O GALEGUIM DOS ZÓI AZUL
Quando a esmola é de mais Qualquer santo desconfia Esse é um provérbio antigo Mas muito usado hoje em dia Há quem goste de ajudar Somete para tirar Da ajuda serventia. Viajando pela Bahia Aproveitei o ensejo Para versar uma estória Que contou-me um sertanejo E eu achei interessante; Sendo ele um viajante Não sei se ainda o vejo. Nessa história eu desejo Usar linguagem padrão Do jeito que ele contou-me E lhe contou um ancião Lhe contando seu dilema Pois ainda há muito problema Como este no sertão. “Se assente, aí meu patrão, Nesse banco de madeira Que foi eu mesmo que fiz De um toro de aroeira, Que eu vou lhe dizer tudim, Contar tintim por tintim, Dessa história verdadeira. Mas num vá pensar besteira Disso que eu vou lhe contar. Tudo começou quando eu Inventei de me casar Com Joana, fulô da serra, Caboca da minha terra Fia do mesmo lugar. Num gosto nem de alembrá: Oiei pra Joana em janeiro Se danemo a namorá Inoivei in fevereiro E com nove mês passado Nós dois já tava casado No mei de um grande festeiro. Dispois do panavueiro Cheguemo na nossa herdade Era um ranchim rodeado Com enfeitinho de grade Sala, cozinha, biqueira, E por trás a capoeira Pras nossa necessidade. O dono da propriedade Foi levar nós dois de carro Nossa casa mobiada Era um ranchim no píçarro Uma casinha caiada Branquinha que nem coaiada Feita em aguidá de barro. Também descendo o piçarro Guardo sempre na lembrança Um riachinho onde eu via As traíra fazer dança E os piau subir em ruma Pra vim brincar nas escuma Pru riba da água mansa. Ali nós tinha sustança No roçado o ano inteiro E no oitão da morada Tinha um grande jasmineiro Onde a ventania mansa Gemia que nem criança Quando ainda tá nos cueiro. Havia um grande umbuzeiro E outras árves frondosa Onde a tarde os sanhassú E as juriti medrosa Vinha procurar repouso E beber prefume cheiroso Na boca aberta das rosa. Numa bica caudalosa A muié, toda sumana, Tomava banho despida Detrás duns pé de banana E eu vigiava de lado Pra ninguém butar oiado Nos pissuído de Joana. Minha esposa era bacana Eu era feliz com ela Tinha a pele moreninha Que nem rapa de canela Eu ía pra casa cedo Contava as hora nos dedo Pra me esfregar perto dela. E de noite eu mais ela Em nossa casa modesta Contemplava os pirilampo Clareando a fuloresta E eu com Joana a tiracó Nós dois paricia um só Assistindo aquela festa. Pra nós num tinha mulesta Mandinga ou trapaiada Vivia que nem dois lírio Juntos na mesma gaiada Duas fulô de bonina Sorvendo a mesma librina Da fuloresta orvaiada. Porém num demorou nada Como era de se esperar Os dias foram passando Joana danou-se a engordar Juro que quase morrí Na hora que descobrí Que a famía ia aumentar. Haja a muié a engordar Mas sem nenhuma mazela Até que enfim deu a luz A duas criança bela Era duas porda geme Duas lazarina feme Paidégua como a mãe delas. As duas, cor de canela Eu fiquei de alma louca Sorri que meu coração Quase que sai pela boca Sentí a obrigação De criar com inducação Junto com minha caboca. Mesmo com as condição pouca Chamei os povo de fé E a vizinhança chegava Uns de jegue, outros a pé Foi festança de arrombar, Todos querendo provar Do cachimbo da muié. Como católico de fé A religião me invade E pra batizar as duas Tomei logo por compadre O fazendeiro João Danta E a muié, Dona Santa Móde ser minha comadre. De Frei Martim veio o padre Móde fazer a unção E dispois do batizado Vortei pro meu barracão Pra viver como vivia Até que um certo dia Fui pego de supetão. Pra minha satisfação Vi parar um carro fó Dele saiu o cumpade Com um galego a tiracó Que de longe me cubava No carro que incendiava Como os ispeio do Sol. Cumpade, cheio de suor, Veio me apresentar: “Esse é meu filho Romeu Que chegou da capitá Ficou rico lá pro fora E vortou pro sertão agora Móde vim me visitar.” Vi Joana sair de lá Pela porta da cozinha Oiou pro moço e sorriu Palpitosa, assustadinha Vortou dispois pra buscar Pru cumpade abençoá Nossas duas menininha. O galego da murrinha Começou me catruzar Num sei com que interesse Danou-se a me atazanar Mode eu fechar a cabana E ir com as menina e Joana Mais ele pra capitá. Dizia: “Tu vai mudar, Ter uma vida promissora As fia vão estudar A muié vai ser dotora Né mió que vosmicê Viver nesse massapê Se acabando na lavoura?” A promessa tentadora Ele insistia a miúde Pra que eu me arresorvesse Eu resisti como pude Mas o diabo da muié Dizia: “Voce não quer Que um filho de Deus lhe ajude?” Com aquela sua atitude Eu terminei por ceder Da banda de Seu Romeu Larguei tudo e fui viver E Seu Romeu não mentiu, Até aqui já cumpriu O que veio a prometer. Vi as minina crescer Alegre e bem inducada Passou a ser meu padrim Me deu casa mubiada Com guarda-roupa, vitrola, Botou Joana na escola E deu-lhe um tá de mesada. Tá sempre em minha morada Leva Joana a passear Eu só num posso ir com eles Pruque vivo a trabaiá Cuidando das coisa dele E quando ela sai com ele É hora de eu me deitar. De vez em quando ele dar Presente bem valioso É batom, ruge, prefume Que eu nunca vi mais cheiroso E eu fico em meio termo Dizendo assim pra mim mermo: - Mas que patrão caridoso! E pra num ser presunçoso Faço saber a meu povo Que agora, com mais cuidado, Joana já pariu de novo Um bruguelim asto dia, Tão branco que parecia Fiote de urubu novo. Mas como tudo eu resolvo Lhe perguntei, - oh meu bem, Que menino branco é esse? Ela disse, - O que é que tem? Num sabe que ele puxou A um dos meus tataravô Que era galego também? Eu lhe disse, - tudo bem, Mas acho uma coisa feia Nem se parece o caboco Do sangue das minhas veia As buchecha chega desce Tão rosada que parece Duas tomate vermeia! Com a mosca detrás da ureira Eu resolvi me calar Pois sempre confiei nela Agora num vou mudar; O bruguelim é meu fio Se Joana diche, eu confio, Não vou desacreditar. Sei que ele vai bronzear E nossa cor se irmana Hoje tem pelo amarelo Da cabeça pra pestana Com eu num tá parecendo, Mas é mermo que tá vendo O tataravô de Joana. A minha esposa é bacana Juro pela honra dela Mas vou pegar as criança E vortá junto com ela Pra nossa serra modesta Pois o calor da mulesta Num deixa a pele amarela. Meu lugar é perto dela No canto que nós nasceu, Pra padrinho do galego Joana tomou Romeu! Vou pro sítio novamente, Antes que nasça mais gente Que num pareça cum eu!”
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 11/02/2012
Alterado em 04/07/2014 Copyright © 2012. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |