José Medeiros de Lacerda

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Textos

OS SETE CANGACEIROS
Com a morte de Lampião
O cangaço fracassou
Quem não morreu na chacina
Pelo mato se espalhou
Outros bandos se formaram
Pouco a pouco se acabaram
Até que tudo acabou.

Corisco ainda formou
Um grupo mais resistente
Outros em dupla tentaram
Um cangaço independente
Enfim, todos os Estados
Tiveram bandos armados
Porém bem menos potentes.

Foi assim nesse ambiente
Que um grupo que se salvou
Da chacina de Angicos
E no mato se embrenhou
Serra abaixo, serra arriba,
Foi parar na Paraíba
E um bando se formou.

O sertão se transformou
Com esse bando desordeiro
Que espalhou o terror
De Patos até Monteiro
Esse grupo de bandido
Logo ficou conhecido
Como OS SETE CANGACEIROS.

Esse grupo desordeiro
Todos tinham medo deles
A polícia procurava
Para dar um jeito neles
Que assaltavam o dia inteiro
E ali todo fazendeiro
Já foi roubado por eles.

Mão de Ferro, o chefe deles
Também tinha Pé Furado
Cobra Verde, Come Cru
Pinga Fogo, João Errado
E completando o permeio
O sétimo era Doido e Meio
Tá o bando nomeado.

Esse bando era malvado
Bandidos de profissão
Com astúcia e quengadas
Viviam pelo sertão
Só desordens praticando
Roubando gente e matando
Todos de armas na mão.

Fazendo tapeação
Mão de Ferro ordenava
Um capanga disfarçado
De mendigo que chegava
Demonstrando sofrimento
Pedia algum alimento
Nas casas onde chegava.

O da casa descuidava
Ele ficava a anotar
O que via pelas casas
Para ao chefe contar
O que ia encontrando
Para voltar com o bando
E a dita casa roubar.

Mas agora eu vou falar
De um pequeno fazendeiro
Com mais de quarenta anos
E ainda era solteiro
Não por ser desajeitado
Mas por não ter encontrado
Um amor fiel, verdadeiro.

Mesmo sendo fazendeiro
Ele tinha pouco gado
E ele mesmo era o vaqueiro
Dava voltas no cercado
Pasto e gado vigiava
E quando tempo sobrava
Trabalhava no roçado.  

Por Aprígio era chamado
Forte e robusto de mais
E mais adiante morava
Um velho chamado Braz
Casado com Dona Hortência
Três filhas na dependência
Vivendo na santa paz.

As filhas do velho Braz
Rosa, Gercina e Maria
As três eram tão bonitas
Como o sol do meio dia
Todas de maioridade
Com religiosidade
Na paz da santa harmonia.

Aprígio sempre dizia:
- O tempo passa ligeiro
Moça nova não me quer
A não ser por meu dinheiro
Mas eu vou no velho Braz
Vê se o destino me traz
Um casamento ligeiro.

E pediu ao fazendeiro
A Gercina em casamento
Houve uma reunião
Braz deu o consentimento
Perante o povo presente
E Aprígio voltou contente
Sorrindo até com o vento.

Três meses e o casamento
De Aprígio com Gercina
Foi notícia de destaque
Chegou até gente fina
De Patos e região
Chamada em todo sertão
Como pessoa granfina.

Assim mudou-se Gercina
Pra sua nova morada
Ao lado de seu Aprígio
Pessoa conceituada
Que dividiu sua vida
Com sua esposa querida
Ali não faltava nada.

Aprígio via a amada
Como uma jóia bem fina
Tinha-lhe uma amizade
Cem por cento genuina
Por onde eles passavam
Muitas mulheres ficavam
Com inveja de Gercina.

Duas vidas em uma sina
Como bem diz o ditado
Eram queridos por todos
E o pobre necessitado
Se acaso ali chegasse
Pedindo que o ajudasse
Voltava reconfortado.

Nesse lar abençoado
Visita nunca faltava
Por todos eram queridos
Um trazia outro levava
Tinha ajuda dividida
Roupa, remédio e comida.
E tudo se arranjava.

Somente um filho faltava
E Gercina engravidou
Aprígio dava pinotes
De tão feliz que ficou
E se cumprindo o destino
Nasceu um belo menino
E Joãozinho se chamou.

A criança se criou
Forte, bonito, inocente
O pai sorrindo alegre
E a mãe muito contente
Até se verem envolvidos
Com aqueles sete bandidos
Que vinham matando gente.

Assim chegou um indigente
Sem consciência e sem nome
Roto, sujo e parecendo
Que há três dias não come
Com a boca aberta e chorando
Um alimento implorando
Quase morrendo de fome.

Era Cobra Verde o homem
Gercina veio em seguida
Perguntou-lhe o que queria
O cabra com voz sumida
Mostrando grande agonia
Disse: - Senhora eu queria
Um restinho de comida.

A mulher compadecida
Deu-lhe uma penca de banana
Dizendo: - Vá mastigando
Enquanto a fome engana
Pois aqui não falta pão;
Em termos de gratidão
A humildade é soberana.

Ele pegou as bananas
Ela se distanciou
Ele saiu se esquivando
E na camarinha entrou
Notando tudo que via
Depois por onde saía
E num armário se ocultou.

Depois Gercina chamou
- Meu senhor, venha pra cá!
Como ele não respondeu
Saiu levando até lá
Um prato bem preparado
Feijão, arroz, bode assado
Suco de maracujá.

E o bandido a se ocultar
Consigo mesmo pensava
Que a meia noite em ponto
A turma toda chegava
Mão de Ferro no comando
Abria a porta e o bando
A casa toda assaltava.

Enquanto a mulher pensava:
- Nem esperou pra comer,
Levou somente as bananas...
Ficou sem compreender
Resignada voltou
Guardou o prato e cuidou
No que tinha pra fazer.

O marido a se entreter
Pelo mato a procurar
Uma vaca de bezerro
Perdida num patamar
Pelo mato cavalgando
Sua vaca procurando
Não viu a noite chegar.

Na casa para assaltar
O bando inteiro chegou
Cobra Verde fez barulho
Gercina se levantou
Viu o bando aparecer
Porém não pôde correr
Que o bandido não deixou.

Cobra Verde a obrigou
Abrir para o bando entrar
O bandido em suas costas
Com um punhal a cutucar
Pensou no filho querido
A casa cheia de bandido
Sem o marido chegar.

Disse o chefe ao lhe falar:
- Eu quero ser seu amigo
Vou levar todo dinheiro
Que tiver no seu abrigo
Eu não lhe fiz nada ainda
Mas como você é linda
Eu vou levá-la comigo.

Dinheiro e qualquer artigo
Pegaram sem ter demora
E o negro disse a Gercina:
- Querida, vamos embora
Já se despeça dos seus,
Gercina pensou em Deus
Que lhe atendeu na hora.

Ela disse sem demora
Eu quero ir com vocês
Mão de ferro confiou
Sorriu e nada mais fez
Não pegou mais no seu pé
Mas no quengo da mulher
O diabo perdeu a vez.

Gercina com rapidez
Apagou o candeeiro
Saltou do quarto pra fora
Fechou a porta ligeiro
Ganhando tempo e espaço
Botou o filho no braço
E sumiu no marmeleiro.

Correu sem ter paradeiro
Chegou na casa dos pais
Bateu na porta com força
Acordou o velho Braz
Caiu na porta sentada
Com o filhinho abraçada
E sem poder falar mais.

A turma do velho Braz
Quando ouviu o ocorrido
Disse: - Vamos resolver
Quero todos bem munidos
De fuzil, rifle blindado,
Foice, facão e machado,
Vamos pegar os bandidos!

Braz num cavalo nutrido
Com os filhos foi na frente
Dizendo: - Quero mostrar
Que sou macho e sou valente
Vamos vencer o inimigo
Vou convidar meus amigos
Pra beber sangue de gente.

Quem encontrou pela frente
Foi chamando sem demora
Chegando lá avistou
Aprígio ao lado de hora
Que demorou no cercado
Tinha encontrado o seu gado
E chegava àquela hora.

Se esquivou sem demora
E entrou pela cozinha
Agarrou um rifle velho
Que há muitos anos tinha
Chamou os seus companheiros
E atrás dos cangaceiros
Saiu com toda murrinha..

O velho Braz também vinha
De cacete e de peixeira
O velho sempre foi bamba
No punhal e na rasteira
Quando queria fazer arte
Com tiros de bacamarte
Matava por brincadeira.

Numa grande quixabeira
Aprígio muito sagaz
Com o rifle em pontaria
Gritou para o velho Braz:
- Atirem para matar
Vamos o cerco fechar
Ladrão aqui nunca mais.

No meio dos carrascais
O grupo todo atirou
Pé Furado fez carreira
Cobra Verde se ocultou
No meio do esperneio
Se ouve a voz de Doido e Meio:
- A munição acabou!

O velho Braz embicou
Veloz e muito sagaz
E agarrou Pinga Fogo
Meteu-lhe o punhal voraz
Afoito, cheio de ginga
Dizendo: - Você não pinga
Agora nem nunca mais!

Ainda disse o velho Braz:
- O meu punhal é lombado
Pé Furado, eu não te furo
Que você já é furado!
Pegou o cabra de jeito
Meteu-lhe o punhal no peito
Que saiu do outro lado.

Cobra Verde agoniado
Com os outros em agonia
Disse: - O Diabo é quem espera!
Se eu ficar o cancão pia!
Não me arrisco nem me aflijo!
E correu pra onde Aprígio
Já fazia pontaria.

Aprígio disse: - Hoje é dia
Que a coisa aqui esquenta
Atirou, mas quase errava
Consigo mesmo comenta:
- Quase falhava com ele!
Atirei na boca dele
E a bala pegou na venta!

João Errado disse: - Aguenta
Quem quiser morrer agora!
O velho Braz foi chegando
Meteu bala sem demora
João Errado ficou tonto
Cambaleou, caiu pronto
Botando a língua de fora.

Ladrão dizia: - E agora
Aqui ninguém nos ampara!
Quebraram a porta do quarto
Mostrando ter força rara
Abriram a porta e saíram
E ao mesmo tempo cairam
Levando bala na cara.

O velho Braz se ampara
Lá no mourão do cerrado
E gritou pra cada filho
Ficar bem entrincheirado
E disse: - O bem venceu
E hoje esse rifle meu
Com sangue será lavado!

Come Cru, já desarmado,
Ficou num canto encolhido
Querendo escapulir
Mas logo se viu perdido
Vendo o povo aparecer
Aprígio disse: - Você
Hoje vai comer cozido!

Deu um tiro no bandido
Que a cabeça esbagaçou
O velho Braz gritou: - Pronto!
O seu comer cozinhou!
Acabou-se o sururu
Você não vai comer cru
Pois a comida esfriou!

Doido e Meio então gritou:
Eu sou igualmente o trem
Com um facão afiado
Nunca temí a ninguém
Mexeu comigo morreu!
Aprigio lhe respondeu:
- Mas eu sou doido também!

Então Mão de Ferro vem
Pra cima do velho Braz
Aprígio atrás de uma pedra
Boa pontaria faz
Atirou em Mão de Ferro
Que caiu num grande berro
E o chumbo saiu atrás.

Bandidos não tinham mais
Deram com a cara no pó
Cavaram uma grande cova
Sem ter compaixão nem dó
Em um grande risadeiro
Pra enterrar os cangaceiros
Todos numa cova só.

Não deu nenhum quiprocó
Na hora da vistoria
Quando a polícia chegou
O sangue ainda corria
Corpos foram liberados
E ficou logo provado
Que Aprígio tinha valia.

Pouco depois chegaria
Gercina morta de medo
Com o menino nos braços
E ele chupando o dedo
Ela ainda não sabia
Que aquela briga teria
Se acabado logo cedo.

E deu com cara de medo
Um abraço no marido
Viu que de sua família
Ninguém havia morrido
Com um sentimento profundo
Contou para todo mundo
O medo que tinha tido.

Aprígio havia decidido
- Nunca mais quero lutar
Sou manso, três vezes manso
Mas se a coisa esquentar
E alguém me considera
Aí eu viro uma fera
Minha vontade é matar!

Cangaceiros no lugar
Onde isso aconteceu
Foi varrido da história
Nunca mais apareceu
Se houveram entreveros
Envolvendo cangaceiros
A polícia resolveu.

Tudo isso aconteceu
Com a morte de Lampião
Um grande herói nordestino
Que outros chamaram vilão
Se o assunto é controverso
Eu descrevi com meus versos
Mais um causo do sertão.
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 07/11/2021
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