José Medeiros de Lacerda

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Textos

CANUDOS RELIGIÃO OU FANATISMO
Tenho escrito muitos versos
Por este chão brasileiro
Sobre lenda, cantadores
Histórias de cangaceiro
Mas neste eu quero mudar
Porque pretendo falar
Sobre Antônio Conselheiro.

Um beato brasileiro
Nascido no Ceará
Tornou-se bem conhecido
Por viver a mendigar
Proferindo seus sermões
Reunindo multidões
Para bons conselhos dar.

Em resumo vou contar
Onde Conselheiro andou
Quem eram os seus parentes
Com quem tanto ele brigou
Mas terminou consagrado
E foi homenageado
Por tudo que praticou.

Houve quem imaginou
Que Conselheiro era ruim
Justificando porque
Ele teve um triste fim
Até debocharam dele
Mas pessoas como ele  
Sempre tem um triste fim.

Lá em Quixeramobim
Antônio Mendes nasceu
Nos sertões do Ceará
O Conselheiro cresceu
Cheio de felicidade
Mas aos seis anos de idade
A sua mãe faleceu.

A familia conheceu
Que ele era decidido
Bom amigo, bom irmão
Ótimo filho e marido
Extremamente educado
Mas quando estava enfezado
Era igual leão ferido.

Era muito conhecido
Pela força e honradez
Apesar dos sofrimentos
Muitas coisas ele fez
Honestamente viveu
E quando seu pai morreu
Ele agiu com altivez.

Assumiu de uma vez
Os negócios sem malícia
Casou-se com uma prima
Logo espalhou-se a notícia
Que o deixou desiludido
Pois ela tinha fugido
Com um soldado da policia.

Logo ele virou noticia
Andando pelo sertão
Vagando pelas cidades
Fazendo sua pregação
E foi se tornando velho
Anunciando o Evangelho
Buscando sua salvação.

Famílias pelo sertão
Seguiram o Conselheiro
Que reformando capelas
Ganhavam algum dinheiro
Para comprar alimentos
Outros tantos provimentos
E não virar bandoleiro.

Com os fiéis, sem paradeiro
Entrava em cada cidade
Mostrando às multidões
Sua popularidade
Arrebanhando seu povo
Do idoso ao mais novo
Guiando-os à verdade

Já vinte anos mais tarde
Sua peregrinação
Rompeu o sertão baiano
Seguindo em oração
Sofrendo toda mazela
Lá ergueram uma capela
Pra cumpri sua missão.

Habitantes do sertão
Seguiam o pregador
Os pobres desesperados
Viam nele um Salvador
Até que numa «corrutela»
Pra aumentar a novela
O desfecho começou.

O vigário não deixou
Ele fazer pregação
E pelas autoridades
Sofrendo perseguição
Começou o seu revés
Fugindo com seus fiéis
Em prol da população.

Soube da perseguição
Dos governos federais
Cobrando altos impostos
E taxas municipais
Por todo chão brasileiro
Enraivou-se o Conselheiro
E queimou os editais.

Um juiz e policiais
Foram logo informados
E pediram um batalhão
Com trinta e cinco soldados
Para enfrentar o revés
Mas Conselheiro e os fiéis
Já estavam preparados.

E o combate foi travado
Na cidade de Tucano
Acabando de uma vez
Com aquele maldito plano
Tendo como resultado
O tenente e os soldados
Terem entrado pelo cano.

Pressentindo um novo plano
Para serem atacados
Conselheiro com os seus
Seguiram preocupados
Levando família e tudo
E nas terras de Canudos
Acamparam bem cansados.

Num terreno abandonado
De um local quase deserto
Construiram suas casas
Ali era ponto certo
Fariam seu paradeiro
Com Antonio Conselheiro
Residindo ali por perto.

Outrora aquele deserto
Foi um grande catingueiro
E apesar de longas secas
Era muito hospitaleiro
Ali naquele horizonte
Nascera o Belo Monte
Cidade de Conselheiro.

Ele organizou primeiro
Cada grupo uma função
Começaram a produzir
Mandioca, milho, feijão
Na pecuária também tinha
Bovino, cabras, galinha,
E porcos na criação.

Vigias de prontidão
Com suas armas de lado
Também na lida diária
Foice, facão e machado
E não havia o descarte
De espingarda e bacamarte
Com tudo bem ajustado.

Também era organizado
O trabalho artesanal
Faziam roupas de couro
Cestas, redes e bornal
Das mulheres esses brilhos
E cuidavam dos seus filhos,
Tudo era natural.

As casas eram de pau
A pique e amontoadas
As ruas eram labirintos
De formas desordenadas
Armadilhas verdadeiras
Para servir de trincheiras
Caso fossem atacadas.

Era comum a chegada
De flagelados romeiros
Criminoso arrependido
Pobres, velhos e romeiros
Prostitutas, lavradores
Pequenos agricultores
Artesãos, até padeiros.

Procuravam Conselheiro
Por comida e por trabalho
Mas Antônio para eles
Era sempre um quebra-galho
Conselheiro os apoiava
E a todos auxiliava
Com pão, comida e agasalho.

Conselheiro com trabalho
Cativava essa gente
Fazendo o mal virar bem
Convertendo ateu descrente
Com meisinha milagrosa
Convertendo alma nervosa
Cuidando corpo doente.

Estava sempre presente
Na capelinha rezando
Cercado dos seus romeiros
A todos aconselhando
Naquela comunidade
Tudo em total liberdade
Quatro anos íam passando.

A religião pregando
Ensinando o bom caminho
Tratava bem seus romeiros
Com zelo, amor e carinho
Sem trapaças, sem engodos
E por isso era que todos
O chamavam de Santinho.

Crescia pelo caminho
A fama do conselheiro
Aumentava as romarias
Vindas do sertão inteiro
Chegavam em profusão
Em busca de proteção
Vindo até do estrangeiro.

O instinto interesseiro
A cobiça e a proteção
Dos que nada produziam
Em prol da população
Vinham também no roteiro,
E por isso o Conselheiro
Se pôs em observação.

Contra aquela situação
A igreja se levanta
E por causa do beato
Que aos romeiros encanta
Vai descaindo em revés
Por perder os seus fiéis
Fugidos pra Terra Santa.

Até o bispo de espanta
E cria uma comissão
Praexaminar o «porquê»
De tamanha devoção
Para acabar os boatos
E esclarecer os fatos
Depois da investigação.

O beato, sem razão,
As suas ordens perdeu
Foi suspenso pelo bispo
O povo se enfureceu
Ficaram enfurecidos
Contra os votos recebidos,
Mas Antônio obedeceu.

As ordens que recebeu
Era que naquele instante
Saísse daquelas terras
Para viver bem distante
Por descalabro tamanho
Estaria sem rebanho
Daquela hora em diante.

Veio um padre doravante
Para aquela região
Substituir Antõnio
Porém a população
Com o bispo revoltada
Enfrentou com mão armada
Foi a maior confusão.

Houve uma revolução
Onde morreu até gente
Defendendo Conselheiro
Num fanatismo doente
Mais e mais se revoltavam
Sem saber que praticavam
Uma luta inconsciente.

Conselheiro persistente
Continuava rezando
Cercado de sertanejos
A todos aconselhando
Contra ação violenta
Nessa batalha sangrenta
Por qual estavam passando.

O tempo foi se passando
Nessa situação tensa
Aumentando as romarias
Engrossando a desavença
Provocando desespero
Enquanto o Conselheiro
Esperava a recompensa.

Voltou com sua sapiência
Em Canudos acolhido
E chegando em Belo Monte
Foi muito bem recebido
Com orações e louvores
Por todos os seguidores
Solenemente aplaudido.

Um carrego adquirido
De madeira em Juazeiro
Para cobrir a igreja
Feita pelo Conselheiro
Foi pago o combinado
Mas depois de acertado
Nem madeira nem dinheiro.

O povo de Juazeiro
Quando soube da notícia
Preparou-se alarmado
Para enfrentar a polícia
Em defesa da cidade
Temendo uma calamidade
Por parte da tal malícia.

Mas não passou de notícia,
Ninguém foi a Juazeiro
O juiz e um tenente
Por um plano traiçoeiro
Saquearam Uauá
Fazendo o povo pensar
Ser obra de Conselheiro.

De todo lado romeiros
Atacaram o batalhão
Armados  de espingarda
Foice, pistola, facão
Rifle, revólver, punhal
Até pedaço de pau
Bacamarte e mosquetão.

No final da confusão
O grupo foi derrotado
João Grande venceu a vários
Ficando muito cansado
Por vencer o inimigo
Dizendo:- Desse perigo
Estamos aliviados.

Pajeú endiabrado
Lutava valentemente
A sua faca afiada
Degolava muita gente
Soldados iam morrendo
No momento mais horrendo
Diziam:- Seja clemente!

Todos os sobreviventes
Pediam logo perdão
Porque foram enganados
Sofrendo forte pressão
Se os outros provocavam
Na luta eles entravam
Não podiam dizer não.

Beatos de prontidão
Começaram a lutar
Com tanta arma no corpo
Alguns mal podiam andar
Foi morto pra todo lado
E em pânico os soldados
Correram pra debandar.

Na cidade de Uauá
Nenhum soldado voltou
Luis Viana  ainda disse:
«Essa guerra não findou
Quem pensar assim que pense,
Ah, malditos canudenses.
Vocês não sabem quem sou!»

Major Febrônio «surtou»
Ensaiando a pontaria
Canhôes e metralhadoras
Até que chegou o dia
De mandioca virar nabo,
A porca torcer o rabo
E ver onde o gato mia.

A volante chegaria
Com seiscentos soldados
Conduzindo boas armas
Munições, homens treinados
Gente daqui e de além
e os canudenses também
Esperavam bem armados.

Tiroteio começado
João Grande se destacou
Tinha a rapidez do raio
Um só tiro não errou
Caia dois de uma vez,
Pelo estrago que fez
Conselheiro o admirou.

Pouco tempo se passou
Em local muito distante
Uns beatos numa estrada
Toparam com a volante
Uns cabras desassombrados
E o combate foi travado
Violento e fulminante.

Com a equipe já arfante
E a matança terminada
Tendo sido perseguidos
Dia e noite pela estrada
Todos com a cara no pó
A equipe do major
Saiu toda derrotada.

Outra tropa avançada
Mas só balas recebiam
Uns agarrados aos outros
Como laranja caiam
Sem saber como, morrendo,
Nada estavam entendendo
Quem atirava não viam.

Nada eles conseguiam
Como loucos atiravam
Por ordens do Coronel
Toda Canudos cercavam
Totalmente alucinados
Porém caiam varados
Todos os que avançavam.

O Coronel presenciava
Toda aquela mortandade
Recuou com sua tropa
Deixando morta a metade
Os vivos já bem cansados
Foram saindo humilhados
Não retornando á cidade

Meses depois, na verdade
Mais ataques receberam
Como das primeiras vezes
Os que avançaram morreram
Os outros vendo a desgraça
Na fome, frio e chalaça
Deixaram a luta e correram.

As romeiras e romeiros
Estavam encurralados
Passando ali vários dias
Numa vala entrincheirados
Como feras acuadas
Sempre muito bem armadas
A espera de soldados.
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 12/07/2015


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