A ORQUESTRA FLATORMÕNICA DA VILA DE CARITÓ
Escrito por Adriano Medeiros
Ai no sertão uma terra Por nome de Caritó, Terra de mulher direita, Cabra macho de dar dó, Onde fiquei satisfeito Quando vi ter sido eleito O prefeito Pedro Bó. Mode não governar só Mas com a população Fazia toda semana A grande reunião Com gente de cada rua Tanto fosse gente sua Como da oposição. É claro que Pedro não Deixou a zona rural Sem ter seus representantes No forum municipal: Chica do Cuscuz Molhado, Arengueira do Talhado, Fatão do Arranca Pau, Vereador do Curral, Nico da Cobra Ligeira, Gonzaga do Principal, Maria da Trepadeira; O Negão do Pau Graúdo, Rita do Engole Tudo Maria da Cuspideira. Ninguém falava besteira, Somente coisa importante: Se pedia operação E carro pra estudante; Ambulãncia pra doente E muita chapa de dente - O pedido mais constante. Pedro Bó, muito elegante, Nunca negava pedido, Mas também em seus projetos Queria ser atendido: De cima do tamborete Alevantava o cacete E era muito aplaudido. O povo foi convencido A cultivar no quintal Produtos hortigranjeiros; Apoio municipal Pedro garantiu que tinha: Pra criação de galinha, Pra fazer horta e curral. Pedro Bó não se deu mal Em seu empreendimento Pois taxou a produção Em vinte e cinco por cento: O povo tinha fartura, E a sua prefeitura Dobrou o faturamento. Há grande contentamento Entre a população: Caritó enriqueceu, Ganhou fama no sertão. Não há fome na cidade, E mesmo a obesidade Já é preocupação. Quem só comia feijão Com rapadura e farinha Passou a comer saladas, Arroz, carne de galinha... Foi um milagre bonito: Onde só tinha cambito Hoje tem coxa e bundinha. E quando é á tardinha Só se vê gente a malhar: Uma modelando o corpo, Outro a barriga a baixar. Ninguém mais fala de corno Porque chifre é um adorno Pedro Bó manda alistar Quem passa necessidade: Os pobres, os desvalidos; Que vivem da caridade Mas não se acha ninguém Porque todos vivem bem Naquela comunidade. E por unanimidade Pedro Bó foi reeleito Para por mais quatro anos De Caritó ser prefeito: Nas no segundo mandato O sertão, que é ingrato, Quis complicar o sujeito. Uns dizem que foi despeito Duma cidade vizinha: Outros dizem que foi praga De uma tal de Candinha Com raiva de Pedro Bó: Mas infestou Caritó. O piolho de galinha Ainda bem que se tinha Os ovos pra se comer Porque carne de galinha Viu-se desaparecer: Quem fosse atrás de penosa Pegava a peste horrorosa Se coçava pra valer. Chegou-se até morrer Com a Peste da Coceira, E, como se não bastasse Deu na terra uma canseira No tempo do tal piolho Que só nascia repolho Pela cidade inteira. - Leitor, não faça besteira De tal dieta imitar: Comer ovos com repolho Café, almoço e jantar... Pode ser voce quem for, Porém perto do senhor Ninguém vai querer ficar! Eu vi gente desmaiar, Cair no meio da rua: Vi senhora de respeito Correndo de casa nua: Vi muita gente raivosa Contra a tal onda gasosa Que durou mais de uma lua. Quando até cachorro acua Latindo desesperado... Quando caminhões de flores Não trazem mais resultado... Quando explodem bombas químicas De tão sonorosas cinicas... Pedro Bó tá desgraçado O povo desesperado Na quinta reunião. Uma nuvem azulada Subindo da multidão... Pedro Bó pega o cacete, Assobe no tamborete E diz:-"Tenho a solução!" -"A Capital da Nação Tem sua orquestra sinfônica Muitas de nossas vizinhas Tem orquestra filarmônica: Carító, especial Vai ser mais original Com orquestra flatormônica!» Eis que sua filha Mônica Dá um peido em Dó maior: Depois três peidos em Si, Em seguida em Ré menor. Alguém grita;-"Eita Diabo! O sertão tem muito rabo, Mas esse é o melhor!" Eis que o cidadão-mor, O nosso ilustre prefeito Não gostou de ver a filha Ser tratada de tal jeito. Num raivoso cacoete Alevanta seu cacete E diz:-´´Exijo respeito!´´ -"Não vou atrás do sujeito Que soltou essa piada Para não deixar a rua Da cidade ensanquentada... Porém saiba, Caritó: Deu muito trabalho em Dó Deixar uma bunda afinada! Pois ela foi programada Na afinação de Si. O namorado tentou Mas sem nada conseguir: Só quando eu entrei sem dó Foi que este fiofó Veio de Ré, Dó e Mi.`` Viu-se o povo aplaudir: -"Bunda afinada é um luxo! O nosso ilustre prefeito È mago, sábio, é bruxo!'' Então Pedro Bó mandou, E a multidão separou Primeiramente o gorducho: "Quem tiver grande seu bucho Que fique lá sob a trave, Pois sei que todo gorducho Tende a peitar em grave: O excesso de ácido graxo Torna necessário, acho, Que o gordo a bunda lave! A baixotes dou a chave: Fiquem debaixo do prédio! Bem sei que todo baixinho Costuma peidar em médio. E, às exceções devidas, Depois que forem ouvidas A gente acha remédio. E pra acabar o tédio De quem for magro e alto, Cês podem ficar tranquilos, Não precisa sobressalto: Segundo o meu estudo: Vocês peidam em agudo Podem ficar no asfalto!" Com rouca voz de contralto Assim se expressou Mônica: - "Durante a afinação Gritei de ficar afônica, Mas papai foi competente E depois fiquei contente Pela Banda Flatormônica! A bunda, pra ser harmônica, Carece de afinação. O marido incompetente, Ciumento, ou o machão Cioso de seu brioco, Ligue pra mim que em pouco Levarei um maranhão. Papai á disposição Mandou dizer que está, Como também Chico Tromba E Negão do Paraná. Pode ser homem ou mulher, Pois o importante é À nossa banda afinar!" Deram para ensaiar Nessa mesma ocasião E o que era problema Se tornou a solução. Um afinador devido Ao ar bem comprido Dá volume e entonação. Hoje a maior atração De Caritó é a banda Sob a batuta certeira Do grande maestro Danda Primeiro a banda de flatos Foi pra Campina e pra Patos, Hoje pelo mundo anda! Pois o dinheiro é quem manda Ele é quem faz e desfaz! Das velhas dificuldades Ninguém quase lembra mais. Foi-se a Peste do piolho, Porém com ovo e repolho Dieta a tal banda faz. Na Festa de são Tomás Foi com orgulho que vi Balofo peidar de tuba, E de tarol Genessy. Marilta peidar raivosa, Fatão peidar poderosa Peidar pulando o Saci. Vou parando por aqui Que o tempo nunca sobra: Se a gente se distrai A Velha da foice cobra - Leitor, de mim tenha dó: Será que, tal Pedro Bó, Eu fiz uma grande obra? Do poema: A DUPLA FACE DE DEUS De Adriano Medeiros O leitor que por acaso conheça os escritos meus - esses rabiscos raquíticos, uns magros, outros plebeus - sabe: trago sempre viva a idéia obssessiva de ver a face de Deus. Pois bem, no rol dos ateus Não posso ser incluído... Vivo qual cego no mundo A procurá-lo, aturdido: Ou talvez seja um profeta Deus seria a linha reta, Caminho fácil, perdido. Estará Deus escondido No fogo, raio ou trovão? Será Deus talvez um bicho, Águia, serpente ou leão? Ou será que nós engana Assim com a face humana Como a nossa, caro irmão Falam dele no Corão, Na Bíblia e na Cabala. Vaca dizem ser na Índia, Imagem posta na sala; Na Grécia, forças irmãs Travaram guerra, Titãs: Seu poder a terra abala. Há quem o defende à bala Ou com Santa Inquisição; Há quem planeje atentados Que botam torres no chão; E há quem use a guilhotina Para negar sua sina, Mandam Deus pro paredão. Série Parceria - Vol. VIII
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 12/02/2012
Alterado em 04/07/2014 Copyright © 2012. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |