José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

A FESTA DO GALO MANCO
Houve um tempo que os bichos
Eram mais inteligentes
Todos animais falavam
Em idiomas diferentes
Mas a todos entendiam
Só um não compreendiam:
Era o idioma de gente.

Tinha bicho presidente,
Tinha reinado e nação,
De ministério a senado,
Só não tinha corrupção.
Toda função exercida
Uma era a mais conhecida:
A do sempre rei leão.

O lobo era capitão
A girafa era intendente
Tamanduá era padre
O porco-espinho tenente
Urso, juiz de direito,
Rinoceronte prefeito
E tigre era presidente.

Jacaré extraía dente
O morcego era barbeiro
O avestruz alfaiate
O pica-pau carpinteiro,
Urubu era marchante
A zebra, grande tratante
E o guaxinim, cozinheiro.

O castor era pedreiro
A coruja era profeta
O cisne era um amante
O rouxinol um poeta,
Formiga era agricultora
A cigarra era cantora,
Canguru era pateta.

Sabiá na discoteca
Foi primeiro sem segundo
Hiena, um sujo coveiro,
Tatu era vagabundo
Barata sabia ler
E rato queria ser
O reformador do mundo.

Um sentimento profundo
Unia os animais
Mas havia divisão
Em termos proporcionais
No trabalho e vadiagem,
O doméstico e o selvagem
Eram mundos desiguais.

No reino dos animais
O doméstico trabalhava
O selvagem perseguia
Se pudesse estraçalhava
Era uma eterna disputa
E quando havia uma luta
Sempre o selvagem ganhava.

O bicho homem criava
Animais de estimação
Uns só pela companhia,
Outros para diversão
Mas a grande maioria
Virava mercadoria
E lucro para o patrão.

Dos bichos de criação
Mestre burro era dotor,
Boi era juiz de paz,
O pato era professor,
O cachorro, delegado,
O carneiro era soldado
E o jumento, coletor.

O gato era cobrador
O bode era um almirante
Papagaio era carteiro,
O cavalo um viajante
O vaca era leiteira,
A cabra, namoradeira
E o touro, negociante.

Nas terras de um sitiante
Houve um fato inusitado:
Deu gogo no galinheiro
Foi morte pra todo lado
As aves que ali continha,
Pato, peru e galinha,
Morreu ou ficou gripado.

Somente um pinto pelado
Conseguiu sobreviver
Porque morava debaixo
De um pé de mussambê,
Sendo uma ave enjeitada
Era uma velha criada
Que lhe dava de comer.

E vendo as aves morrer
Levou o pinto enjeitado
Pra dentro de sua casa
E o bichinho animado
Parece que agradecia,
Pois tudo que ela fazia
O pinto tava de lado.

Um entrevero passado
Por descuido ou distração,
Quando ela pilava milho
Caiu a mão de pilão,
Sem poder fazer mais nada
Viu a perninha esmagada
Do pinto de estimação.

Fez emplastro de algodão
Mastruz e terebentina
Porém nada adiantava
Era grande a fedentina
Sem nada mais a fazer
Larga o pinto pra morrer
Entregue à sua própria sina.

Com aquela carnificina
Lhe preparando a passagem
Ele faz uma promessa
Cheio de fé e coragem:
Se curasse sua perna
Ia fazer uma baderna
Na casa grande selvagem.

Como um milagre ou miragem
Na manhã do outro dia
Sua perna estraçalhada
Não sangrava nem doía,
Com emplastro de jitirana,
Dentro de uma semana
O pinto convalescia.

Com uma centena de dia
O pinto ficou sarado
Tornou-se um galo taludo
Mesmo com um pé aleijado.
Com a promessa na lembrança,
Pra fazer a tal festança
Já tinha um plano traçado.

Com um matulão de lado
Começou a travessia
Levando fogos e velas
E muita comidoria,
Só algo o preocupava:
Como será que enfrentava
As feras que lá havia?

Já quase no fim dia
Encontrou um velho pato
Que indagou-lhe o destino
E ele narrou-lhe o fato:
O acidente, o prometido
E agora, decidido
Iria cumprir o trato.

Aquilo animou o pato
A ir também pro festeiro
Depois um bode, um jumento,
Um peru mais um carneiro
E um gato na comitiva
Seguiram a rota festiva
Junto com o rei do terreiro.

E seguiram no roteiro
Das feras que, reunidas,
Estavam na grande casa
Que era lugar de dormida
Das fêmeas amojadas,
Prenhes, doentes, cansadas,
E até de feras feridas.

Com a maciez devida
Foi o gato observar
O que elas tavam fazendo,
Viu as feras a fiar,
Voltou pra reunião
Preparar a execução
Para a festa começar.

O carneiro a se afastar
Quebrou a porta com a testa
Foi fera pra todo lado
Correndo feito a  mulesta
Parece até que eu tou vendo,
Inda tem fera correndo
Perdida pela floresta.

Fizeram uma grande festa
Com fogos de artifício,
Dança, comida, bebida,
Sem sobroço, sem enguiço,
O galo manco feliz
Fez tudo como ele quis
Sem o menor sacrifício.

No outro dia um ouriço
Veio dar uma espiada
O pato estava na porta
E a fera foi convidada
Entrou, mas no aperreio
Ganhou na porta do meio
Do carneiro uma marrada.

Bode deu-lhe uma chifrada
Que deixou-lhe arrebentado
O gato meteu-lhe a unha
E ele desesperado
Pulou pela porta e foi-se
Mas antes levou um coice
Do jumento no outro lado.

Peru na cerca trepado
Disse aos outros -Deixa disto!
O galo na cumeeira
Gritou lá - Parem com isto!
E a pobre fera assombrada
Entrou na mata fechada
Nunca mais pôde ser visto.

Eu deixo aqui o registro
Dessa fábula engraçada
Que aprendi ainda criança
Pela minha mãe contada
Quando ainda se respeitava
E criança acreditava
Em Papai Noel e fada.

Lobisomem nas estradas
As vezes inda se ver
Camuflado, é bem verdade,
E sem muito a se temer.
Resta apenas o cuidado
De ser um lobo veado
Atrás de pegar você!
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 05/11/2021
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