José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

SANTA DICA DE LAGOLÂNDIA - UMA LENDA GOIANA
Meu Brasil cheio de lendas
Sempre a me surpreender
Nos lugares onde eu passo
Sempre há uma a conhecer
E há notícias de outras mais
Dessa vez é de Goiás
A que eu quero descrever.

Não é só de ouvir dizer
Nas paradas pela estrada
A lenda do Boi de Ouro
Também é bem comentada
No Estadão de Goiás
E eu pretendo com outras mais
Um dia deixar registrada.

Mas essa história passada
Que em lenda se transformou
Não é conversa fiada
Nem causo de interior
Contado por brincadeira,
É história verdadeira
Que envolve fé e amor.

Quando tudo começou,
Mil novecentos e três
Dezessete de janeiro
O dia, o ano e o mês,
Nasce uma linda menina
Para cumprir sua sina
Que a natureza lhe fez.

Com sete anos, talvez,
Pouco menos, pouco mais,
A menina esmoreceu
Perdeu seus sinais vitais
O seu corpo enrijeceu
A tez empalideceu
Sem dar de vida sinais.

Pirenópolis, Goiás,
Este fato aconteceu
Na Fazenda Mozondó
Onde a menina nasceu
Onde ocorreu esse fato
E em versos faço o relato
Do jeito como se deu.

Benedita o nome seu
Sobrenome Cipriano
Gomes, apelido Dica
Um nome bem soberano
Que fez história na vida
E é muito conhecida
Naquele sertão goiano.

Voltando ao primeiro plano
A morte da inocente
Ao preparar-lhe a mortalha
Sentiram o corpo tremente
Teso mas suando frio
E em três dias ressurgiu
Viva da morte eminente.

Assim repentinamente
A notícia se espalhou
Como se fosse um milagre
Que ali se realizou
E aquela humilde morada
Antes pouco visitada
Em um caos se transformou.

De todo interior
Fosse em qualquer direção
Apareciam romeiros
Pedindo cura e oração
À criancinha inocente
Que virou pra toda gente
Uma tábua de salvação.

Entre fé e devoção
Feitiço, cura e meisinha
Benedita foi crescendo
Foi se tornando mocinha
E naqueles arredores
Legiões de adoradores
Até de bem longe vinha.

E a romaria advinha
De toda parte do Estado
Até de Minas Gerais
Que era bem aproximado
Em suas terras se instalando
De tanta gente chegando
Já formou-se um povoado.

Por ela era comandado
Toda leva de romeiro
Logo tornou-se uma líder
Pra todo e qualquer «diqueiro»
As regras instituiu
E o primeiro que aboliu
Foi o uso do dinheiro.

Fariseu interesseiro
Atrás de vender santinho
Se fosse praqueles lados
Já voltava do caminho
Pois ela não admitia
Negócio em qualquer quantia
Nas terras do seu domínio.

Recebia com carinho
Todos que ali chegava
Rezava missa inteirinha
Bons conselhos ela dava
Fazia curas milagrosas
Doenças mais perigosas
Com reza ela curava.

Precisando ela operava
Sozinha, sem ajudante
Com a ajuda de Dr. Fritz
Sem ferramenta cortante
Recebia com certeza
O espírito de uma princesa
E também de um comandante.

Uma cristã praticante
Dotada de realeza
A chegada do Messias
Esperava com certeza
Pra trazer com sua crença
Cura pra toda doença
Fim para toda pobreza.

Foi assim que sem surpresa
Ela conseguiu unir
Mais de quinze mil fiéis
Dispostos a lhe seguir
Entre eles, mil e quinhentos
Com fardas e armamentos
Pra sua vida garantir.

Quem se acercasse dali
Seria revistado em tudo
Todo aquele contingente
Virou tema para estudos
Políticos inconformados
Viu naquele aglomerado
Uma Segunda Canudos.

Dica indiferente a tudo
Seguia sua missão
Atraindo mais fiéis
Do Cerrado ao Chapadão
De Mato Grosso e Goiás
Bahia e Minas Gerais
Chegavam em profusão.

Aquela situação
Incomodava a imprensa
Jornais goianos, mineiros
Taxavam de desavença
Contra a religião
Até o clero em questão
Achava aquilo imprudência.

Dica em sua inocência
Continuava a missão
Rio do Peixe em suas terras
Foi chamado Rio Jordão
Seus seguidores com fé
A protegiam de qualquer
Tentativa de prisão.

Polícia na região
Se declarou impotente
O governo do Estado
Mandou logo um contingente
Pra Dica capturar
Aos seus fiéis desarmar
E desmanchar o ambiente.

O clima ali ficou quente
Com aquela situação
O chumbo cortava os ares
Vindo em toda direção
Dica para os amparar
Mandou a todos cruzar
As águas do Rio Jordão.

Com toda essa confusão
Daquele espernegue feio
Apenas três defensores
Morreram no tiroteio
Pois as balas se encontravam
E no impacto faiscavam
Com Santa Dica no meio.

Contam que no tiroteio
As balas se dirigiam
Ao encontro do seu corpo
Batiam nela e caíam
Ela não se defendia
Chumbo que nela batia
No solo se derretiam.

Quanto mais a perseguiam
Mais a luta era em vão
Os fiéis a defendiam
No meio da confusão
Mas não adiantou nada,
Ela foi capturada
E levada pra prisão.

Porém a população
O governo pressionou
Depois de investigações
O justiça não encontrou
Nada que a incriminasse
E terminando o impasse
Santa Dica liberou.

Ainda condecorou
Isso é fato verdadeiro
Com a patente de cabo
Do Exército Brasileiro
Com ela foram fardados
Quatrocentos comandados
Com sentido missioneiro.

Seu povo era muito ordeiro
Mal sabia se expressar
Uma palha em um dos pés
Ela mandou amarrar
Para ensinar a gentalha
Pé com palha, pé sem palha
Para aprenderem a marchar.

Dica resolveu casar
Aos vinte e cinco de idade
Seu marido em Pirenópolis
Foi prefeito da cidade
E cinco filhos depois
Ainda adotou mais dois
Pra sua felicidade.

Com muita capacidade
Seu marido, um jornalista,
E a tropa dos «pés com palha»
Participa e conquista
Com Dica na direção
Da grande Revolução
Constitucionalista.

Jornais e até revista
Chegaram a publicar
Uma cena inusitada
Na Ponte do Jaraguá
A ponte estava minada
E Dica com sua cambada
Teriam que atravessar.

Dica então mandou vendar
Os olhos dos seus soldados
Foi passando um por um
Tomando muito cuidado
Sem uma bomba estourar
Até o último passar
O rio para o outro lado.

E tendo todos passado
Sem uma bomba explodir
Chegaram os inimigos
Começaram a investir
Querendo a ponte cruzar
Dica começou rezar
E viram a ponte ruir.

Muitas conversas ouvi
Sobre Dica e seus diqueiros
Enfrentou Coluna Prestes
Duelou nos tabuleiros
Evitou que eles passassem
Por Goiás e duelassem
No Triângulo Mineiro.

Muito contam seus diqueiros
De tudo que ela fazia
Como andar sobre as águas
Gente que sobrevivia
Depois de já ter morrido
E outros acontecidos
Que à boca rota corria.

Até que chegou o dia
Do seu juízo final
Mil, novecentos setenta
Acometida de um mal
Em Goiânia, bem me lembro
Dia nove de novembro,
Está escrito em edital.

Fizeram seu funeral
Como ela desejou
Nas terras de Lagolândia
Povoado que ela criou
Sob uma gameleira
Aquela santa guerreira
Finalmente repousou.

Esse local se tornou
Um centro de romaria
Uma praça e duas ruas
Onde gente todo dia
Vem rezar agradecida
Por uma graça recebida
E até por idolatria.

Hoje sua moradia
É igreja com altar
Santa Dica é uma imagem
Para todos adorar
Seu túmulo edificado
Num local bem sombreado,
Que a gameleira está lá.

Mandaram edificar
Na praça um monumento
Com a estátua de Dica
Perante um solene evento
Pirenópolis é orgulhosa
De ter uma milagrosa
No seu reconhecimento.

Hoje é grande o movimento
Por aquela região
Lagolândia, Pirenópolis
Mozondó e Rio Jordão
Terra de gente fiel
E em poesia de cordel
Eu fiz minha narração.
Brasília, 17/01/2015
SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 29
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 12/07/2015
Alterado em 20/11/2022


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