José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

A FILHA DO CORONEL E O FERREIRO APAIXONADO
Sou viajante e poeta
Levo a vida a viajar
Colhendo aqui e ali
Estórias pra versejar
E o tema deste poema
Consegui em Capanema
No estado do Pará.

Um moço do Ceará
Essa história me contou
Vivida por ele mesmo
No dia que se apaixonou
Por filha de coronel
A quem ele foi fiel
Agregado morador.

Assim ele me contou:
“Eu era um pobre ferreiro
Trabaiava na fazenda
Do coroné fazendeiro
Pai da menina Lazinha
Por quem vez em quando eu tinha
Os meus oiá de vaqueiro.

Mas para meu desespero
Nem para mim ela oiava
Embora fosse ciente
Que muito dela eu gostava
Mas era de um cabeludo
Um caboco bem taludo
O sujeito que ela amava.

Uma tarde eu estava
Na minha forja lutando
Quando ela se apaixonou
No seu cavalo trotando
Pediu água pra beber
Mas nem se quer quis descer
Ficou na sela esperando.

Bebeu água e foi andando
Sacudindo em sua sela
Saiu sem me agradecer
Também nem oiei pra ela
Só oiei pro seu pezinho
Carçado num tamanquinho
Com a parmia amarela.

Quando era procurada
Nas cartas ela dizia
Na mão ela adivinhava
No cristal ela previa
Mas a pobre malfadada
Era sempre acreditada
Depois que acontecia.

Deu vontade certo dia
Deu ir falar com a cigana
Pra saber desses tormento
Que sempre me desengana
A respeito de Lazinha
Se o seu amor me convinha
Ou se o coração me engana.

Na minha besta ruana
Cheguei eu no seu terreiro
Depois de me apresentar
Que eu era um pobre ferreiro
Que mesmo sendo cascudo
Era bonito e taludo
Embora sem ter dinheiro.

Rafisa, disse o ferreiro,
Era um pouco desgrenhada
Também tinha a latumia
De uma Medusa da estrada
Era bonita e faceira
Descontada a cabeleira
E a saia sarapintada.

Parei na sua calçada
Tirei meu chapéu de couro
Parei um pouco e oiei
Com esse óio de mouro
Disse cheio de divisa:
-Boa tarde, dona Rafisa,
Desculpe meu desaforo.

Tou vindo de Logradouro
Mode umas coisa saber
A muito tempo conheço
A fama de vosmicê
Queria uma explicação
É lance do coração,
Queria  pois me receber.

Primeiro faço saber
Que não gosto de fuxico
Mas o caso e muito sério
Me  deixe entrar que eu explico
Siá Rafisa, ocê me escuta
E se falo não discuta
Pois se eu calo me complico.

Sei que tou pagando mico
Com esse jeitão de matuto
A cigana ficou seria
Com o oiá absoluto
De cima a baixo me oiou
A mão no colo botou
Com aquele ar arguto.

Coçou o seu cocoruto
E na mesa da cozinha
Com seu jeito sensual
Sentou depois da voltinha
Mandou também eu sentar
E com o baralho a cortar
Perguntou sobre Lazinha.

Eu disse: E uma princesinha
Filha do coronel Xisto
Sabe que eu gosto dela
Mas finge que eu não existo
E quanto mais me ignora
Mais meu coração lhe adora,
Por isso que eu não desisto.

Falar com ela eu insisto
Quando ela passa montada
Mas ela não me dá trela
Junto com a molecada
Joga moeda no ar
Pra meninada juntar
No meio da gritaiada.

Vê nessa carta cortada
O que faço pra arrancar
Do meu peito essa urtiga
Dessa paixão me livrar
Pois isso tá me afetando
Meu coração apertando
Num posso nem respirar.

A cigana, sem  falar
As cartas embaralhou
Cortou, separou um monte
Umas na mesa espalhou
Olhou presse capiau
Levantou um dois de paus
E dessa forma falou:

- Como se chama o senhor?
Lhe respondí: - É Amaro
Homi! – Me disse a cigana -
Tá escrito aqui tão claro
Como uma fogueira em  chama,
Essa carta não me engana
E eu num vou nem cobrar claro.

Ela disse: - Seu Amaro,
Precisa o senhor ter calma
A coronelinha vai
Beber água em sua palma
Se é que isso lhe apraz.
Mas não posso dizer mais
Pelo bem da sua alma.

Sai dali com mais calma
Semeado de esperança
Pra minha forja voltei
Terminada minha andança
Me danei a trabalhar
Pacientemente a esperar
Com a cigana na lembrança.

Quinze dias de esperança
Se deu o estardalhaço
A moça veio beber
Na parma desse palhaço
Caminhou mais de três légua
Sangrando quase sem trégua
Pra vir morrer nos meus braços.

No momento do trespasso
Caiu na minha calçada
Pois o cabra cabeludo
Deu-lhe um tiro de emboscada.
Enquanto eu lhe amava
Lazinha se apaixonava  
Por uma pessoa errada.

Parecendo alma penada
Lamentando minha sorte
Eu voltei lá na cigana
Com um pensamento forte
Perguntei se ela sabia
Para me dizer o dia
E a hora da minha morte.

Um sertanejo do norte
Sofrendo desilusão
De ter amado uma moça
Baleada no pulmão
Por um pretendente em mágoa
Morreu bebendo da água
Da parma da minha mao!
           Manaus, 21/05/2012

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 04/07/2014
Alterado em 12/07/2015
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