José Medeiros de Lacerda

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Textos

ARISTÉIA - UMA SOBREVIVENTE DO CANGAÇO
As histórias do cangaço
Nunca se acabarão
Pois houve muitos bandidos
Que chamaram atenção
Do bando de Virgulino
E até de Antônio Silvino
Bem antes de Lampião.

Hoje a minha ocupação
É descobrir tais memórias
Desde alguns privilégios
E até pequenas vitórias
Mas mesmo os mais destacados
Foram todos dizimados
Restou somente as histórias.

Dos que contaram vitórias
Por não morrer no cangaço
Se acabaram na velhice
Sem fazer estardalhaço,
Das vidas seu conteúdo
Viraram tema de estudo
Como este que agora faço.

No início do cangaço
Só os homens guerrearam
No período Lampião
As mulheres ingressaram,
Mesmo como companheiras
Houve muitas cangaceiras
Que armas também usaram.

Das que mais se destacaram,
Durvina, que dava idéia
Dadá, pra correr no mato
Era uma centopéia
E a que mais fazia fita
Era Maria Bonita,
Famosa Maria de Déia.

A cangaceira Aristéia
Outra que se destacou
Irmã de Eleonora
Que no mato se findou
Mas escapou da chacina
Como Dadá e Durvina,
Até que desencarnou.

Em Alagoas morou
Numa área muito agitada
O pai, a mãe, seus irmãos
E sua família amada
Sítio Lageiro do Boi
Fazenda que foi não foi
Estava sendo visitada.

Em Canapi situada
De Alagoas o sertão
As volantes perseguindo
O bando de Lampião
Quando estavam na trilha
Não respeitavam família
Que morasse na região.

Os cabras de Lampião
Se na fazenda passava
Na casa haviam sete moças
Porém eles respeitavam
Já a polícia chegando
Além de muito desmando
A todos desacatavam.

Quando a volante chegava
Já começava o terror
As mulheres se escondiam;
Certa vez ali chegou
Uma equipe «espalha brasa»
Bateu no dono da casa
E no filho Antenor.

Bateu tanto que arrancou
Uma orelha do rapaz
Com a coronha da escopeta
Que esse não esqueceu mais
Morreu de velho falando
Em sua mente reclamando
O mal que a polícia faz.

Só tinha irmã, o rapaz,
Por isso a perseguição
A irmã Eleonora
Procurando proteção,
Jurou vingar o displante
A surra que a volante
Deu no pai e no irmão.

No bando de Lampião
Eleonora se abrigou
Juntou-se com Serra Branca
Depois ela engravidou
Parindo no tabuleiro
E com o pai cangaceiro
Ao padre o filho entregou.

Aristéia que ficou
Foi tachada de coiteira
Perseguida da polícia
Fugiu para outra ribeira
Vivendo sempre escondida
Não achando outra saída
Teve que ser cangaceira.

O bandido Catingueira
Que há muito a cortejava
Não perdia as esperanças
Pra o cangaço a convidava
Prometendo proteção
Uma feliz união
Mas ela não aceitava.

Contra ela se fechava
O cerco dos policiais
Ela sempre se escondendo
Depois não aguentou mais
Se uniu a Catingueira
Passou a ser cangaceira
Vivendo nos carrascais.

Ganhou chapéu e bornais
Roupa azul e par de meia
Tornou-se uma valente
Sem medo de cara feia
E saiu com o marido
Pra um coito bem escondido
Chamado «Pilão das Peia».

No cangaço, volta e meia
Enfrentava coisa séria
Mas ela era destemida
E não temia miséria
Duas primas que ficaram
Também a acompanharam:
Sebastiana e Quitéria.

A coisa ficou mais séria
Quando ela engravidou
Mesmo sabendo a dureza
Muito contente ficou
Aristéia, a cangaceira,
Amante de Catingueira
A gravidez encarou.

Um dia ela viajou
Com o grupo de Moreno
Pra Santana do Ipanema
Atravessando um terreno
Que segurança não dava,
Enquanto ela gargalhava
O chefe ia sereno.

Um descampado terreno
Teriam que atravessar
O chefe ia na frente
Sempre atento a vigiar
Pois naqueles matagais
Sempre haviam policiais
Nas moitas a tocaiar.

Aristéia a conversar
Distraidamente ria
Disfarçando o sofrimento
Que a caatinga oferecia
Feito sentença cumprida
Da mocidade perdida
Onde prazer não havia.

Ainda cedo do dia
Seguiam a triste missão
Apesar de vigilantes
Caminhavam em direção
A uma volante escondida
Tocaiada e decidida
A matá-los à traição.

Segue o bando em direção
Sem suspeitarem de nada
Um aparente sossego
Reinava na caminhada
Mas logo os risos cessaram
Quando tiros ecoaram
Da volante tocaiada.

Com a confusão gerada
O bando se reunia
A mulher se protegendo
Homem ao fogo respondia
Houve intenso tiroteio
Gente ferida no meio
E só fumaça se via.

Cangaceiro Pontaria
Deu com a cara na poeira
Logo depois Aristéia
Via cair Catingueira
E sair a se arrastar
Para tentar se livrar
Do eixo da bagaceira.

Durou uma hora inteira
O tiroteio acirrado
Até que o matraquear
Foi ficando moderado
Soldados foram parando
Da luta se retirando
Com mortos no chão tombados.

Catingueira baleado
Conseguiu se levantar
Pontaria estava morto
E do outro lado de lá
Tinha mortos na volante
Mas com eles naquele instante
Ninguém ia se importar.

Conseguiram arrastar
Catingueira para o aceiro
Do caminho e o deitaram
Na sombra de um Umbuzeiro
Tendo sido examinado
E viram que seu estado
Era para desespero.

Ao ver o seu companheiro
Ali naquele esturpor
Dando os últimos suspiros
Aristéia se lembrou
De um ditado preciso,
Constatou que muito riso
É sinal de muita dor.

Moreno ainda perguntou
Ao seu amigo de fé
Que ali se contorcia:
«O que faço com sua mulher?»
Catingueira agonizando
Respondeu balbuciando:
«Faça o que bem quiser.

Mas se o amigo puder
Procure a família dela
Não deixe que os macacos
Façam nenhum mal a ela
Que ela nunca padeça
E que meu filho não cresça
No meio dessa mazela.»

Ficou olhando pra ela
Quase sem respiração
Pelo estrago da bala
Via-se até o coração
Pulsando bastante lento
Sem nenhum medicamento
Ali como proteção.

Um chumaço de algodão
Embebido num pouquinho
De «Saúde da Mulher»
Que havia num frasquinho
Durvina os lábios molhava
Dele que agonizava
Morrendo devagarinho.

No aceiro do caminho
Sepultaram Catingueira
Numa sepultura rasa
Para não fazer poeira
Entraram no matagal
Se afastaram do local
Em busca de outra ribeira,

Moreno com a cangaceira
E alguns do bando voltou
Com quatro dias ao local
Que a Catingueira enterrou
Viu Pontaria jogado
Da cabeça decepado
Que a polícia decepou.

Dali Aristéia rumou
Peregrina sem comando
Em busca de Eleonora
Que vivia em outro bando.
De Serra Branca a chefia,
De Alagoas não saía
Das volantes se esquivando.

Quando ela foi chegando
Já recebeu a notícia
Que a irmã Eleonora
Foi morta pela polícia
Com Serra Branca e os demais
Sofreram golpes mortais
Nas mãos de uma milícia.

Perseguida da polícia
Sem ter para onde ir
Com a barriga pesada
Já em dias de parir
Resolveu se esconder
Até seu filho nascer
E do cangaço sair.

Termino a história aqui
De mais uma cangaceira
Moça bonita e prendada
Filha de família ordeira
E a polícia perseguiu
Tanto que ela fugiu
E caiu na capoeira.

Viveu como cangaceira
Na caatinga se escondendo
Quase sempre perseguida
Os companheiros morrendo
Os chefes iam tombando
O cangaço se acabando
E ela sobrevivendo.

Muito tempo se escondendo
Depois reapareceu
Viveu até a velhice
Contando o destino seu
Até o final dos planos
Com noventa e oito anos
Em Paulo Afonso morreu.


Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 15/02/2017
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