José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

AS PERGUNTAS IDIOTAS E AS RESPOSTAS DE SEU LUNGA PARTE 4
Mais  uma vez eu me rendo
Às perguntas idiotas
Que o povo faz a Seu Lunga
Sempre fazendo chacotas
Pra ver o velho enfezado
E bastante chateado
Com todas essas lorotas.

Um dia, calçando as botas,
Sentado num caçuá
Pois tencionava fazer
Um negócio em Quixadá
Quando passa um rapazote
E pergunta com fricote:
«Seu Lunga, vai viajar?»

O velho ao se levantar
Vendo o rapazote rir
Foi dizendo: «Oh imbecil,
Tu tá vendo mala aqui?
Sua pergunta me agrava,
Não tá vendo que eu estava
Me ajeitando pra dormir?»

Pra o leitor ver e sentir
Como Lunga é impaciente
Numa certa noite ele
Acordou com dor de dente
Pegando um martelinho
Quebrou o dente todinho
E foi dormir novamente.


Certa vez num ambiente
Lunga estava se alegrando
Num forrozão em que o velho
Dançava sapateando
Quando alguém lhe perguntou
No meio daquele show:
«Lunga, você tá dançando?»

O velho foi pinotando
Com sua cara de intriga
Respondendo assim pro moço
Raivoso, dando a bexiga
Num tom bastante exaltado:
«Tu num tá vendo, abestado,
Que eu tou matando formiga?!»

Lunga deixou uma amiga
Cuidando do armazém
E foi a um geriatra.
O médico, como convém,
Ao vê-lo entrando no posto
Perguntou com muito gosto:
«Como vai? Tá tudo bem?»

Zangado como ninguém
Lunga foi se levantando
E com raiva foi dizendo
Injuriado e bufando:
«Respondê-lo a mim convém,
Se eu estivesse bem
Num tava me consultando.»

No Amazonas passeando
Lunga chegou em um rio
Aproximou-se do cais
Para pegar um navio
Quando a embarcação
O dono lhe perguntou:
«Vai pegar um barco, tio?»

Aceitando o desafio
Lunga ficou espumando
Saindo da fila então
Olha o que foi aprontando,
Saltou pra dentro da água
Dizendo cheio de mágoa:
«Não, acho que eu vou nadando.»

Uma vez Lunga gripando
Abriu a porta do carro
E deu uma catarrada.
Vendo a sujeira no barro
Perguntou-lhe Piedade:
«Seu Lunga, por caridade,
Tudo isso é catarro?»

Sem fazer nenhum esparro
Ficar calado ele tenta
Mas ainda se limpando
Com a cara de tormenta
Respondeu, sem caridade:
«É manteiga, Piedade,
Que eu tou tirando da venta!»

Numa pescaria ele tenta
Sossego, sem se alterar
Nisso Zé Gois se aproxima
Com intenção de atrapalhar
Vendo Lunga com os anzóis
Perguntou-lhe assim Zé Gois:
«Lunga, estais a pescar?»

Seu Lunga só fez quebrar
As varas de tal maneira
Olhando para o rapaz
Dizendo, «Mas que besteira!
Num tá vendo, seu cagão,
Que essas varetas são
Pra fazer uma fogueira?!»

Lunga foi a Ipueira
Num ônibus sem tá lotado
O assento ao lado dele
Estava desocupado
Outra pessoa chegou
E ao velho perguntou:
«Tem alguém aí sentado»

O velho mal educado
Com sua cara de prego
Olhou pra cadeira e disse:
«Grande cegueira eu carrego,
Se você tá vendo alguém.
Pois aqui não tem ninguém,
Se tiver eu estou cego!»

Um televisor no prego
Estava quase queimando
Um rapaz viu o ranzinza
Na tal TV cutucando
Mas pra perto se chegou
E pra o velho perguntou:
«Esse TV tá pegando?»

Seu Lunga ficou olhando
Pra o rapaz com mal humor
Bufando feito um boi bravo
Ao jovem perguntou:
«TV boa ou quebrada,
Me diga, meu camarada,
Alguma já te pegou?»

Num pilão Lunga topou
Ficando com a perna inchada
Com a cabeça do dedão
Visivelmente esfolada
Vendo o velho reclamando
Um freguês foi perguntando:
«Como foi essa topada?»

Com a perna machucada
Lunga chutou o pilão
Respondendo: «Foi assiim!»
Vendo essa arrumação
O cara gritou na hora,
«Valei-me Nossa Senhora!
Oh, velho bruto do cão!»

O armazém do resmungão
Não é grande nem pequeno
Mas vende quase de tudo.
Chegando lá, Seu Galeno
Com a vista procurou
E ao velho perguntou:
«Lunga, você tem veneno?»

Lunga respondeu sereno
Fazendo uma manobra
Num palavreado assim:
«Vigor eu tenho de sobra,
Tenho orelha, pé e mão
Mas isso eu não tenho não
Pois quem tem veneno é cobra!»

Mesmo onde a esquina dobra
Seu Lunga estava sentado
Quando passou um amigo
Falando muito educado:
«O senhor vai bem, Seu Lunga?»
Lhe respondeu o resmunga,
«Eu não vou, estou parado!»

Lunga tinha viajado
Ver um amigo em Picuí
No Estado da Paraiba
E quando chegou ali
Que o amigo o avistou
Espantado lhe falou:
«Lunga, você por aqui!?»

Lunga pensou entre si:
«Esse cabra é Zé Mané!»
Aí disse pro colega,
«Meu amigo, tenha fé
Estás vendo uma visão
Eu sou uma assombração,
Lunga tá em Canindé!»

Chico Reis de Cariré
Se encostou no seu balcão
Com a boca fedorenta
Lunga perguntou: «Chicão
- Tapando o nariz na hora -
Diga por Nossa Senhora,
Tu num lava a boca não?»

Lhe respondeu o Chicão,
«Eu lavo frequentemente
E sempre vou ao dentista
Pra ficar mais sorridente.
Estou dando uma geral,
Lunga, ontem por sinal
Fiz uma ponte no dente.»

Lunga disse, «Infelizmente
Não continue se tratando
Pois com sou seu amigo
Vou logo lhe alertando
Chico da minha estima,
Deve ter um cabra em cima
Da sua ponte cagando,!»

Um porco Lunga comprando
Abatido pra torrá-lo
«Vai comer esse barrão?»
Perguntou-lhe Seu Gonçalo
Com o bicho dentro da cesta
Seu Lunga disse pro besta,
«Vou nada, eu vou criá-lo!»

Lunga pegado no talo
Chupava um abacaxi
À margem de uma BR
Quando chegou um guri
Tocando no ombro dele
Perguntando assim pra ele:
«A BR é aqui?

A casca do abacaxi
Seu Lunga rasgou no dente
Por causa dessa pergunta
Comendo ranzinzamente
Respondeu: «Cara de escombro
Isso aqui é o meu ombro,
A BR é aí na frente!

Outra vez foi em Vertente
Lunga ia num jumento
Com a esposa na garupa
Isso para um casamento
O jerico emperrou
Acuado se deitou,
Veja que constrangimento.

Com uma arma e violento
Lunga foi contando assim:
«E um... é dois... é três,,,»
Querendo fazer pantim
O burro não se importou
Aí o velho atirou
Dando ao bicho um triste fim.

A velha pegou enfim
Reclamar com impavidez
Lunga apontou o revólver
Pra ela com estupidez
Ela nada de parar
Ele começou contar:
«É um, é dois, é três...»

É claro que dessa vez
O velho não atirou
A velha não sentiu medo
Porque já se acostumou
O velho nesse momento
Esqueceu o casamento
E para casa voltou.

Seu Lunga num bar entrou
Pra tomar refrigerante
Só para o leitor saber
Como ele é ignorante
Veja o que ele praticou
Quando alguém lhe perguntou:
«Tá gostoso o espumante?»

Derramou o refrigerante
Bebeu um copo de fel
Respondendo, «Esse sim,
É gostoso que só mel!»
Essa resposta engraçada
Já foi até ilustrada
Na capa de outro cordel,

Seu Lunga olhando pro céu
Na chuva queria sair
Pegou o seu guarda-chuva
E ao terminar de abrir
Um seu amigo chegou
E surpreso perguntou:
«Nessa chuva dar pra ir?»

Lunga começou a rir
Já fechando o guarda-chuva
Dizendo, «Vou nessa não»
Tirando a capa e a luva
Sem dizer pra onde ia
Só disse com ironia:
«Eu vou ná próxima chuva.»

Zangado igual a saúva
Com tudo ele se irrita
No armazém dele deu
Uma praga de catita
Pra com aquilo terminar
Lunga foi logo comprar
Veneno lá em Rosita.

Perguntou logo à bonita:
«Pra matar rato, o que tens?»
Ela disse, «Esse remédio
A quem dou meus parabéns,
Esse limpa a Natureza
Se o levares, com certeza,
Comprar outro tu não vens.»

Lunga disse, «Não me vens
Com esse papo sereno
Não quero curar os ratos
Vim aqui comprar veneno.
Tua conversa dá tédio
Eu não vim comprar remédio,
Essa prática eu condeno.»

Rosita disse, «É veneno
Não aceito desacatos
Mas afinal, vai levar?
Esse é um dos mais baratos.»
Lunga só observando
Disse a Rosita bufando,
«Não, eu vou buscar os ratos!»

Pra simplificar os fatos,
Lunga em sua construção
Ficou na beira da laje
Veja que situação
O andaime fraquejou
E o velho despencou
Metendo a cara no chão,

Lunga ficou sem ação
Ferido e desconchavado
Passou quase cinco meses
Na UTI internado
Dessa vez quase se arrasa
E quando voltou pra casa
Demorou ficar curado.

Seu Lunga ainda enfaixado
Voltou lá na construção
Um operário perguntou
Como foi a confusão
O velho disse, «Sujeito,
Eu despenquei desse jeito»
Aí se jogou no chão.

Encerrando a narração
Ódio com amor não comunga
Cuidado, caro leitor,
Você que muito resmunga
Procure se controlar,
Porque poderá estar
Com o espírito de Seu Lunga!
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 14/12/2016
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