A CUECA DO MATUTO
Quando ainda era menino
Eu era mei bunda mole Engoli muita desfeita Dessas que ninguém engole E já um cabra taludo Mesmo disposto pra tudo Era frouxo que nem fole. Lá no sítio Bole-Bole Município de Sapé No meio da meninada Eu parecia um “mané” Não tinha desenvoltura E entre outras desventuras Tinha medo de mulher. Não ía em arrasta-pé Nem na minha mocidade Era muito retraído E, pra falar a verdade, Eu já ficando careca Nunca usei uma cueca Nem quando ía na cidade. Mas, chegando a puberdade A tendência é transformar Eu fui me desinibindo Comecei a namorar E na primeira namorada Me acostumei na toada Deu vontade de casar. Vi que tinha que mudar Deixar de ser manezão Comprei logo seis cuecas Do tipo samba-canção, É que às vez o namorado Costuma ficar armado E cueca dá proteção Eu fui véspera de São João Pra casa da namorada Mas no meio do caminho Precisei fazer parada Pra “passar um telegrama” E me soquei numa rama Que havia na beira da estrada. Sem experiência de nada Nunca “essa coisa” vesti Tirei para não sujá-la O “serviço” concluí Me sentindo aliviado, Saí dali animado Da cueca me esqueci. No meu jumento sai Na pressa ate galopei Quando de pano rasgado Um ruído eu escutei Pensei “Oh cueca falsa! “ Mas deixa que foi a calça Que descoseu palmo e mei. Pensei, mas não me importei, Chamei o jegue na espora Sentindo um vento gelado No traseiro e fui-me embora Sozinho pela estrada, Na casa da namorada, Cheguei num quarto de hora. Ela já tava la fora Com a mãe me esperando Abraçou-me e convidou Pra entrar, eu fui entrando, Por está muito cansado Tinha um tamborete ao lado E eu fui logo me sentando. Vi a mulher apontando E conversando sozinha Depois ficou coxixando Com minha namoradinha... E que onde eu fui me sentar Era usado pra matar Pelar e tratar galinha. Nesse tamborete tinha Um buraco arredondado Minha calça descozida Mas sem ninguém ter notado Porem foi eu me sentar Pros pissuidos passar No buraco do danado Eu ali, bem assentado, Sem ter notado essa asneira E nele tinham tratado Um galo a manhã inteira Disse a mulher, num entalo: La esta o papo do galo Pendurado na cadeira! E dizia em converseira A filha: - Vá conversar Com o rapaz ali sentado Pra ele não desconfiar Que eu vou aqui por detrás Com um pano embebido em gas O tamborete limpar. E haja a moça a conversar Com uns papos que até gostei Era umas conversa bonita, Umas prosa, uns arrodei, Dai eu senti, patrão, La em baixo um repuxão Que eu fui na lua e votei Naquela hora eu pensei Só em coisa que não presta Vendo a coisa ficar preta E a velha com a mulesta Meus pissuido puxando A moça ali conversando E eu só franzindo a testa. Pensei logo - Só me resta Escapar dessa mutreta Deu vontade de gritar De chorar me deu veneta Enquanto em fuga eu pensava Mais a velhota puxava Mais eu fazia careta! A velha entrou numa saleta Voltou trazendo uma faquinha Começou a amassar Dar uma esfregadinha Dizendo: isso eu nunca vi, Porque o que tem aqui São dois ovim de rolinha! Dando outra amassadinha Começou dizer de novo: Foi essa a primeira vez Que eu vi galo comer ovo! Pra ninguém me desmentir Eu vou cortar isso aqui Pra poder mostrar pro povo! Deu um repuxão de novo Mode cortar com a peixeira Naquilo eu criei coragem Dei um pulo da cadeira Dei na frente outro pinote Pulei pro riba dum pote Sai em toda carreira! Ta beba, veia treteira! - Sai comigo dizendo - Ia cortar o meu saco... Escapei dessa fedendo! Aprumei na capoeira Desimbestei na carreira, Passei três dias correndo. A velha compreendendo Riu-se de não parar mais Eu vou lembrar para sempre Dessa velha satanás. E também vou me lembrar: Sempre que eu for me sentar Passo logo a mão atrás! Ontem sonhei contigo novamente Nem se quer consigo recordar Deve ter sido um sonho tão ardente Que eu queria tanto me lembrar... Não consigo ver tudo o que sonhei Mas consegui ver seu rosto direitinho Só me lembro que em teus braços me joguei Que você me ofereceu muito carinho Assim que eu lembrar-me deste sonho Você será a primeira a saber Se você aceitar o que te proponho Prometo sonhar sempre com você Já se aproxima o anoitecer Espero ter outro sonho tão ardente Amanha conto tudo pra você Se eu sonhar contigo novamente Na região amazônica, na floresta tropical, acontece cada coisa que surpreende o mortal: foi lá que vi, certo dia, um debate sem igual. Quem pensa que o animal é privado de linguagem e só sabe se expressar por seu grunhido selvagem, vai pensar que tô mentindo ou contando pabulagem. Sou poeta de coragem e amo o chão brasileiro, me meto em qualquer paragem com meu verso verdadeiro - quem me guiou na viagem foi um índio feiticeiro. Me disse o pajé matreiro coisas de que duvidei, falou que bicho falava e eu não acreditei: - "Pois então venha comigo, eu mesmo lhe mostrarei" Pois o pajé era rei de uma tribo da floresta que com plantas se alimenta e com os bichos vive em festa, coisas que fazem pensar que a vida ainda presta. Uma apreensão funesta logo então me dominou na hora que eu tomei o chá que o pajé mandou, pois ele virara peixe depois que àquilo entornou. E tudo se transformou depois que provei do chá, mergulhei no Rio Negro, era peixe, um Acará, e descambei rio acima a floresta a espiar. Eu vi bicho conversar e planta fazer agouro, descobri todo o segredo de transformar terra em ouro e que a água do planeta é nosso maior tesouro. Mestre compadre besouro, um tal Cavalo do Cão, foi quem veio avisar que ia haver eleição, e um debate àquela noite era a maior atração. Ouvi que a grande nação lá da floresta encantada com relação à dos homens é bem civilizada, e a bichocracia ali há tempos foi implantada. Comemos da farinhada que nos mandou urubu, tomamos boa cachaça com cobra surucucu, ouvimos a serenata do maestro cururu. Disse o sapo: - "Eu sei que tu fazes verso de improviso, porém se fores contar como é nosso paraíso, alguém decerto achará que tu perdesse o juízo!" - "Mestre Sapo, se preciso eu trago aqui pra provar! Uma festa igual a esta não tem em outro lugar... - Me dê mais uma formiga, Compadre Tamanduá!" O sapo barbado está por ser um sapo ancião, e era um dos candidatos disputando a eleição, pondo-nos a explicar sua estratégia de ação: - "O professor é ladrão, o tal pássaro tucano, e eu vou mostrar à nação qual é o seu real plano: ele quer é nos vender baratinho a americano! Nosso solo é soberano, aqui quem manda é a gente! Eu vivo n'água e na terra, por isso sou mais consciente do que quem vive no ar e cisma em ser presidente..." Uma planta inteligente fez um aparte legal: - "Mas o professor tucano tem o voto vegetal: se derrubarem a floresta, rio seca, maioral!" Chegara a hora afinal do início do debate, tucano empaletozado foi pegando o arremate: - "Que sejamos pragmáticos, sonhar é coisa pra vate! Eu vou te dar xeque-mate agora e da próxima vez, mas saiba ser elegante, sapo perdedor freguês: não queira mudar o jogo logo no seguinte mês..." **********************************
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 11/02/2012
Alterado em 29/07/2014 Copyright © 2012. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |