José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

O GATO DE BOTAS
Escrevo nos meus cordéis
Histórias bem variadas
Da escravidão, do cangaço,
Adivinhações, piadas,
Poesias e pensamentos
Estórias de encantamentos,
Lendas e Contos de fadas.

As histórias de caçadas
Narradas por caçador,
Em parcerias com amigos,
Desafio com cantador,
Pra transformas em poesia
Toda história tem valia,
Depende de quem contou.

Cordelista, cantador
Também gostam de anedotas
Mas chega de vender peixe
E dizer tantas lorotas;
Vou mostrar pra criançada
Mais uma fábula encantada
Chamada O GATO DE BOTAS.

Já existem outras notas
Em cordel, pra ser sensato,
Sobre esse gato de botas
Não sei o número exato
Nem o autor da criação,
Mas faço a minha versão
Da sua história, de fato.

Era uma vez um gato
Que tinha um belo porte
Travesso como ele só
Porém era muito forte
Seu dono era um homem pobre
Mas sua atitude nobre
Ao amo deu muita sorte.

Estando à beira da morte
Chamou sua família ordeira
Pra dividir o que tinha
Conseguido a vida inteira,
Coisa pouca, empobrecida,
Porque pobre nessa vida
Vive sem eira nem beira.

A sua herança inteira
Era um gato, um jumento,
Também um velho moinho
De onde tirava o sustento
Com o jumento, de fato,
Mas quem ficasse com o gato
Não teria rendimento.

Ainda não era o momento
Pra ninguém se lamentar
Todos sabem que nas fábulas
Animais podem falar
Então não foi diferente
Com o tal gato inteligente,
Veja o que foi aprontar!

Os irmãos a combinar
Como sobreviveriam
Um fabricava farinha
Outro a entregaria
Transportando no jumento
Assim ganhavam o sustento
E todos escapariam.

O gato, sem serventia
Ficou com o mais novo irmão
Aquele gato travesso
Pra nada tinha função
Só se fosse pra morrer,
Com o couro um tambor fazer
E com a carne uma refeição.

«Tenha calma, meu patrão,
- Disse o gato com alegria -
Me empreste suas botas
E uma sacola vazia
Que eu lhe trarei conforto,
Pra nada lhe sirvo morto,
Vivo eu tenho serventia.

Quando o destino nos guia
Ninguém mais pode mudar,
Eu nasci pra te dar sorte,
Tudo vai se acomodar,
Tenha fé e esperança,
Só lhe peço confiança
Porque um jeito eu vou dar.»

O irmão caçula a pensar
Não teve outra opção
Tinha que atender ao gato
Em sua solicitação
Pois ali ele era o fraco,
Pegou chapéu, bota e saco
E entregou em sua mão.

O gato feliz, então,
Tinha o que era preciso
Agradeceu ao seu dono
Expressando um sorriso
Saiu cheio de aparato.
Vendo a astúcia do gato
Seu dono fez ar de riso.

O gato, muito conciso,
Adiante entrou num pomar
Encheu o saco com cenoura
Pra poder trapacear
Com um ardil já traçado,
Um coelho desavisado
No saco iria entrar.

Um grande coelho ao passar
Cheio de curiosidade
Viu as cenouras no saco
Foi ver sera verdade
Nessa mesma ocasião
O gato puxou o cordão.
Achei isso uma crueldade!

O gato diz com vaidade:
«Primeiro passo eu já dei.
Agora devo levá-lo
De presente para o rei,
Chego e digo, Vossa Alteza,
Trago-lhe uma surpresa!
Ele gostará que eu sei.»

Foi dizendo: «Senhor Rei,
Meu honorável senhor,
O Marquês de Carabás,
Que é um homem de valor,
Mandou-lhe honradamente
Este coelho de presente.
É graúdo e tem sabor!!

O rei muito se encantou
E mandou agradecer.
«Que ele venha conhecer-me,
Eu terei muito prazer
E me traga outra surpresa.
Com tamanha gentileza
A amizade vai crescer.

O gato fez com prazer
Armadilhas de caçar
Capturou duas perdizes
E ao rei foi presentear.
Como da primeira vez
Foi em nome do marquês
Para a amizade durar.

O rei iria passear
Ao longo do seu reinado
E andava até pelas terras
Do outro reino encostado
Pois isso sempre fazia,
E toda vez que saía
Levava a filha de um lado.

O gato foi informado
E agiu com sangue frio
Sabia que o rei passeava
Lá pelas margens do rio
Sorriu de satisfação,
Era a vez do seu patrão
Demonstrar seu grande brio.

Chamou seu dono e saiu
Dizendo: «Mestre, é agora
Faça tudo que eu disser,
Aja logo, sem demora,
Pobreza não tem mais vez,
Incorpore o marquês
Que é chegada a sua hora!»

E saíram estrada a fora
Até as margens do rio
O gato com sua astúcia
O dono com o seu brio
Escabriado, de fato
Mas confiante no gato
Aceitou o desafio.

O amo entrou no rio
Ao gato obedecendo
Sem roupa, desconfiado,
Com o que estava acontecendo
Mas já estava envolvido
E o gato fora, escondido,
A sua trama tecendo.

Nisto foi aparecendo
A carruagem real
O rei com a sua filha
Num passeio informal
O gato grito: «Ajuda!
Socorro! Alguém me acuda!
O meu marquês está mal!»

Da carruagem real
Ouviram o gato gritando:
«Ajudem-me, por favor!
Ele está se afogando!»
Os guardas da carruagem
Desceram até a margem
E foram logo ajudando.

O rei mais perto chegando
Ao gato reconheceu
«É o portador dos presentes
Que o marquês me remeteu!»
Lembrou-se das gentilezas
E ali, cheio de surpresas
De pronto intercedeu.

Um dos soldados desceu
Para tirá-lo do rio
O esperto gato disse:
«Ele está com muito frio
Pois por ladrão de estrada
Teve sua roupa roubada
Nesse ambiente sombrio!»

O rei, na margem do rio,
Dispôs-se a ajudar
Mandou logo seus soldados
Ir no palácio buscar
Uma roupa real quente,
Algo que fosse decente
Pra o marquês poder usar.

Depois dele se trajar
Com tamanha elegância
A princesa apaixonou-se
Ao ver tanta exuberância
Em um homem tão garboso,
Tão belo, tão venturoso
E com dinheiro em abundância.

Havia ali uma estância
De horizonte verdejante
Uma plantação de milho
De um verde muito vibrante
Em todos os arredores
O gato aos trabalhadores
Coagiu naquele instante.

Vai passar um viajante
Aqui pela redondeza
É um rei bem poderoso
Com sua filha princesa
E o Marquês de Carabás
Vem um pouco mais atrás,
Tratem bem a realeza.

Se o rei ou a princesa
Por acaso perguntar
De quem é tanta fartura
Que existe neste lugar
Digam que é do Marquês,
Assim vocês terão vez
E todos vão se salvar.»

A terra e todo lugar
Onde o povo trabalhava
Era de um ogro mau
Que a todos escravisava
Nada ali se recebia
E se houvesse rebeldia
De algum, o ogro matava.

O gato não se importava
Não ia se intimidar
Depois tratava com o ogro
Primeiro ia tratar
Com todos os seus escravos,
Tinha que ser forte e bravo,
Não podia fraquejar.

«Aqui vai se transformar
Em uma fartura de grãos
Que serão distribuídos
Com vocês e seus irmãos,
Se por acaso um negar
E a história não confirmar,
Eu cortarei suas mãos.»

Com medo de punição
Atenderam seu pedido,
O gato foi mais adiante
Repetiu o ocorrido
Desta vez ameaçando
Quem estava trabalhando
Num lindo campo florido.

Que gato mais atrevido!
Repetia no vergel:
«Digam que as terras pertencem
Ao mestre a quem sou fiel
E não façam reboliço.
Se vocês fizerem isso
Livro-os do ogro cruel.

Sou amargo como fel
Quando encontro falsidade.
Agora vou tomar posse
Da nossa propriedade.»
O gato com eloquência
Usou sua inteligência,
Não teve temeridade.

Num gesto de insanidade
Foi ao ogro visitar.
«Permita-me, senhor ogro,
Em seu castelo adentrar,
É que ouvi, por ventura,
Que em qualquer criatura
Consegues se transformar...»

Ogro, para confirmar
Transformou-se num leão
Disse o gato: «Parabéns!
Mas tenho convicção,
Isso ficou bem patente,
Que em bicho grande somente
Consegue a transformação.»

Ogro disse: «Isso não!
Pois agora eu vou mostrar.»
E logo em um ratinho
O ogro foi se transformar
Naquele momento o gato
Pulou em cima do rato
E o conseguiu devorar.

Nesse instante viu chegar
O rei que logo adentrou
Com a sua carruagem,
O gato então lhe falou:
«Pertence isso e muito mais
Ao Marquês de Carabás
Que a majestade ajudou.»

O marquês quase chorou
Quando tudo aconteceu
Um castelo tão bonito
E agora era tudo seu,
Lembrou da herança deixada
Que não valia de nada
E ao gato agradeceu.

Ele que era um plebeu
Agora era um potento,
Ali, diante do rei,
Aproveitou o momento
Para atrever-se a pedir
Se o rei lhe consentir
A princesa em casamento.

Cheio de contentamento
O rei logo consentiu
A princesa apaixonada
De alegria sorriu
Houve casamento, festa,
E ali, naquela floresta,
Pra sempre a paz existiu.

O bom marquês consentiu
Aos escravos liberdade
Ficaram todos vivendo
Na sua propriedade
Os lindos filhos nasceram
E para sempre viveram
Com amor e felicidade.
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 05/11/2021
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