ISAÍAS - CANGAÇO NAS ALAGOAS
Nesse poema se vê
Que valentia não convém Porque sempre o valentão Nunca pode viver bem Nem cultivar uma quimera Pois quando menos espera O seu castigo já vem. Quem vem ao mundo já tem Do destino seus sinais Demarcados pela sorte Com os pontos principais Desde os momentos primeiros Uns nascem pra ser ordeiros Outros valentes de mais. Deus já coloca os sinais Em todo recém-nascido Por isso que o valentão Que seja o pior bandido Nem precisa procurar Pois um dia há de encontrar Um pra deixá-lo vencido. Há histórias de bandidos De heróis, de valentias Reinos encantados, príncipes Piratas, feitiçarias Com derrota, com vitória E eu vou contar a história Do cangaceiro Isaías. Em Alagoas existia Lá na Lagoa do Pau Um temível cangaceiro Isaías Venceslau Que de matar tinha o dom O que Deus tinha de bom Ele tinha de ser mau. Lá na Lagoa do Pau Em menino já reinava Se pegava uma galinha Logo a cabeça puxava Até quebrar o pescoço, Só quebrando osso por osso Era que se conformava. Quando seu pai reclamava Ele saía correndo Em direção ao roçado Com um furou estupendo Toda planta machucava As mandiocas arrancava Quebrava o milho nascendo. Assim ele foi crescendo Com seu gênio arruaceiro Brigava com todo mundo Provocando desespero Até que grande tornou-se E já homem transformou-se Num terrível cangaceiro. Um dia esse desordeiro Com o pai teve uma zuada O velho foi dar conselho Mas ele não ouviu nada Ficou foi mais furioso E num gesto tenebroso Matou o pai a facada. Sua mãe agoniada Foi o marido acudir O monstro meteu-lhe o pau Não deixou-a escapulir E saiu batendo a esmo A velha ficou lá mesmo Quietinha, sem se bulir. Saiu às pressas dali Topou seis policiais Matou todos e robou-lhes Rifles, revólveres, punhais Roubou-lhes também um jeep E partiu pra Coruripe Com seu destino voraz. Batia nos policiais Vivia sem trabalhar Quando tinha precisão Era só mandar buscar Numa venda ou armazém Mas sem pagar a ninguém, Tudo tinha que chegar. Munição ia buscar Mesmo na delegacia Chagava falando alto E pedia o que queria «Vá tirar lá no caixão» Pra evitar confusão O delegado dizia. Quando uma moça ele via Palpitava o coração Dizia logo consigo: «Aquele lindo peixão Só está bom para mim Como eu estou afim Vou pegar esse pirão.» Já escrevia um cartão Para os pais dizendo assim: «Sua filha é muito linda Mandem ela para mim E se voces não mandá-la Eu mesmo irei buscá-la Pois minha volta é ruim.» O pai pra não ver o fim De toda família sua Mandava a filha querida Cumprir sua sina crua Ele usava a donzela Depois que abusava dela Abandonava na rua. Em Coruripe ele atua Por quatro anos de horror Uma centena de moças Ele desassossegou Fazendo barbaridade Foi uma calamidade, Muitas pessoas matou. Por quatro anos passou A todo mundo assombrando Fazendo bárbaros crimes Às famílias maltratando Levando tudo a tropéu Sem pensar que Deus no Céu Pra seu povo estava olhando. Deus quando está no comando Não promete pra faltar Existe um velho ditado Que eu posso acreditar E acredite quem quiser: Quem sua cama fizer Nela há de se deitar. Vamos um pouco deixar Esse cangaceiro ruim Para falar de um rapaz Filho do velho Amorim Arlindo Amorim Ferreira Um sujeito de primeira Que morava em Pochim. Arlindo estava afim De casar, então noivou Com uma mocinha pobre Que muito lhe agradou Pois os sinais de beleza Com o poder da Natureza Deus à donzela ofertou. Dominado pelo amor Foi ao pai dela e pediu Sua mão em casamento Logo o velho consentiu E a moça concordou Arlindo alegre ficou Com o prazer que sentiu. Ele noivou em abril E marcou o casamento Para oito de dezembro Aproveitando o momento Da festa da Conceição A maior da região Na igreja de São Bento. Enquanto espera o momento Para o dia do festim Vou falar de Isaías O monstro perverso e ruim Que só maldade fazia E em Coruripe vivia Pouco longe de Pochim. Eis que aconteceu enfim Isaías se mudar Disse que em Coruripe Não queria mais ficar Com seu aspecto ruim Dirigiu-se a Pochim Para lá mesmo morar. Um dia estando a vagar Em uma venda bebendo Levantou a vista um pouco No mesmo instante foi vendo Com o cabelo em desalinho A moça pelo caminho Um pote d’água trazendo. Enquanto estava bebendo Perguntou pela mocinha Disse um moço: «É minha cunhada Ela se chama Carminha Amiga da minha irmã E vai casar amanhã Se a sorte não for mesquinha. Pela sorte da mocinha Ficou tudo amedrontado Todos conheciam a fama Do bandido desgraçado E depois que ele chegou Todo mundo ali ficou Cada qual mais assombrado. Sabiam que era tarado Destruidor de donzela Porque muitas já haviam Caído na esparrela Viviam na agonia Negócio ninguém queria Com uma fera daquela. Ao noivo da donzela Mandou um recado então: «Se casar com essa moça Sem a minha permissão Se arrepende desse gesto E vai saber quanto eu presto Quanto pesa a minha mão. Essa menina em questão Voce deve me mandar.» O rapaz lhe respondeu: «Amanhã vou me casar Com essa linda donzela Se voce precisa dela Então que venha buscar.» De manhã ao sol raiar O seu clarão espalhava Urrava o gado no campo A passarada cantava Pelas copas dos coqueiros Enquanto pelos sendeiros A brisa branda passava. O povo contente estava Um cantava, outro sorria Para assistirem a missa Estavam com alegria E assim nessa peleja Rumaram para a igreja Que de cheia não cabia. Os noivos também seguiam Pra ser feito o casamento O padre que já estava Foi logo dando andamento Mas assim que começou O monstro também chegou Bravo que só um jumento. Foi gritando: «Eu arrebento Esse sujeito infeliz!» O rapaz lhe respondeu: «Segundo o povo me diz Você gosta de intriga, Pois agora a gente briga Mesmo dentro da matriz.» O padre assistir não quis E correu pra sacristia Mas o sacristão ficou Num lugar que ninguém via Muita gente escafedeu-se E um menino escondeu-se Dentro da saia da tia. A noiva nessa agonia Ficou para se acabar Chorando e bem escondida Lá por detrás do altar Enquanto a briga seguia E o pai dela dizia: «Eu lá não vou nem olhar.» Disse o monstro, «Eu vou mostrar Agora a voce quem sou» E partiu para o rapaz Ele também avançou E aquela santa missa Como casa de mundiça Numa briga terminou. O rapaz se preparou Tinha ido prevenido Levando em sua cintura Um punhal forte e comprido E estava de prontidão Para com ele na mão Assassinar o bandido. Num momento decidido Deus ao moço auxiliou Que ele fez que caiu O monstro em cima pulou E o rapaz em defesa Com toda sua destreza O punhal nele enterrou. O cabra morto tombou Que a furada foi boa Pois quem está prevenido Não vai fazer coisa à toa O padre fazendo festa Comentou: «De uma desta Só pode escapar quem voa!» Enterraram o monstro à toa Pra urubu não comer Arlindo então se casou Foi um imenso prazer O casal comemorou E em casa a festa rolou Até o amanhecer. O cabra, pra voce ver, Morreu, coração ruim Carminha que era noiva Teve um prazer sem fim Porque já estava pronta E ainda hoje se conta Essa história no Pochim. Nessa história vê-se enfim Valentia não convém Porque sempre o valente Nunca pode se dar bem Vivendo nessa quimera Pois quando menos espera O seu castigo já vem. Só vence quem luta bem Numa causa definida Como Arlindo que lutou Defendendo a própria vida Com coragem e com decência E a causa da inocência Da sua noiva querida. Arlindo por sua vida Lutou e teve vitória Recebeu uma fortuna Por conquistar essa glória Do bom pai o filho herda. E o poeta Zé Lacerda Foi quem versou essa história.
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 07/11/2021
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