José Medeiros de Lacerda

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Textos

AS PERGUNTAS IDIOTAS E AS RESPOSTAS DE SEU LUNGA PARTE 3
Já escrevi dois cordéis
Falando do velho Lunga
Pessoa de bom conceito
Porém muito ele resmunga.
Se lhe aparece um janota
E faz pergunta idiota
Fica de sujar a sunga.

O problema de Seu Lunga
É que o velho não gosta
De perguntas idiotas
E nisso a moçada aposta
Mas o velho tem na "cesta"
Pra cada pergunta besta
Intolerante resposta.

Se ele gosta, se não gosta
Essa verdade eu não nego
Com tanta pergunta boba
O velho perde o sossego
E incha até o pescoço,
Porque Seu Lunga é mais grosso
Que papel de enrolar prego.

Sempre comigo carrego
Caneta para escrever
E um bloco de papel
Com a intenção de colher
De Seu Lunga algum rompante
E sempre uma importante
Alguém tem pra me dizer.

Um dia ao anoitecer
O velho teve uma surpresa
Ao perguntar pela janta
A sua esposa Tereza
A velha inocentemente
Lhe respondeu num repente:
"A sopa já tá na mesa."

O velho, por natureza,
Já foi dando uma patada
E com sua intolerância
Respondeu pra sua amada:
"Não seja burra, Tereza,
Não bote a sopa na mesa,
Bote no prato, abestada!"

Numa tarde ensolarada
Seu Lunga estava pescando
Ao por no anzol a minhoca
Um sujeito ia passando
Ao vê-lo se aproximou
Com malícia perguntou:
"Lunga, você tá pescando?"

O velho foi resmungando:
"Mas que dia de azar!"
Com sua brutalidade
Pro cabra só fez bradar
Rancoroso e resmungando:
"Não, eu estou ensinando
Essa minhoca a nadar!"

Lunga acabou de comprar
Um buquê com várias cores
De rosas pra sua santa
Nossa Senhora das Dores
Sua esposa exclamou
E ainda lhe perguntou:
"Meu velho, isso são flores?"

Ele disse: - Oh, meus amores!
Assim eu me desconcentro
Abestada, num tás vendo
Que isso é alface e coentro?»
Aí começou comê-las
Com raiva, já vendo estrelas,
Botando tudo pra dentro.

Um dia, andando no centro
Da cidade, descuidado,
Caiu um grande toró
E o velho muito enfezado
Com São Pedro reclamando
Pra casa saiu bufando
Chegando todo encharcado.

Seu Lunga tava molhado
Até por dentro da luva
Chegando em casa encharcado.
Querendo ficar viúva
Sua esposa exclamou
Ou melhor, lhe perguntou:
"Tudo isso foi a chuva?"

Mas feroz do que saúva
Na queimada do capim
Pensou: "Essa velha quer
Ainda hoje levar fim!
- Porém respondeu - Foi não,
Passou uma multidão
Cuspindo em cima de mim!"

O velho Lunga é assim,
Pior que um sacripanta
Está sempre enfezado
Com tanta pergunta, tanta
Que até perde a noção,
Com qualquer indagação
O velhote já se espanta.

Um dia, à hora da janta,
À mesa foi se sentar
Sua esposa perguntou:
- Meu velhinho quer jantar?
Lunga inverteu a colher
E respondeu: - Não, mulher,
Eu quero jogar bilhar!

Uns óculos foi comprar
Pras bandas de Limoeiro
Perguntou-lhe a vendedora:
- Qual é dessas, companheiro?
É pra longe ou pra perto?
Lunga respondeu esperto:
- É pra ir pro Juazeiro.

Sorrindo com o entrevero
Fez de novo a atendente
A pergunta e lhe falou:
- Estou falando é da lente»
Seu Lunga dando a biloura
Respondeu pra vendedora:
- Eu quero as duas na frente,

Sentindo uma dor potente
Foi ao posto da cidade
Mostra a perna à doutora
Na maior tranquilidade
E a doutora examinando
Para o velho foi falando,
- Seu Lunga, isso é da idade!

Seu Lunga disse, - Beldade,
Não venha com ladainha!
E botou a outra perna
Em cima da escrivaninha
Dizendo, - Olhe pra essa,
É da mesma idade dessa
E ela está boazinha!

Lunga andava na pracinha
Com um rapazola de lado
Quando o relógio do moço
Caiu e ele admirado
Falou pra Lunga que ouviu:
- O meu relógio caiu
E ele está ali parado,»

Lunga bastante enfezado
Fita o moço a resmungar
Perguntando com ironia
Pra seu amigo escutar:
- Ora, monstro das cavernas,
Por acaso, ele tem pernas
Pra dali se levantar?

Seu Lunga foi trabalhar
Quando o sol ia saindo
Ao abrir o armazém
Alguém perguntou sorrindo
Ao velho rei da resmunga:
- Bom dia, meu caro Lunga,
A loja já está abrindo?

Em ira se esvaindo
Como sempre resmungando
Olhando para o sujeito
A porta ele foi baixando
Chega a poeira voou
Mas antes ele bradou:
- Não, eu já estou fechando!

Certa feita viajando
Pra um centro em Canindé
Foi consultar-se com um médium
Adivinho e nessa fé
Lunga bateu no portão
Quando ouviu o adivinhão
Perguntando assim: - Quem é?

Lunga, já perdendo a fé
Pensou, - Aqui eu não entro.
Porém antes dele ir
Embora daquele centro
Respondeu lá do portão:
- Cê não é adivinhão?
Adivinhe aí de dentro!

Lunga foi jantar no centro
Com a esposa num restaurante
O garçom veio atendê-lo
Rapidinho, num instante,
Fitando o velho resmunga:
- É sua esposa, Seu Lunga?
Perguntou-lhe o intratante.

Lunga num grande rompante
Dando a gota e a bixiga
Aberturando o garçom
Já querendo comprar briga
Respondeu todo exaltado:
- Num é não, seu abestado,
Essa é minha rapariga!

O milharal do intriga
Já estava bonecando
Lunga foi limpar o mato
E quando estava limpando
Sua plantação de milho
Pergunta-lhe assim o filho:
- Papai, está capinando?

Para o filho o velho olhando
Já foi lhe dizendo, - Nossa!
Parando de capinar
Como ele é casca grossa
Respondeu assim pro filho,
- Não, tou arrancando o milho!
E meteu o pau na roça.»

Com uma tinta bem grossa
Foi pintar o armazém
Quando chegou um freguês
Vendo Lunga sem ninguém
Com tinta, rolo e pincel
Foi exclamando o incréu:
-Tá pintando a loja, em!

Lunga exclamou também:
- Valei-me, meu São Tomé!
Aí parou de pintar
E bruto como ele é
Meteu o pincel na boca
E disse: - Cabeça oca,
Tou chupando picolé!»

Lunga tomava café
Bem quente no seu banquinho
Sentado no seu quintal
Quando pergunta um vizinho
Do outro lado de lá:
- Seu Lunga, o senhor está
Tomando o seu cafezinho?

- Que nada, meu bom vizinho!
O ranzinza respondeu
- Eu estou tomando banho!
Aí se enfureceu
Derramou todo café
Da cabeça até o pé
Que o quengo chega ferveu,

Certa vez aconteceu
Dentro de um avião
Em que Seu Lunga viajava
Ele ouviu um cidadão
Dizendo num arrepio:
- Nunca andarei de navio
Pois nadar eu num sei não.

Na minha opinião
O Navio pode afundar...
Nessa altura o velho Lunga
Pro cabra só fez virar
Perguntando o resmungão:
- Então andas de avião
Porque tu sabes voar?

Querendo leite tomar
Gritou, - Tereza, me dê
Um pouco de leite quente!
Ela deixando o crochê
Depressa se levantou
E pra Lunga perguntou:
- Meu amor, eu trago em que?

Com esse seu proceder
O tal velho resmungão
Respondeu estuporado:
- Derrame o leite no chão
Venha daí com denodo
Empurrando com o rodo,
Corra, não demore não!

Lunga comprou um garrafão
De leite lá em seu Dunga
Chegando em casa a mulher
Dele pergunta e resmunga:
- Parece que doido sois,
Se aqui só tem nós dois,
Pra que tanto leite, Lunga?»

Pra responder o resmunga
Jogou o leite no chão
Bufando feito um boi bravo
Com a vassoura na mão:
- Velha doida, abestalhada,
É pra lavar a calçada!
E traga logo o sabão!

Certa vez um cidadão
No armazém foi chegando
Para comprar uma bomba
E foi logo perguntando:
- Tem certeza, camarada
Que essa bomba enferrujada
Está mesmo funcionando?

Lunga falou reclamando:
- Ela está enferrujada
Mas essa sua pergunta
Até parece piada
- E acrescentou fervendo
- Amigo, tu num tá vendo
Que ela tá desligada?

Outra vez numa calçada
Seu Lunga escorregou
Caindo ficou sem fala
Um rapaz o ajudou
Pois ficou com pena dele.
- Dê um pouco d’água a ele!
Uma mocinha exclamou.

O velho se levantou
E disse mal humorado,
- Eu caí, não comi doce,
Deixe de papo furado!
Quer curtir a sua mágoa?
Pegue lá seu copo d’água
Leve pro seu namorado!»

Seu Lunga estava sentado
Irado como ele é
Um cabra chegou pra ele
No velho botando fé
Com um tom bem camarada
Lhe perguntou: - Essa estrada,
Ela vai pra Canindé?»

O velho ficou de pé
Irado disse ligeiro:
- Ela nunca se arrancou
Pra sair sem paradeiro
Mas lhe digo, seu peralta,
Se ela for vai fazer falta
Ao povo de Juazeiro

Seu Lunga é bem presepeiro
Bastante mal-humorado
Mas é muito gente boa
Se o tratam bem tratado.
Tem uma vida pacata
Essa é sua história exata
E o cordel tá terminado,
Belém, 02 de maio de 2014
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 06/12/2016
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