José Medeiros de Lacerda

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Textos

MANÉ CRUZA FACA E O CANGACEIRO MERGULHÃO
É história do Nordeste
Mas colhi no Paraná
Contada por um amigo
Quando eu estive por lá
História de Mergulhão
Um cabra de Lampião
E eu vou em versos contar.

No Norte do Paraná
Eu conheci Seu Tenório
Na cidade Florestópolis
Um sujeito bem simplório
Brincalhão que só menino,
Quando encontra um nordestino
Ele abre o falatório.

Esse famoso Tenório
Nascido no Pajeú
Nas cabeceiras do rio
Fazenda Água de Teiú
Cento e um anos de idade
Mas tem boa habilidade
E ainda bebe Pitú.

Me contou de um sururu
Que ele presenciou
No ano de trinta e seis
Quando era morador
De uma fazenda vizinha
A um coronel que tinha
A fama de matador.

Segundo ele me contou
O coronel fazendeiro
Chamado Juvêncio Dantas
Tinha fama de coiteiro
Mas à volante ajudava,
E vez em quando ele armava
Pra entregar um cangaceiro.

Esse dito fazendeiro
Protegia um bandido
Perverso, vil e covarde
Que só vivia escondido,
Um jagunço pau mandado
Que tinha o corpo fechado
Por nada era atingido.

Esse temível bandido
Praticou uma má ação
Raptou uma mocinha
Que havia na região
Filha de um fazendeiro
E prima de um cangaceiro
Do bando de Lampião.

Se chamava Mergulhão
O cangaceiro citado
Vivia pela caatinga
Por seu chefe comandado
Vez em quando visitava
O seu tio, onde ficava
Escondido e bem guardado.

Voltando ao pau mandado
Jagunço do fazendeiro
Nome, Mané Cruza Faca
O temível desordeiro
Fazia e acontecia
No campo e ninguém o via
Porque era feiticeiro.

Vizinho ao tal fazendeiro
Numa fazenda vizinha
De um velho sitiante
O pai da dita mocinha,
Muito bonita e prendada
Católica, muito educada
E só andava na linha.

Esse sitiante tinha
Um sobrinho cangaceiro
Que vez em quando chegava
Fazendo o tio de coiteiro
Do bando de Lampião,
Se chamava Mergulhão
O temível bandoleiro.

Um dia esse cangaceiro
No seu tio se hospedou
Com alguns comparsas do bando
E o sitiante contou
Uma história comovida,
Que sua filha querida
Cruza Faca lhe roubou.

Comovido lhe contou
Que naquele mesmo dia
O bandido Cruza Faca
Invadiu sua moradia
Desonrou sua família
Carregando sua filha
E todos bens que havia.

Mergulhão não conhecia
A fama desse bandido
Mas pouca gente sabia
Pois só vivia escondido
Artimanhas promovendo
Fazendo e acontecendo
E do patrão protegido.

Sabendo do acontecido
Mergulhão se enfezou
Disposto a ir buscar a prima
Mas o tio o aconselhou
Que tivesse mais prudência
Pensasse com paciência
Não agisse com furor.

Segundo o tio contou
O bandido quando agia
Se alguém o perseguisse
Ele desaparecia
E se um grupo o cercasse
Por mais gente que chegasse
Mas ali ninguém o via.

E também naquele dia
O criminoso tirano
Não molestava a mocinha
Nem lhe causava algum dano
Se não o encanto quebrava,
Pois ele comemorava
O dia de São Cipriano.

Mas preparasse algum plano
Para quando amanhecer
Pois o cabra todo dia
Logo no alvorecer
Costuma se achegar
Beber água e se lavar
Na cacimba de beber.

Assim que a zabelê
Anunciou a alvorada
Mergulhão já se encontrava
Escondido, de emboscada
Na cacimba tocaiando,
Viu o cabra se achegando
Sem desconfiar de nada.

Sua arma carregada
Era um velho bacamarte
Doado por Sinhô Bento
Um preto cheio de arte
Um escravo alforriado
Benzedor pra todo lado
Conhecido em toda parte.

Esse velho bacamarte
Tinha feito muito presunto
Com quatro dedos de pólvora
Quase o cartucho foi junto
Nessa arma carregada,
Pólvora preta, bem socada
Com mortalha de defunto.

E com a pólvora foi junto
Pois o assunto era sério
Três balotes de estanho
Pra não haver revertério
Forjados numa caldeira
Fogo feito com madeira
De cruzes do cemitério.

Mergulhão a seu critério
Sentiu a aproximação
Do cabra num burro preto
Olhos iguais aos do cão
Ao ver o cabra sentiu
Na espinha um arrepio
E um choque no coração.

Mas ele era Mergulhão,
Com nada se intimidou
Viu o cabra aproximar-se
Do animal se apeou
Empreendeu a descida
E uma cabaça encardida
Na cacimba mergulhou.

Quando ele se levantou
Já o Sol aparecia
Mergulhão se preparou
Pra fazer a pontaria
O cabra se escafedeu
Dali desapareceu,
Só a cabaça se via.

Sem saber o que fazia
Mergulhão ficou sem graça
Não querendo acreditar
Achando que era trapaça
Foi quando ouviu um zumbido
Dizendo no seu ouvido:
«Mire o fundo da cabaça!»

Sem querer fazer pirraça
Mergulhão obedeceu
Ajustou a pontaria
E o tiro aconteceu
Qual um tiro de canhão,
Assombrou a região
E ele desfaleceu.

Mas também aconteceu
O resultado esperado,
Quando ele acordou
Pois havia desmaiado,
Viu o sujeito caído
Sobre o lageiro estendido
Com o crânio esfacelado.

Também caído pra um lado
Estava o burro agonizando
Com o tiro ele pulou
E caiu se estrepando
Numa estaca de pereiro
Que havia no lageiro
E ali foi se findando.

Mergulhão se levantando
Ainda meio aturdido
Viu o burro agonizando
O cabra morto estendido
Deixou a carnificina
E foi atrás da menina
Onde ele tinha escondido.

A moça tinha saído
Com o povo para o oitão
Ficaram todos tremendo
Ao avistar Mergulhão
Deixaram que ele a pegasse
E consigo carregasse
Sem esboçar reação.

O bando de Lampião
Se aproximou para ver
Quase não acreditaram
No que pôde acontecer,
Deram um tiro no animal
E deixaram com o tal
Para os urubus comer.

Viram Mergulhão trazer
A menina prisioneira
Foram encontrar os dois
E saíram na carreira
Quando o pai os avistou
De tão contente ficou
Que fez uma bebedeira.

Mandou buscar numa feira
Cinquenta litros de cana
Matou um garrote e fez
Uma festa soberana
Pra o bando de Lampião,
E aquela diversão
Durou quase uma semana.

Só depois da carraspana
O bando se retirou
O velho ainda quis pagar
Mergulhão não aceitou
Se despediu da família
Com o bando pegou a trilha
E pra caatinga voltou.
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 15/02/2017
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