José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

DURVINA - SOBREVIVENTE DO CANGAÇO
No cangaço nordestino
Muitas mulheres sofreram
Umas por vontade própria
Na caatinga se perderam
Algumas seviciadas
Outras foram baleadas
E muitas delas morreram.

Houve as que sobreviveram
Para contar a história
Com o tempo foram morrendo
Perpetuando a memória
Praticou carnificina
Sobreviveu da chacina
Como a que descrevo agora.

Segundo conta a história
Uma bonita menina
Nascida em Arrasta-pé
Com o nome de Jovina
Maria da Conceição
Se agregou a Lampião
Na caatinga nordestina.
A sua história termina
No século vinte e um
Mas pelo século vinte
Houve muito zum, zum, zum
Com ela estando envolvida
Sabendo que aquela vida
Não leva a lugar nenhum.

Era o seu lugar comum
O interior da Bahia
Povoado Arrasta-pé
Distrito que pertencia
A vila Curral dos Bois
Que Paulo Afonso depois
Assim se emanciparia.

No ano quinze nascia
E viveu naquele chão
Bonita que parecia
Uma deusa do sertão
Com apenas catorze anos
Iludiu-se com os enganos
De um cabra de Lampião.

O cangaço no sertão
Praticava desatino
Com um grupo fora da lei
Chefiado por Virgulino
Jovina deixou os pais
Chorando e correu atrás
Do cangaceiro Virgínio.

Na caatinga, sol a pino
Cumpriu a sua missão
Com o cangaceiro Virgínio
Cunhado de Lampião
Com ele teve dois filhos
Que deixava pelos trilhos
Nas quebradas do sertão.

Pra cangaceira a missão
Era parir e deixar
Os filhos abandonados
Para coiteiros criar
Assim uns sobreviviam
E muitos deles morriam
Sem os pais os procurar.

Na caatinga a guerrear
Ninguém tinha liberdade
Assim Virgínio morreu
Lutando em desigualdade
Com uma volante que vinha
Deixou Jovina sozinha
Aos dezesseis de idade.

A lei da severidade
No cangaço imperava
Mulher só permanecia
Se a um homem acompanhava
Porém se acontecesse
Que o cangaceiro morresse
Logo os outros a matava.

Assim Jovina estava
Já condenada a morrer
Ainda na flor da idade
Sem ninguém pra lhe valer
Mas Lampião ofertou
Moreno se interessou
Disse: - Eu fico com você.

Aí começa a viver
Novamente outra rotina
Perseguida das volantes
Na caatinga nordestina
Driblando a fome e a secura
Com farinha e rapadura
Numa vida severina.

O seu nome de Jovina
Pouco a pouco foi perdendo
Com o nome Durvalina
Passou a viver correndo
Pra Moreno era Durvina
E o nome de menina
Ela findou esquecendo.

Filhos continuou tendo
Com Moreno foram seis
Uns nascidos na caatinga
Como se fosse uma rês
Que se criasse perdida
Somente no fim da vida
Os viu a primeira vez.

Entrava e saía mês
E ela sempre lutando
Com saudade da família
Na caatinga vagueando
Sempre com Moreno ao lado
Mas com a mente no passado
De Virgínio relembrando.

Certa vez se confrontando
Numa batalha sangrenta
Sofreu um tiro na coxa
Que ela quase se arrebenta
Os cangaceiros tiraram
A bala e lhe curaram
Com emplastro de pimenta.

Nessa jornada cruenta
Com Moreno no sertão
Ainda viveu dois anos
De susto, perseguição
Fanatismo e fantasia
Até que chegou o dia
Da morte de Lampião.

Se arrastando pelo chão
Com Moreno e outros mais
Se espetando nos espinhos
Rolando nos carrascais
Da polícia perseguida
Conseguiu sair com vida
Fugiu pra Minas Gerais.

Não quiseram saber mais
Do circuito cangaceiro
Caminharam muitos dias
Enfrentando o tabuleiro
Até encontrar estima
Na vila de Augusto Lima
Sendo no norte mineiro.

Trabalhando de vaqueiro
Moreno se fixou
Durvina na vizinhança
Amizades conquistou
Os filhos foram nascendo
Tudo se desenvolvendo
Assim o tempo passou.

Nunca ninguém questionou
A respeito do passado
Quem era aquele casal
Por ali tão estimado
Ela passa a se chamar
Durvalina Gomes Sá
Tá nos livros registrado.

Meio século passado
Mudam para a capital
A família já criada
Leva uma vida normal
Sem saber que no passado
Os pais foram procurados
Em escala nacional.

Dois mil e cinco afinal
Eles resolvem contar
Sua verdadeira história
E a razão de ocultar
A família precisava
Pois o fim se aproximava
Sem nada eles suspeitar.

Começaram lhes contar
Desde o tempo de Virgínio
Dos filhos que ela tivera
No cangaço nordestino
Por ela nunca esquecidos
E por fim foram perdidos
Em busca do seu destino.

Da morte de Virgulino
O temível Lampião
Enfim foram perdoados
Não há mais perseguição
Viveram muito queridos
E em vez de perseguidos
Eles viraram atração.

Cumpriram sua missão
Lá mesmo em Minas Gerais
Cidade Belo Horizonte
Estão seus restos mortais
Fica aqui esta memória
Do cangaço, cuja história
Grande lembrança nos traz.
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 07/11/2021
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