José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

A FESTA NO CEMITÉRIO
Trecho do Cordel:

Eu conheço um pá de gente
Que não leva muito a sério
Essa história de fantasma:
Porém mudando o critério
Tem um outro medroso
Que fica logo nervoso
Quando o assunto é cemitério.

Nonato de Antõe Lotero
Nunca foi de trabalhar
Reuniu uns camaradas
Para um conjunto formar
Pensando em ganhar dinheiro
E em tudo que era terreiro
Se danaram a tocar.

Em seu Zeca de Sinhá
Fizeram um grande piseiro
E desse dia pra cá
Dizia o sertão inteiro
Em tudo quanto é lugar
Que tocador pra tocar
É Nonato sanfoneiro

Já tá com quatro Janeiro
Que o homem se afamou
E de mil em mil reais
Até carro já comprou
Mas na semana passada
Nonato pegou a estrada
E até hoje não voltou.

Ontem ele me ligou
Tentando se explicar
E falou no telefone
Que ele não é de faltar
Mas já faltou umas três festas
E a causa da falta é esta
Que eu agora vou contar.

Ele disse que no bar
De seu Joaquim da Angola
Quando um dia foi tocar
Depois de um jogo de bola
A turma toda animada
Quando surgindo do nada
Lhe apareceu um gabola.

«Esse sujeito pachola
Se dizendo muito rico
Chegou com umas conversas
Disse que ouviu uns fuxico
Que eu era muito afamado
E que tava contratado
Pra tocar em Seu Mundico.

Que Maria de  Davico
Já me contratou também
Ele havia dito que
Me queira muito bem
Que em matéria de conjunto
Por aqui melhor não tem.

-E como no mês que vem
Tem festa no meu povoado
É uma tradição que tem
Toda vespera de finados
Por isso que eu vim de lá
Já pode se preparar
Que o senhor tá contratado.

Eu fiquei contrariado
Em despachar o rapaz
Mas na véspera de finados
Eu lhe disse não dá mais,
Porque tou apalavrado
Por mil reais contratado
Para tocar em Tomáz.

Sem quere prolongar mais
E na conversa por fim
O sujeito aborrecido
Falou pra eu mesmo assim:
-Já lhe disse que sou rico!
Seus mil reais eu triplico
E você toca é pra mim.

Foi me dando um farnizim
E eu respondi,sim senhor
Até que enfim aparece
Alguém que me dê valor!
Tomaz fica chateado
Por eu quebrar o tratado
Mas por essa grana eu vou

O trato ali se acertou
Foi cada um pro seu lado
Os dias foram passando,
Chega o dia de finados
Vi o sujeito chegar
Dizendo vim lhe buscar
Para o show já combinado.

Eu já tinha até comprado
Uma caravam lilás
Pra conduzir o conjunto
Por aqueles carrascais
Com minha turma contente
O moço seguiu na frente
E eu sai atrás.

Fomos seguindo o rapaz
Nosso grupo sempre esperto
A estrada na verdade
Era um caminho deserto
Sem casa, moradia
Uma pessoa não se via
Residindo ali por perto.

O Zabumbeiro Norberto
Tinha o dom de ver visão
E dizia que era certo
Que passou um caminhão
Carregado de pessoa
Com vela, terço e coroa
Com jeito de procissão.

Mas ninguém deu atenção
À conversa do baixinho
Pra completar a história
Mais adiante no caminho
A gasolina acabou,
Mas o ponteiro marcou
Que o tanque se encheu sozinho.

Disse Norberto, o baixinho:
- Tou dizendo que é cilada!
Tanque que enche sozinho,
Nenhuma casa na estrada,
Pode escrever no caderno,
Vamos chegar no inferno
E não vai demorar nada!

Mais dez minutos de estrada
Avistemos o povoado
Muita casinha decente
Um terreirão aguado
Uma latada bem feitinha
Dez mulheres na cozinha
Já preparando os assados.


Congeladores lotados
De cerveja bem gelada
Os quartos de boi tratados
Pro churrasco da moçada
E num canto do terreiro
Se aprontando pro piseiro
Muita mulher afamada.

Pra melhorar a toada
O cabra do combinado
Deu metade do dinheiro
E eu fiquei mais animado
Daí não demorou muito
E os cabras do meu conjunto
Tava tudo preparado.

O forró comeu tampado
Começou a juntar gente
E o salão ficou lotado
Isso assim bem de repente,
Nas entradas do baião
Rebolando no salão
Só mulherzona decente.

Caminhão cheio de gente
Não parava de chegar
Muita cerveja e cachaça
Sem ninguém se embebedar
E em toda essa multidão
Não se via uma confusão,
O que era de admirar.

Eu comecei a tocar
Um baião apaixonado
E as damas do salão
Me botaram mau olhado
Para dar uma fugidinha
Eu dei uma paradinha
Fingí que estava cansado.

Com uma mulher de lado
Eu entrei no matagal
A noite virou um dia
O fuzuê foi geral
Me esqueci até da festa
E no meio da floresta
Fiz uma festa sexual.

Com instinto de animal
Joguei meu chapéu no chão
E a mulher fumaçando
No incêndio da paixão
Gritar meu nome eu ouvi
Na pressa até esqueci
Meu chapéu de Lampião.

Rolou de novo o baião
O povo pegou dançar
Poeira cobriu o chão
Até o dia raiar
Eram quase cinco horas
Todo mundo foi embora
E ficou só o lugar.

O moço veio pagar
Todinho em notas de cem
Agradecí prazenteiro
O contrato pago bem
Entrei no carro de novo
Saí dali com meu povo
E os instrumentos também.

Triangueiro Zé de Nenem
Começou soltar uns ventos
Disse que não tava bem
Pois comeu feito um jumento
Sugeriu que eu lhe pagasse
E numa farmácia parasse
Pra comprar medicamento.

Parei o carro um momento
No bolso metí a mão
Fiquei todo arrepiado
Com uma estranha sensação
Senti falta do dinheiro
E falei pros companheiros:
- A grana num tá aqui não!

Fomos prestar atenção
Naquele momento exato:
Caímos numa cilada
E constatamos no ato
Que o dinheiro arrecadado
Tinha sido transformado
Em folha seca do mato.

Voltemos de imediato
Atrás do cabra safado
Pois sabia que ele tinha
Ficado no povoado
Mas ao chegar no lugar
Sabe o que é que tinha lá?
Um cemitério encantado!

O lugar tinha virado
Um escuro cemiterão
Perdido no meio do mato
Sem cerca, muro e portão
Vendo que não tinha jeito
Eu pensei logo: - Bem feito,
Foi a minha ambição!

Ganância é uma ilusão
Que a honestidade reprova
Pela ambição fui traído
E pra completar a sova
Que tomei como lição,
Meu chapéu de Lampião
Tava em cima de uma cova.

Em mim ainda se renova
De vez em quando me assunta
Viro, remexo e não acho
A resposta da pergunta
Que trago no coração:
Toquei pras assombração
E transei com uma defunta?

Os outros tavam sem junta,
Sem nervo,sem reação
Olhando praquelas covas
resto de velas no chão
todo mundo se assombrou
e acabou-se até a dor
de barriga do peidão!

pra aumentar a confusão
e piora nossa sina
por causa da assombração
acabouse-a gasolina
no meio da imensidão
Como sendo uma lição
Que  a vivência  nos ensina.

Se houviu uma risada fina
De viver perdi a fé
Bem longe escutei o canto
De um galo garnizé
Fazendo o maoir  esparro.
Bandonemos o carro
Voltemos a pé.
FOi então que eu dei fé
O que é que a ganância faz
E pensei assim: Pis é,
Eu não toquei pra Tomáz
Dei uma de aventureiro
Pensando em ganhar dinheiro
E perdi meus mil reais!

Não quero me lembrar mais
Pois isso não me convém
Depois tem outro dilema:
Como explicar pra alguém
Que toquei com meu conjunto
Toda a noite pros defuntos
Sem ganhar nenhum vintém?

Só toco agora pra quem
Me provar que não morreu
O padre me garantindo
Que o cabra num é ateu
E gritar de comoção
Quando eu der-lhe um beliscão,
Só assim me convenceu.

Se o padre não benzeu
O contrato não se faz
Mesmo morto de vergonha
Peço desculpa a Tomáz
Porque o assunto é sério,
E perto de cemitério
Não vou tocar nunca mais!»



Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 11/02/2012
Alterado em 29/07/2014
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