumulado O trabalho era dobrado, Não tinha contestação. Aquela situação Cada vez mais piorava O filho passando fome A cada dia definhava Sofrendo grande agonia, Pois quanto menos comia Tanto mais ele chorava. A senhora não deixava Constância voltar pro eito Nem suportava o negrinho Chorando daquele jeito, Pensou numa solução; Praquela situação Já tinha um plano perfeito. Pega o negrinho de jeito, Chorando desesperado O jogou numa fornalha Que morreu carbonizado Resolvendo seu problema, Mas criando outro dilema Para ser solucionado. Com um grito alucinado A negra, descontrolada, Agarrou sua senhora Pra matá-la asfixiada Outros brancos acudiram E quase não conseguiram Que ela fosse controlada. Constância foi amarrada No tronco e ali ficando Noite e dia chicoteada, Sempre vingança jurando, Quanto mais ela apanhava Mais forte ainda ficava, Sua ira mais aumentando. Até certa noite, quando Um líder da região, Viriato Cancão de Fogo A libertou da prisão E a levou para lutar Com a intenção de se vingar Dos brancos sem coração. Aumentou mais a tensão Com a fuga de Constância Os negros estavam bravos Pela morte da criança Ela agora unida a eles Com certeza alguns deles Iriam fazer lambança. Com o filho na lembrança Constância, agora guerreira, Oculta nos arredores Acharia uma maneira Da vela Rita matar, Mas queria eliminar Aquela família inteira. Os brancos, sobremaneira, Andavam mesmo assustados, Os negros da região Estavam inconformados Desde a morte da criança E a fuga de Constância Com alguns negros aliados. Estavam encurralados Temendo carnificina, Pra livrarem Dona Rita Acusaram Dona Lina E até Theodózia Vieira Citaram como parceira Daquela saga assassina. Até que enfim se destina Pra se livrar de Constância Deixarem a Serra de Cima, Fazenda Boa Esperança Na Serra dos Aymorés Com alguns escravos fiéis Pra se livrar da matança. Enquanto isso Constância Com Cancão de Fogo unida Guerreava contra o governo, Livrando, salvando vida, Incendiando senzala Lutando com faca ou bala Cada vez mais perseguida. Até que numa investida Ela foi aprisionada Pelos capitães do mato, Em praça pública surrada E em certa ocasião Durante uma procissão Foi por Cancão libertada. Depois ficou entocada Procurando uma maneira De entrar na Casa Grande Porém a família inteira Saiu da Boa Esperança; No desejo de vingança Encontrou Zé Oliveira. Cabra sem eira nem beira Com quem tinha desacato Era feitor na fazenda Quando houve o assassinato, Tinha sido promovido. Por Zé Diabo conhecido Virou capitão do mato. Chegaram às vias de fato Em luta descomedida Às margens do Piaúna Constância caiu vencida, Morreu lutando, de fato, Mas o capitão do mato Zé Diabo, perdeu a vida. Foi encontrada caída Por seu feito heróico e bravo Fizeram o sepultamento Na Cachoeira do Cravo Numa cova lá no cantinho Com as cinzas do seu filhinho No cemitério de escravos. Fatos como esse, bravos, A nossa história não conta, Da tirania dos brancos; Só falhas negras aponta; Isso é coisa repetida. Com gente desprotegida O poderoso ainda apronta. Tianguá-CE, 25 de Fevereiro de 2022 SÉRIE ESCRAVIDÃO - VOLUME 21
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 19/11/2022
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