A SAGA DE ANTÔNIO SILVINO NO VALE DO SABUGI
Bem antes de Lampião
O cangaço já existia A exemplo dessa história Que eu transformei em poesia Pois ouço desde menino: O estrago que Antõe Silvino Promoveu em Santa Luzia. Esse cangaceiro um dia Com seu bando em movimento Passou nessa região Indo para um evento Na casa de um coronel Que a ele era fiel. Uma festa de casamento. O famigerado evento Foi na Fazenda Pedreira Coronel Janúncio Nóbrega Homem de boa estribeira Estava casando uma filha E convidou as famílias De toda aquela ribeira. Para aquela brincadeira O coronel convidou O cangaceiro Silvino A quem tanto ele ajudou Pois apesar de bandido Silvino era querido No lugar onde passou. O bando se deslocou Das bandas de Caicó Chegando perto de Várzea Quase arma um quiproquó Quando um matuto encontrou, O outro não se assanhou Pois podia ser pior. Já ia bem alto o Sol João Freire mais um menino Era o seu filho Miguel, Cumpriam o seu destino Trabalhando no roçado, Quando viu tava cercado Do bando de Antõe Silvino. Seu João deixou o menino Agachado no barseiro Limpou o suor do rosto Todo alegre e prazenteiro E caminhou animado Pra onde estava parado O grupo de cangaceiros. «Meu bom capitão, premêro Aceite o meu bom dia! É uma sastifação Ter a sua companhia Na minha propriedade! Pode dispor à vontade Dessa minha senhoria!» Demonstrando simpatia O chefe Antônio Silvino Falou um tanto sisudo: «Deixe desse desatino, Leve a criança depressa! Que eu num gosto de conversa Na presença de menino!» João Freire perdeu o tino Se embrenhou na capoeira Levando o filho Miguel, Voltou em toda carreira. Logo depois saberia Que ia servir de guia Ao bando até a Pedreira. Minha tropa é justiceira Acho bom lhe advertir Se o senhor fizer besteira De me enganar ou trair Fazendo «cabuetage» Nunca mais tu vai ver Varge, Morre mesmo é por aqui.» O velho João a sorrir Disse, «Carma, Capitão! Pode ficar descansado Que eu tenho sastifação Do caminho lhe ensinar, Mas deixe eu lhe convidar Pruma boa refeição! Lá em casa tem capão Guiné e muita galinha Minha muié e as minina São muito boa na cozinha, A comida é de premêra, E nós chega na Pedreira Até o fim da tardinha!» «Pra que eu quero galinha Com tanto boi me esperando? Pegue logo seu cavalo, Se amonte, vamos andando Que eu não como nem converso Em casa que não conheço Vou logo te avisando!» «Capitão tá maginando Que eu lhe boto em confusão? Eu sei que o senhor se hospeda Em Amaro do Poção Que é também meu parente. Portanto fique ciente, O senhor tá em boa mão!» E seguiu o velho João Na sua mula troteira Conduzindo Antõe Silvino E a equipe cangaceira Conversando bem baixinho Com o chefe pelo caminho Até chegar na Pedreira. Mas ao passar na porteira O velho quis recuar Antônio Silvino disse: «Não precisa se assombrar, Voce foi de bom servir Me trazendo até aqui Agora pode voltar. Um conselho vou lhe dar Para olhar sempre pra frente Não olhe na minha cara Esqueça da minha gente Volte para casa em paz, Porém se olhar pra trás Receberá chumbo quente.» João voltou rapidamente O cangaceiro seguiu Na fazenda a grande festa De bem distante se ouviu Num tom bastante animado Cangaceiro e convidado E tudo se divertiu. A cangaceirada riu Com um velho convidado Tio Zezinho do Poção Assim ele era chamado Entrando onde não devia Se meteu numa porfia Com o Cabra Pilão Deitado. O velho desavisado Quis fazer um desafio De faca com o cangaceiro Porém Silvino interviu Desfazendo a brincadeira E recolhendo as peixeiras, No fim todo mundo riu. Mas de repente se ouviu Um grito que ecoou No aceiro do terreiro. Uma volante chegou Para dar voz de prisão Ao bando e seu capitão E o fuzuê começou. Silvino não se entregou E começa o tiroteio Bala ia e bala vinha O espernegue foi feio No fim muitos baleados E até Pilão Deitado Estava morto no meio. O intenso tiroteio Que ali acontecia Foi feito por uma volante Vinda de Santa Luzia Cometendo desatino, Feito que Antônio Silvino Um dia se vingaria. Só cangaceiro caía Ensanguentado no pó O chefe e parte do bando Fugiram do quiprocõ Seguidos por dois soldados Que findaram fuzilados Os dois com um tiro só. Fugiram pra Caicó Sem parar pelo caminho Dizem que a denúncia veio De um município vizinho Porque Silvino Passou Na Umburana e humilhou A Caetano Marinho. Por entre pedra e espinho Na hora da agonia Fugindo do tiroteio Sem saber pra onde ia Dois deles deixam a cambada Na fuga desenfreada Chegaram em Santa Luzia. Foi grande a euforia Do povo em perseguição Pra prender os cangaceiros, E á frente do pelotão O Coronel Aristides Que os prendendo decide Matar os dois na prisão. Porém a morte em questão Seria de sede e fome E os dois vão definhando A fraqueza lhes consome Coronel por malvadeza Promoveu essa destreza Somente pra ganhar nome. Morrendo de sede e fome Os cangaceiros choravam Quando chegava visita Por água lhes imploravam A gente compadecida Queria dar água e comida Os soldados não deixavam. Mas logo as coisas mudavam Com a mulher do Coronel Que entrou lá na cadeia E invertendo o papel Disse: «Doa a quem doer, Mas eu não deixo morrer De sede nenhum incréu!» Mesmo contra o coronel Ela mandou colocar Uma quartinha com água E não deixasse secar Coronel enraivecido Levou pro mato os bandidos E deu ordens pra matar. Isso deu o que falar Quem a história conheceu Ficavam questionando A forma como morreu Mas como é fraca a memória Essa parte da história Com o tempo se perdeu. Só um homem não esqueceu Esse triste desatino Foi o chefe do cangaço O cangaceiro Silvino Com aquilo na lembrança Prometeu uma lambança Pra vingar os seus «minino». E andando em desatino Um dia aqui outro ali Dez anos na caatinga O cangaço a resistir Quando alguém alto gritou: «Antõe Silvino voltou Ao Vale do Sabugi!» Quase tinha um piriri Quem a história conhecia A cidade em polvorosa Vigiava noite e dia Todos temendo morrer Pois sabiam que ia haver Intriga em Santa Luzia. O cangaceiro sabia Que estava sendo esperado Pra cumprir a tal vingança Por isso tomou cuidado Preparou a sua gente E assim, sorrateiramente, Entrou tudo disfarçado. Já desarmaram os soldados Passando pelo quartel Prenderam os pobres coitados Fazendo um grande escarcéu Com as firulas que criaram E da cadeia rumaram Pra casa do coronel. O seu bando era fiel Até na perversidade Uma parte dos bandidos Saíram pela cidade Saqueando venda e vendinha Tirando tudo que tinha Invadindo propriedade. Para infelicidade Dos que ali negociavam Eles entravam nas lojas Todo dinheiro roubavam Pegavam a mercadoria E outras coisas que havia E na calçada jogavam. Muitos se aproveitavam Dessa cena inusitada Pegavam o que conseguiam Saíam em disparada. Com as firulas que criaram Alguns até enricaram Outros ficaram sem nada. E a confusão gerada Deixou o povo assombrado Os instrumentos da banda Foram todos saqueados Os que podiam, rasgavam, Os de ferro apedrejavam E os de sopro avariados. Saíram endiabrados Tocando em desvario O barulho que faziam De muito longe se ouviu O maestro Ezequiel Também ouviu o tropéu Do outro lado do rio. Pelo barulho sentiu Que havia confusão Quando soube da notícia Da banda a destruição Sendo um amante da arte Lá mesmo teve um enfarte E morreu do coração. Voltando à confusão Que houve lá na cadeia Os soldados de plantão Quando viram a coisa feia Soltaram as armas, correram E no mato se perderam Com medo de entrar na peia. A coisa ficou mais feia Na pracinha da Matriz O Coronel Aristides Teve um momento infeliz Sofreu de perder o tino Nas mãos de Antônio Silvino Que fez com ele o que quis. Na pracinha da Matriz Quando Silvino chegou Na casa do coronel E na porta se apresentou Perante toda família Do coronel uma filha, Aristana protestou. O Capitão segurou A moça pelo cabelo E gritou endiabrado Sem escutar seu apelo: «Fica quieta, negrinha, Se não, com essa faquinha, Eu corto todo seu pelo!» E entre choro e apelo Silvino pôde encontrar O Coronel Aristides Tratou de o arrastar Em meio a grande arruaça Até o centro da praça Onde queria se vingar. Sem intenção de matar Mas usando prepotência Pois o Capitão Silvino Tinha muita inteligência Pra não cair nesse impasse, E se ao coronel mastasse Assinava sua sentença. Porém com maledicência Trouxe o Coronel atado Deixou-o de quatro pés Dos outros acompanhado Fazendo grande arruaça Deu uma volta na praça Sobre o coronel montado. Assim se sentiu vingado Pois só queria humilhar O Coronel Aristides Por ter mandado matar Os dois homens do seu bando Presos sob o seu comando Depois de os maltratar. Ainda mandou surrar O coronel à vontade Enquanto a banda zoava Com muita leviandade Grande alarido fazia E o seu maestro jazia Noutra parte da cidade. Aquela atrocidade Jamais será esquecida O povo aterrorizado Bandidagem enfurecida Cadeia sem delegado Um coronel humilhado E um maestro sem vida. Cidade desguarnecida Virou um forrobodó Antõe Silvino vingou-se De um velho quiprocó Que começou na Pedreira. Juntou sua cabroeira E mandou-se pra Caicó.
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 15/02/2017
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