José Medeiros de Lacerda

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Textos

O GALEGUIM DOS ZÓI AZUL





Quando a esmola é de mais
Qualquer santo desconfia
Esse é um provérbio antigo
Mas muito usado hoje em dia
Há quem goste de ajudar
Somete para tirar
Da ajuda serventia.

Viajando pela Bahia
Aproveitei o ensejo
Para versar uma estória
Que contou-me um sertanejo
E eu achei interessante;
Sendo ele um viajante
Não sei se ainda o vejo.

Nessa história eu desejo
Usar linguagem padrão
Do jeito que ele contou-me
E lhe contou  um  ancião
Lhe contando seu dilema
Pois ainda há muito problema
Como este no sertão.


“Se assente, aí meu patrão,
Nesse banco de madeira
Que foi eu mesmo que fiz
De um  toro de  aroeira,
Que eu vou lhe dizer tudim,
Contar tintim por tintim,
Dessa história verdadeira.

Mas num vá pensar besteira
Disso que eu vou lhe contar.
Tudo começou quando eu
Inventei de me casar
Com Joana, fulô da serra,
Caboca da minha terra
Fia do mesmo lugar.

Num gosto nem de  alembrá:
Oiei pra Joana em janeiro
Se danemo a namorá
Inoivei in fevereiro
E com nove mês passado
Nós dois já tava casado
No mei de um grande festeiro.

Dispois do panavueiro
Cheguemo na nossa herdade
Era um ranchim rodeado
Com enfeitinho  de grade
Sala, cozinha, biqueira,
E por trás a capoeira
Pras nossa necessidade.


O dono da propriedade
Foi levar nós dois de carro
Nossa casa mobiada
Era um ranchim no píçarro
Uma casinha caiada
Branquinha que nem coaiada
Feita em aguidá de barro.

Também descendo o piçarro
Guardo sempre na lembrança
Um riachinho onde eu via
As traíra fazer dança
E os piau subir em ruma
Pra vim brincar nas escuma
Pru riba da água mansa.

Ali nós tinha sustança
No roçado o ano inteiro
E no  oitão da morada
Tinha um grande jasmineiro
Onde a ventania mansa
Gemia que nem criança
Quando ainda tá nos cueiro.

Havia um grande umbuzeiro
E outras árves frondosa
Onde a tarde os sanhassú
E as juriti medrosa
Vinha procurar repouso
E beber prefume cheiroso
Na boca aberta das rosa.


Numa bica caudalosa
A muié, toda sumana,
Tomava banho despida
Detrás duns pé de banana
E eu vigiava de lado
Pra ninguém butar oiado
Nos pissuído de Joana.

Minha esposa era bacana
Eu era feliz com ela
Tinha a pele moreninha
Que nem rapa de canela
Eu ía pra casa cedo
Contava as hora nos dedo
Pra me esfregar perto dela.

E de noite eu mais ela
Em nossa casa modesta
Contemplava os pirilampo
Clareando a fuloresta
E eu com Joana a tiracó
Nós dois paricia um só
Assistindo aquela festa.

Pra nós num tinha mulesta
Mandinga ou trapaiada
Vivia que nem dois lírio
Juntos na mesma gaiada
Duas fulô de bonina
Sorvendo a mesma librina
Da fuloresta orvaiada.

Porém num demorou nada
Como era de se esperar
Os dias foram passando
Joana danou-se a engordar
Juro que quase morrí
Na hora que descobrí
Que a famía ia aumentar.

Haja a muié a engordar
Mas sem nenhuma mazela
Até que enfim deu a luz
A duas criança bela
Era duas porda geme
Duas lazarina feme
Paidégua como a mãe delas.

As duas, cor de canela
Eu fiquei de alma louca
Sorri que meu coração
Quase que sai pela boca
Sentí a obrigação
De criar com inducação
Junto com minha caboca.

Mesmo com as condição pouca
Chamei os povo de fé
E a vizinhança chegava
Uns de jegue, outros a pé
Foi festança de arrombar,
Todos querendo provar
Do cachimbo da muié.

Como católico de fé
A religião me invade
E pra batizar as duas
Tomei logo por compadre
O fazendeiro João Danta
E a muié, Dona Santa
Móde ser minha comadre.

De Frei Martim veio o padre
Móde fazer a unção
E dispois do batizado
Vortei pro meu barracão
Pra viver como vivia
Até que um  certo dia
Fui pego de supetão.

Pra minha satisfação
Vi parar um carro fó
Dele saiu o cumpade
Com um galego a tiracó
Que de longe me cubava
No carro que incendiava
Como os ispeio do Sol.

Cumpade, cheio de suor,
Veio me apresentar:
“Esse é meu filho Romeu
Que chegou da capitá
Ficou rico lá pro fora
E vortou pro sertão agora
Móde vim me visitar.”

Vi Joana sair de lá
Pela porta da cozinha
Oiou pro moço e sorriu
Palpitosa, assustadinha
Vortou dispois pra buscar
Pru cumpade abençoá
Nossas duas menininha.

O galego da murrinha
Começou me catruzar
Num sei com que interesse
Danou-se a me atazanar
Mode eu fechar a cabana
E ir com as menina e Joana
Mais ele pra capitá.

Dizia: “Tu vai mudar,
Ter uma vida promissora
As fia vão estudar
A muié vai ser dotora
Né mió que vosmicê
Viver nesse massapê
Se acabando na lavoura?”

A promessa tentadora
Ele insistia a miúde
Pra que eu me arresorvesse
Eu resisti como pude
Mas o diabo da muié
Dizia: “Voce não quer
Que um filho de Deus lhe ajude?”

Com aquela sua atitude
Eu terminei por ceder
Da banda de Seu Romeu
Larguei tudo e fui viver
E Seu Romeu não mentiu,
Até aqui já cumpriu
O que veio a prometer.

Vi as minina crescer
Alegre e bem inducada
Passou a ser meu padrim
Me deu casa mubiada
Com guarda-roupa, vitrola,
Botou Joana na escola
E deu-lhe um tá de mesada.

Tá sempre em minha morada
Leva Joana a passear
Eu só num posso ir com eles
Pruque vivo a trabaiá
Cuidando das coisa dele
E quando ela sai com ele
É hora de eu me deitar.

De vez em quando ele dar
Presente bem valioso
É batom, ruge, prefume
Que eu nunca vi mais cheiroso
E eu fico em meio termo
Dizendo assim pra mim mermo:
- Mas que patrão caridoso!


E pra num ser presunçoso
Faço saber a meu povo
Que agora, com mais cuidado,
Joana já pariu de novo
Um bruguelim asto dia,
Tão branco que parecia
Fiote de urubu novo.

Mas como tudo eu resolvo
Lhe perguntei, - oh meu bem,
Que menino branco é esse?
Ela disse, - O que é que tem?
Num sabe que ele puxou
A um dos meus tataravô
Que era galego também?

Eu lhe disse, - tudo bem,
Mas acho uma coisa feia
Nem se parece o caboco
Do sangue das minhas veia
As buchecha chega desce
Tão rosada que parece
Duas tomate vermeia!

Com a mosca detrás da ureira
Eu resolvi me calar
Pois sempre confiei nela
Agora num vou mudar;
O bruguelim é meu fio
Se Joana diche, eu confio,
Não vou desacreditar.


Sei que ele vai bronzear
E nossa cor se irmana
Hoje tem pelo amarelo
Da cabeça pra pestana
Com eu num tá parecendo,
Mas é mermo que tá vendo
O tataravô de Joana.

A minha esposa é bacana
Juro pela honra dela
Mas vou pegar as criança
E vortá junto com ela
Pra nossa serra modesta
Pois o calor da mulesta
Num deixa a pele amarela.

Meu lugar é perto dela
No canto que nós nasceu,
Pra padrinho do galego
Joana tomou Romeu!
Vou pro sítio novamente,
Antes que nasça mais gente
Que num pareça cum eu!”

          

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 11/02/2012
Alterado em 04/07/2014
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