José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

CHICA DA SILVA - UMA ESCRAVA PODEROSA
Escrevi muitos folhetos
Falando de escravidão
Principalmente de escravas
Devido a submissão
Que além da serventia
No eito ainda servia
Nas libidos do patrão.

No tempo da escravidão
Negro valia dinheiro
Quem tinha muitos escravos
Era um rico fazendeiro
Que atuava no cafezal
Riqueza de Portugal
E do Império Brasileiro.

Ouro no Rio de Janeiro
Brilhava nos carrascais
Em todo chão brasileiro
Se extraía minerais
Sendo os mais relevantes
A extração de diamantes
Dar ricas Minas Gerais.

Ali onde havia mais
Movimento extrativista
Maior movimentação
Do regime escravagista
Que o Brasil registrou
Também onde começou
A luta abolicionista.

Escravo a perder de vista
Tinha aquela região
Dominados por feitores
Tendo à frente um capitão
Geralmente um fazendeiro
Dono de terra e dinheiro
Título de conde ou barão.

Chegou nessa região
Vindos da terra africana
Uma leva de escravos
Para trabalhar com cana
Com mina e com cafezal
Enriquecer Portugal
E sua gente soberana.

Nessa remessa africana
Vinda da Costa da Mina
Vinha uma jovem escrava
Ainda quase menina
Que despertou a cobiça
E a cabeça enfeitiça
Daquela gente granfina.

Maria era a menina
Que tal reboliço fez
Antônio Caetano Sá
Homem branco português
Adquiriu essa escrava
E em pouco tempo ela estava
Em estado de gravidez.

De Maria e o português
Nasceu a filha Francisca
Mulata mu7ito faceira
Intempestiva e arisca
Escrava mas sem comando
Não aceitava desmando
Com seus olhos de faisca.

Logo levaram Francisca
Afim de ser batizada
Na Igreja da Candelária
Com o nome Francisca Parda
Que escrava só tinha nome
E o país o sobrenome
De onde foi retirada.

Mas Francisca foi gerada
E nascida no Brasil
O Pai nega o sobrenome
Silva era um nome vil
Em Portugal muito usado
Por sobrenome adotado
E pra Francisca serviu.

O seu registro civil
Foi lavrado na ribeira
De Arraial do Milho Verde
João Fernandes de Oliveira
Contratador de renome
Que emprestou o sobrenome
Para sua companheira.

Francisca Silva Oliveira
Assim ela foi chamada
Nas mãos do contratador
Passa a ser alforriada
Começa a se destacar
Entre as negras a brilhar
Pelas brancas invejada.

Antes de alforriada
Levava sua vidinha
Sendo mucama do médico
Manoel Pires Sardinha
Grande latifundiário
No Tijuco proprietário
Que a fazia rainha.

Com o médico Pires Sardinha
Teve seu filho primeiro
O pai nega o sobrenome
Mas faz dele seu herdeiro
E lhe concede alforria
A Portugal o envia
Pra seus estudos primeiros.

Ao Império Brasileiro
Simão Pires retornou
Sendo ele o filho de Chica
Com o médico que o educou
Até que o mesmo formou-se
E na Corte destacou-se
Em cargos de alto valor.

Depois o contratador
Explorador de diamantes
Comprou a escrava Chica
E fez dela sua amante
Frequentando os ambientes
Das mais fidalgas patentes
Carregada de brilhantes.

Mesmo sendo só amantes
Treze filhos se gerou
Todos com o sobrenome
Do pai, o contratador
Ato incomum, nada franco
Entre as leis do homem branco
E esta regra se quebrou.

Chica e o contratador
Em união consensual
Não foi um caso isolado
No Brasil Colonial
O que chamava atenção
Foi a extensa duração
O que não era normal.

O estigma social
Se sentia incomodado
Um homem de alto posto
Viver assim rebaixado
Isso o que o povo pensava
Porque o casal gostava
Vendo o povo incomodado.

João Fernandes foi chamado
De volta a Portugal
Pra receber uma herança
Do pai, uma coisa normal
E teve que ficar lá
Para administrar
O seu patrimonial.

Como era natural
Educar filho varão
Os quatro filhos com Chica
Seguiram na embarcação
Com o pai pra Portugal
Deixando a terra natal
Levando  a recordação.

Lá tiveram formação
De nível superior
Ocuparam altos postos
Já sendo tudo doutor
Até títulos de nobreza
Ganharam na realeza
E nenhum mais retornou.

Chica no Brasil ficou
Com as nove filhas somente
E o patrimônio deixado
Vivendo uma vida decente
No Arraial do Tijuco
E ninguém era maluco
De mexer com aquela gente.

Uma negra independente
Conhecida na região
Deu às suas nove filhas
Uma boa educação
Igual às que recebia
A alta aristocracia
Do tempo da escravidão.

Além de boa formação
Aprenderam a tricotar
Num convento religioso
E só sairam de lá
Depois de bem educadas
Religiosas, recatadas
E em idade de casar.

Algumas ficaram lá
Sentindo necessidade
De ser freira e continuar
Sua religiosidade
Pois mesmo filhas bastardas
De escrava alforriada
Tinham total liberdade.

Ninguém naquela cidade
Ousavam desrespeitar
Filhos de Chica da Silva
Sem um castigo pegar
E o povo sabendo disso
Não provocavam enguiço.
Pra não se prejudicar.

Qualquer coisa peculiar
Ao branco também servia
A Chica e sua família
Toda e qualquer regalia
Fosse na sociedade
Ou na religiosidade
Também Chica usufruía.

A igreja que servia
Somente a gente branca
Chica da Silva e as filhas
Também tinha entrada franca
Se uma porta se fechava
Ela abria e entrava
E ninguém botava banca.

Chica tinha entrada franca
Porque também ajudava
Dando altos donativos
A todos que a procurava
Tanto a Ordem da Mercês
E também de outras três
Onde ela frequentava.

As ordens que ela ajudava
Com afeto e com louvor
Do Carmo e de São Francisco
Dos brancos que a respeitou
Dos pardos era as Mercês
E do Rosário era a vez
Do povo de sua cor.

Quatorze filhos gerou
Simão Pires, o primeiro
Joaquim, Antônio Caetano
João Fernandes o terceiro
Por fim José Agostinho
Por todos tinha carinho
Mesmo estando no estrangeiro.

E no solo brasileiro
Nove em sua companhia
Eram Francisca de Paula
Rita, Ana, Helena, Luzia
Antônia Quitéria Rita
Que era a filha mais bonita
Por fim Mariana e Maria.

Chica da Silva possuía
Padrão de vida elevado
Tinha cento e quatro escravos
Pra fazer os seus mandados
Uns pretos como a mãe dela
Outros mulatos como ela
Todos muito bem tratados.

Alguns viviam alugados
Para cuidar de rebanho
Nas minas, na agricultura
Ou eram escravos de ganho
Ninguém os maltrataria
E a nenhum dava alforria
Do mais pacato ao mais zanho.

Se aumentava seus ganhos
Vivendo entre ouro e brilhos
Com nove filhas mulatas
Sem ter notícias dos filhos
A origem negra e escrava
Na sociedade lhe trava
E lhe coloca impecilhos.

Filhas casaram com filhos
De brancos de posição
Algumas não conseguiram
Legitimar a união
E outras nem casar puderam
E só paz obtiveram
Entrando pra religião.

Era grande a rejeição
Difícil branco aceitar
Nessa época o mulatismo
Os impedia de ocupar
Cargos de alto prestígio
Daí o grande litígio
Pra se notabilizar.

Até hoje ainda há
No povo esse preconceito
Criando cotas em tudo
Sendo isso um grave defeito.
Pois se o negro é capaz
De fazer o que branco faz
Tem que ser do mesmo jeito.

Enfim esse preconceito
É orgulho ressentido
Depois que Chica morreu
Seu nome foi esquecido
Ou tentaram apagar
Pra deixar de incomodar
Aos mais favorecidos.

Mas nada foi esquecido
Em sua biografia
Escritores se empenharam
Em contar tudo hoje em dia
E eu como amigo da arte
Também faço a minha parte
Contando tudo em poesia.

Chica da Silva hoje em dia
É decantada em canção
Virou tema de novela
História de ficção
Partindo para o esquisito
Transformando o tema escrito
Para massificação.

Teve até exumação
Feita dos restos mortais
Na Igreja de São Francisco
De Assis em Minas Gerais
Pra mexer no que está certo
Provocando desafeto
E brigas judiciais.

Pois os seus restos mortais
Para o Arizona seguiu
Só com ajuda da INTERPOL
Se receber conseguiu
Em litígios controversos
E eu concluí com meus versos
Mais um COISAS DO BRASIL.
Massaroca-BA, 19 de Maio de 2021
SÉRIE ESCRAVIDÃO - VOLUME 4
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 17/11/2022
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