José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

VINGANÇA DE CABOCLO
VINGANÇA DE CABOCLO

Seu moço, não me incrimine
Nem me chame cangaceiro
Pois sou um sujeito honesto
Trabalhador e ordeiro.
Antes de me condenar
Espere eu lhe contar
A minha história primeiro.

Nascí no Sítio Facheiro
Perto do Vaquejador
O meu pai, Chico Machado,
Foi um grande caçador
Me  ensinou tudo que eu sei
E foi dele que eu herdei
A fama de atirador

Por aquele interior
Lugar onde eu residia
A minha fama, seu moço,
De boca em boca corria
Por quem eu era estimado
Fui até apelidado
Como o Rei da Pontaria.


E todo mundo dizia
Pelas veredas e trilhos
Que de Seu Chico Machado
Eu não negava ser filho
Tanto por minha destreza
Como pela ligeireza
De meu dedo no gatilho.

Devido aquele meu brilho
Os «caboco» do lugar
Pensando que eu tinha medo
Vinham me desafiar
Pra no meio do esparro
Botar na boca um cigarro
Pra com uma bala eu cortar.

E as mocinhas de lá
Digo e não faço segredo
Botavam fulô na boca
Sem  ter susto, sem ter medo,
Prendiam até o suspiro
Para eu cortar com um tiro
No arrastão do meu dedo.

Fosse tarde ou fosse cedo
A minha disposição
Era igual a toda hora,
Num tou aumentando não,
Nem criando fantasia,
Só contei o que eu fazia
Com uma arma na mão.


Seu moço, preste atenção
Que a historia começou:
Devido a minha fama
De ser bom atirador
Uma caboca bonita
Chamada Maria Rita
Me amava, com todo amor.

Ela também me tocou
Isso eu não posso negar
Há tempos meu coração
Queria se declarar
Que amava Maria Rita,
Essa cabocla bonita
Como nem é bom falar.

Começamos  namorar
Sem nenhum constrangimento
Aquele nosso namoro
Criou desenvolvimento
Logo cheguei a pensar
Que para eu me casar
Era chegado o momento.

Lhe falei em casamento
Vendo que ela estava afim
Tão logo fiz a proposta
Maria disse que sim,
Não podia me negar,
Tava pronta pra casar
Porque gostava de mim.


Depois me contou, enfim,
Algo do passado dela
Disse já ter sido noiva
De um tal de Pedro Canela
Um sujeito bem  pachola
Um tocador de viola
Que ainda roía por ela.

Esse tal Pedro Canela
De vez em quando jurava
Se não casasse com ele
Com outro ela não casava,
Mesmo que ela tentasse
E se com outro casasse
Então ele se vingava.

Aquilo que ele jurava
Nós esquecemos de vez
E esquecendo o juramento,
Que o Pedro Canela fez
Nós demos logo andamento,
Marcamos o casamento,
Para o fim do outro mês.

Logo o prazo se desfez
Até que o dia chegou
Meu sogro fez uma festa
Os amigos convidou
E entre muita alegria
Sem haver malicunía
Nós casemos, sim senhor.


Seu Canela, tocador,
Convidado pra tocar
E completando o conjunto
Zé Pirrita no ganzá
No melê, Joao Fortunato
Na concertina um mulato
Chamado Juca Preá.

Meu sogro, João Alencar,
Estava cheio de vida
Com gosto no casamento
Da sua filha querida
Não regateou despesa
E botou na sua mesa
Muita  comida e bebida.

Minha sogra Margarida
Oferecia com graça
Pra mulherada presente
Petisco, café com massa,
E os homens com alegria
De vez em quanto bebia
Um tragozim de cachaça.

Completando a arruaça
Caía chuva no vergel
A noite virou um dia
Acendendo o fogaréu
Chega o trovão pipocava
Relâmpago faiscava
Rasgando o bucho do céu.

Aquele povo fiel
Dançava muito animado
Pras tantas da  madrugada
Tava tudo encachaçado
E eu também, pra que negar,
Com gosto por me casar,
Também tava embriagado.

Somente um dos convidados
Ali não se embebedou:
O violeiro presente,
Seu Canela tocador,
Que me vendo embriagado
No meio dos convidados
Parou a dança e falou:

“ Ze Machado atirador,
O melhor desse retiro,
Tu és bastante famoso,
Tua fama eu admiro.
Apois manda teu amor
Botar na boca uma flor
Pra tu cortar com um tiro!”

Só se ouvia o suspiro
Criado com aquele impasse;
Uns convidados pediam
Pra que eu não atirasse
Outros pra me encorajar
Mandavam eu atirar
E a fama sustentasse.


Eu esfreguei os meus dedos
Enquanto o outro sorria
Quando a arma levantei
Pra fazer a pontaria
Bêbado como eu estava,
Duas flor eu avistava,
E via duas Maria.

A mão tremia... tremia...
Eu nem ficava parado...
Quem tinha visto tremer
A mão de Zeca Machado?...
Ninguém viu, até agora.
Só tremeu naquela hora
Porque eu tava embriagado.

No meio  dos convidado,
Do povo que eu admiro.
No meio daquela sala
Só se ouvia o suspiro
De um ou outro soluçando
Placidamente esperando
Pelo momento do tiro.

Então prendi o respiro
E atirei, meu senhor,
No meio do fumaceiro
Eu vi desabar a flor
E vi cair desmaiada
Em sangue toda banhada
Minha noiva, meu amor!


O maldito tocador
Gritava lá do seu lado
Todo ancho, todo prosa:
“Perdeste a fama, Machado!
És um grande fanfarrão!
E agora, por tua mão,
Eu me vinguei, tou vingado!”

Eu ali amargurado
Em pé no meio da sala
Respondi para o sujeito:
“Eu inda tenho outra bala.
Tás satisfeito, Canela?
Tás vendo o cadáver dela?
Agora eu quero vingá-la!”

Eu quis correr da sala
Mas não pode, meu patrão,
Por causa desse maldito
Eu perdi minha razão;
Um outro tiro se ouviu
E o miserável caiu
Com uma bala no coração.

Quando eu vi ele no chão
Fui me abraçar com Maria
E lhe pedi seu perdão
Nessa hora de agonia
Ao seu lado ajoelhado
Ouví quase amalucado
O que ela me dizia.


Enquanto a vela luzia
Eu chorava do seu lado
Ela então me respondeu:
“Zequinha, tás perdoado...
Por tua falta de sorte...
E perdoo pela morte...
Desse maldito culpado!”

Peço que faça um agrado
De me ser sempre fiel
E meu último pedido,
Me enterrem com este véu,
Eu fico no cemitério
Mas é assim que te espero
Como noiva, lá no ceu!

Guarde este meu anel
Contigo, no dedo seu...
Disse isso, meu patrão,
Sua mão enrijeceu
Da vela espiou pra luz
Disse o nome de Jesus,
Fechou os olhos...morreu!!!


ESTE TEU OLHAR


Que olhar é este
Que me estremece
Que me deixa rubro
Que me entumece?

Penetra meu corpo
Invade a minha alma
Não pede licença
Afasta-me a calma...

Que olhar e este
Que aquece o meu corpo
Revela a indecência
Sem receio ou pudor
E logo se transforma
Numa explosão de amor?


Este teu olhar
Me leva as estrelas
E assim invado a lua...

Me aqueço ao sol
E sob as gotas da chuva
Me transformo em paz...

BIOGRAFIA DO AUTOR

De um galego descendente de Holandesa com Português e uma bisneta de Índia Panati, nasceu  José Medeiros de Lacerda, mais um descendente das sete irmãs da Cacimba da Velha. Aos 8 anos, já escrevia estórias do seu imaginário, como "O Aventureiro", descrevendo a saga de um garoto criado entre as matas da Várzea Comprida na Fazenda Passagem do Meio, de seus avós maternos. Com 12 anos, extremamente amante dos estudos, viu seu sonho desmoronar-se. Só homem já feito conseguiu voltar às salas de aula, de onde nunca mais saiu. Primeiro como aluno, depois professor. O sangue de Tropeiro da Borborema herdado do pai, o fez percorrer o Brasil, de Roraima ao Paraná, carregando seus sonhos, compondo seus poemas, idealizando seus cordéis. No teatro foi ator, dançarino, coreógrafo, autor, na poesia um aprendiz, do Cordel é professor. Em Santa Luzia, constituiu família, em Patos concluiu seu curso de Letras na atual FIP. Hoje se realiza vendo seus cordéis lidos, em todos os Estados brasileiros. E mais feliz fica, vendo várias escolas pelo Brasil a  fora vivenciando sua poesia em sala de aula. Seus cordéis tem cunho  educativo, informativo, histórico, nunca usados como desabafos íntimos, válvulas de escape diante das pressões existenciais. Hoje com mais de 360 folhetos escritos, faz da poesia sua terapia ocupacional. Seus netos, e sua primeira bisnetinha lhes proporcionam tudo que ainda lhe resta para se emocionar, procurando dar-lhes o que ele não teve direito em  sua infância... Seus pais, de saudosa memória, foram apenas o começo de sua história!!!...
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 11/01/2017
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