José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

ISAÍAS - CANGAÇO NAS ALAGOAS
Nesse poema se vê
Que valentia não convém
Porque sempre o valentão
Nunca pode viver bem
Nem cultivar uma quimera
Pois quando menos espera
O seu castigo já vem.

Quem vem ao mundo já tem
Do destino seus sinais
Demarcados pela sorte
Com os pontos principais
Desde os momentos primeiros
Uns nascem pra ser ordeiros
Outros valentes de mais.

Deus já coloca os sinais
Em todo recém-nascido
Por isso que o valentão
Que seja o pior bandido
Nem precisa procurar
Pois um dia há de encontrar
Um pra deixá-lo vencido.

Há histórias de bandidos
De heróis, de valentias
Reinos encantados, príncipes
Piratas, feitiçarias
Com derrota, com vitória
E eu vou contar a história
Do cangaceiro Isaías.

Em Alagoas existia
Lá na Lagoa do Pau
Um temível cangaceiro
Isaías Venceslau
Que de matar tinha o dom
O que Deus tinha de bom
Ele tinha de ser mau.

Lá na Lagoa do Pau
Em menino já reinava
Se pegava uma galinha
Logo a cabeça puxava
Até quebrar o pescoço,
Só quebrando osso por osso
Era que se conformava.

Quando seu pai reclamava
Ele saía correndo
Em direção ao roçado
Com um furou estupendo
Toda planta machucava
As mandiocas arrancava
Quebrava o milho nascendo.

Assim ele foi crescendo
Com seu gênio arruaceiro
Brigava com todo mundo
Provocando desespero
Até que grande tornou-se
E já homem transformou-se
Num terrível cangaceiro.

Um dia esse desordeiro
Com o pai teve uma zuada
O velho foi dar conselho
Mas ele não ouviu nada
Ficou foi mais furioso
E num gesto tenebroso
Matou o pai a facada.

Sua mãe agoniada
Foi o marido acudir
O monstro meteu-lhe o pau
Não deixou-a escapulir
E saiu batendo a esmo
A velha ficou lá mesmo
Quietinha, sem se bulir.

Saiu às pressas dali
Topou seis policiais
Matou todos e robou-lhes
Rifles, revólveres, punhais
Roubou-lhes também um jeep
E partiu pra Coruripe
Com seu destino voraz.

Batia nos policiais
Vivia sem trabalhar
Quando tinha precisão
Era só mandar buscar
Numa venda ou armazém
Mas sem pagar a ninguém,
Tudo tinha que chegar.

Munição ia buscar
Mesmo na delegacia
Chagava falando alto
E pedia o que queria
«Vá tirar lá no caixão»
Pra evitar confusão
O delegado dizia.

Quando uma moça ele via
Palpitava o coração
Dizia logo consigo:
«Aquele lindo peixão
Só está bom para mim
Como eu estou afim
Vou pegar esse pirão.»

Já escrevia um cartão
Para os pais dizendo assim:
«Sua filha é muito linda
Mandem ela para mim
E se voces não mandá-la
Eu mesmo irei buscá-la
Pois minha volta é ruim.»

O pai pra não ver o fim
De toda família sua
Mandava a filha querida
Cumprir sua sina crua
Ele usava a donzela
Depois que abusava dela
Abandonava na rua.

Em Coruripe ele atua
Por quatro anos de horror
Uma centena de moças
Ele desassossegou
Fazendo barbaridade
Foi uma calamidade,
Muitas pessoas matou.

Por quatro anos passou
A todo mundo assombrando
Fazendo bárbaros crimes
Às famílias maltratando
Levando tudo a tropéu
Sem pensar que Deus no Céu
Pra seu povo estava olhando.

Deus quando está no comando
Não promete pra faltar
Existe um velho ditado
Que eu posso acreditar
E acredite quem quiser:
Quem sua cama fizer
Nela há de se deitar.

Vamos um pouco deixar
Esse cangaceiro ruim
Para falar de um rapaz
Filho do velho Amorim
Arlindo Amorim Ferreira
Um sujeito de primeira
Que morava em Pochim.

Arlindo estava afim
De casar, então noivou
Com uma mocinha pobre
Que muito lhe agradou
Pois os sinais de beleza
Com o poder da Natureza
Deus à donzela ofertou.

Dominado pelo amor
Foi ao pai dela e pediu
Sua mão em casamento
Logo o velho consentiu
E a moça concordou
Arlindo alegre ficou
Com o prazer que sentiu.

Ele noivou em abril
E marcou o casamento
Para oito de dezembro
Aproveitando o momento
Da festa da Conceição
A maior da região
Na igreja de São Bento.

Enquanto espera o momento
Para o dia do festim
Vou falar de Isaías
O monstro perverso e ruim
Que só maldade fazia
E em Coruripe vivia
Pouco longe de Pochim.

Eis que aconteceu enfim
Isaías se mudar
Disse que em Coruripe
Não queria mais ficar
Com seu aspecto ruim
Dirigiu-se a Pochim
Para lá mesmo morar.

Um dia estando a vagar
Em uma venda bebendo
Levantou a vista um pouco
No mesmo instante foi vendo
Com o cabelo em desalinho
A moça pelo caminho
Um pote d’água trazendo.

Enquanto estava bebendo
Perguntou pela mocinha
Disse um moço: «É minha cunhada
Ela se chama Carminha
Amiga da minha irmã
E vai casar amanhã
Se a sorte não for mesquinha.

Pela sorte da mocinha
Ficou tudo amedrontado
Todos conheciam a fama
Do bandido desgraçado
E depois que ele chegou
Todo mundo ali ficou
Cada qual mais assombrado.

Sabiam que era tarado
Destruidor de donzela
Porque muitas já haviam
Caído na esparrela
Viviam na agonia
Negócio ninguém queria
Com uma fera daquela.

Ao noivo da donzela
Mandou um recado então:
«Se casar com essa moça
Sem a minha permissão
Se arrepende desse gesto
E vai saber quanto eu presto
Quanto pesa a minha mão.

Essa menina em questão
Voce deve me mandar.»
O rapaz lhe respondeu:
«Amanhã vou me casar
Com essa linda donzela
Se voce precisa dela
Então que venha buscar.»

De manhã ao sol raiar
O seu clarão espalhava
Urrava o gado no campo
A passarada cantava
Pelas copas dos coqueiros
Enquanto pelos sendeiros
A brisa branda passava.

O povo contente estava
Um cantava, outro sorria
Para assistirem a missa
Estavam com alegria
E assim nessa peleja
Rumaram para a igreja
Que de cheia não cabia.

Os noivos também seguiam
Pra ser feito o casamento
O padre que já estava
Foi logo dando andamento
Mas assim que começou
O monstro também chegou
Bravo que só um jumento.

Foi gritando: «Eu arrebento
Esse sujeito infeliz!»
O rapaz lhe respondeu:
«Segundo o povo me diz
Você gosta de intriga,
Pois agora a gente briga
Mesmo dentro da matriz.»

O padre assistir não quis
E correu pra sacristia
Mas o sacristão ficou
Num lugar que ninguém via
Muita gente escafedeu-se
E um menino escondeu-se
Dentro da saia da tia.

A noiva nessa agonia
Ficou para se acabar
Chorando e bem escondida
Lá por detrás do altar
Enquanto a briga seguia
E o pai dela dizia:
«Eu lá não vou nem olhar.»

Disse o monstro, «Eu vou mostrar
Agora a voce quem sou»
E partiu para o rapaz
Ele também avançou
E aquela santa missa
Como casa de mundiça
Numa briga terminou.

O rapaz se preparou
Tinha ido prevenido
Levando em sua cintura
Um punhal forte e comprido
E estava de prontidão
Para com ele na mão
Assassinar o bandido.

Num momento decidido
Deus ao moço auxiliou
Que ele fez que caiu
O monstro em cima pulou
E o rapaz em defesa
Com toda sua destreza
O punhal nele enterrou.

O cabra morto tombou
Que a furada foi boa
Pois quem está prevenido
Não vai fazer coisa à toa
O padre fazendo festa
Comentou: «De uma desta
Só pode escapar quem voa!»

Enterraram o monstro à toa
Pra urubu não comer
Arlindo então se casou
Foi um imenso prazer
O casal comemorou
E em casa a festa rolou
Até o amanhecer.

O cabra, pra voce ver,
Morreu, coração ruim
Carminha que era noiva
Teve um prazer sem fim
Porque já estava pronta
E ainda hoje se conta
Essa história no Pochim.

Nessa história vê-se enfim
Valentia não convém
Porque sempre o valente
Nunca pode se dar bem
Vivendo nessa quimera
Pois quando menos espera
O seu castigo já vem.

Só vence quem luta bem
Numa causa definida
Como Arlindo que lutou
Defendendo a própria vida
Com coragem e com decência
E a causa da inocência
Da sua noiva querida.

Arlindo por sua vida
Lutou e teve vitória
Recebeu uma fortuna
Por conquistar essa glória
Do bom pai o filho herda.
E o poeta Zé Lacerda
Foi quem versou essa história.
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 07/11/2021
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