José Medeiros de Lacerda

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Textos

MARIANA CRIOULA - A PRETA DE ESTIMAÇÃO
Dou um balanço na História
Com a minha inspiração
Pra versejar mais um fato
Do tempo da escravidão
Falando de uma mucama
A Crioula Mariana
A preta de estimação.

No tempo da escravidão
Quem era negro sofria
Não havia sentimento
Pois negro não existia
Como gente, era verdade,
Era só propriedade,
Branco comprava e vendia.

A compra se dividia
Em negro reprodutor
Boas negras parideiras
Para enriquecer senhor
Aumentar a produção
E as pretas de estimação
Com quem se fazia amor.

A esposa do senhor
As escravas escolhia
Pra servir na Casa Grande
Essas tinham regalia
Eram as arrumadeiras
Cozinheiras, bordadeiras
E damas de companhia.

Naquele tempo existia
O café em abundância
Por isso os navios negreiros
Chegavam com mais constância
Levas de negro chegava
Se vendia, se comprava
Sempre com mais relevância.

Em uma rica estância
Das fazendas a maior
Manoel Francisco Xavier
Que era o capitão-mor
Tinha um casal de escravos
Dos mais fortes e mais bravos
Que valiam ouro em pó.

Esses o capitão-mor
Por nada negociava
Mariana Crioula, a negra,
Na Casa Grande morava
A «preta de estimação»
Da mulher do capitão
Que muito lhe estimava.

O marido trabalhava
No eito com os escravos
Era forte como um touro
O mais valente entre os bravos
Por ser dela separado
Vivia inconformado
E estava sempre em conchavo.

Enquanto a mulher do escravo
Cujo nome era José
Gozava de regalias
De Francisca Xavier
Esposa do capitão
O marido cavava o chão
Na lavoura de café.

Houve um grande «rapapé»
Nas fazendas da região
Mais de trezentos escravos
Fugiram na rebelião
Com alguns capturados,
José foi assassinado
Durante a fuga em questão.

A esposa do capitão
Nessa revolta perdeu
Sua preta de estimação
Que sabendo o que ocorreu
Na luta e que seu marido
Também havia morrido
Juntou-se com o povo seu.

Mariana se enfureceu
Lutando o quanto podia
Juntou-se com Manoel Congo
Dos escravos a chefia
Onde essa dupla passava
Mais escravos libertava
Mais a revolta crescia.

Apesar da rebeldia
O grupo foi dominado
Manoel Congo e Mariana
Foram logo delatados
Por uma comissão que tinha
Como o rei e a rainha
Do grupo de sublevados.

Trezentos capturados
Durante essa rebeldia
Só em Paty dos Alferes
Onde era a freguesia
Do tal grupo rebelado
Dali seriam levados
E uma corte os julgaria.

O julgamento seria
Em Vassouras, povoado
A que Paty dos Alferes
Estava subordinado.
Pra ser julgados no evento
Haviam mais de trezentos,
Só dezesseis condenados.

Nas ruas do povoado
O povo se aglomerava
Para ver os condenados
Que no momento chegava
Ouviram uma negra dizer
Que preferia morrer
A voltar a ser escrava.

Com o brado dessa brava
Ojerizando a senzala
A multidão reunida
Quis partir para linchá-la
Mas Francisca Xavier
Do capitão Xavier
Interviu para salvá-la.

Quem condenava a senzala
Gritando na multidão
Era Mariana Crioula
A preta de estimação
Que por já ser protegida
Ficou devendo sua vida
À mulher do capitão.

E foi devido a essa ação
Que as mulheres condenadas
Com o apelo da Crioula
Deixaram de ser julgadas
Voltando para as senzalas.
Ao invés de condená-las
Tiveram as vidas poupadas.

Mesmo sem serem julgadas
Mariana em desespero
Teve que ficar presente
Para ver seu companheiro
Manoel Congo ser julgado
E ali mesmo enforcado
Ao lado de outros parceiros.

Era assim que os brasileiros
Tratavam a escravidão
Negro trabalhava muito
Sem receber um tostão
Comendo angu estragado
E dormindo acorrentados
Estirados pelo chão.

Perdoem a dissertação
Mas não dar para evitar
Esse assunto tão insano.
Eu só queria narrar
A história de uma escrava
Imponente, forte e brava
Mas tive que dissertar.

Preconceito ainda há
Em qualquer repartição
Devido essa chaga herdada
Do tempo da escravidão
Onde o branco era normal,
Negro era só animal
De comercialização.

Dormiam na escuridão
Na senzala infectada
Uma rústica construção
Da Casa Grande afastada
Vivendo como animal,
Nascem pra ser serviçal,
Não tinham alma nem nada.

Se fosse a causa apurada
Hoje, no tempo atual,
O sofrimento do negro
Padecendo todo mal
O branco que impunha algema
Sem ter pudor, sem ter pena
Ante o escravo, era o animal.

Essa fama infernal
Que o homem branco criou
Desonra a sociedade
Desvirtua o seu valor
Pois o branco que escraviza
Não vale o chão onde pisa,
Não honra o nome Senhor.

Ainda bem que acabou
Esse episódio banal
Só falta acabar as cotas
Pra voltar tudo ao normal
Se os direitos são iguais,
Pra que ter menos e mais
Podendo ser tudo igual?

Mas vou voltar afinal
Onde fiz a narração
De uma escrava e prosseguir
Fazendo dissertação
Preciso retroceder
Pois ainda quero fazer
De Mariana a descrição.

No início a escravidão
Era com gente africana
Desde a colonização
Bem antes de Mariana
E aqui foram procriando
No Brasil foram gerando
Uma raça soberana.

A Crioula Mariana
Foi nascida no Brasil
E já tinha trinta anos
Quando a revolta eclodiu
Filiação desconhecida
Ainda criança vendida
Como antes existiu.

De uma senzala saiu
Para outro canto qualquer
Até chegar à herdade
Do Capitão Xavier
Por ser bonita e prendada
Da senzala foi tirada
E presenteada à mulher.

Francisca Elisa  Xavier
Esposa do Capitão
Tinha em Mariana Crioula
Confidência e devoção.
A escrava teve vitória
E eu conclui a história
Da Preta de Estimação.
Aracaju, 08 de Fevereiro de 2021
SÉRIE ESCRAVIDÃO - VOLUME 15

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 18/11/2022
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