José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

A CUECA DO MATUTO
Quando ainda era menino
Eu era mei bunda mole
Engoli muita desfeita
Dessas que ninguém engole
E já um cabra taludo
Mesmo disposto pra tudo
Era frouxo que nem fole.

Lá no sítio Bole-Bole
Município de Sapé
No meio da meninada
Eu parecia um “mané”
Não tinha desenvoltura
E entre outras desventuras
Tinha medo de mulher.

Não ía em arrasta-pé
Nem na minha mocidade
Era muito retraído
E, pra falar a verdade,
Eu já ficando careca
Nunca usei uma cueca
Nem quando ía na cidade.

Mas, chegando a puberdade
A tendência é transformar
Eu fui me desinibindo
Comecei a namorar
E na primeira namorada
Me  acostumei na toada
Deu vontade de casar.

Vi que tinha que mudar
Deixar de ser manezão
Comprei logo seis cuecas
Do tipo samba-canção,
É que às vez o namorado
Costuma ficar armado
E cueca dá proteção

Eu fui véspera de São João
Pra casa da namorada
Mas no meio do caminho
Precisei fazer parada
Pra “passar um telegrama”
E me soquei numa rama
Que havia na beira da estrada.

Sem experiência de nada
Nunca “essa coisa” vesti
Tirei para não sujá-la
O “serviço” concluí
Me sentindo aliviado,
Saí dali animado
Da cueca me esqueci.

No meu jumento sai
Na pressa ate galopei
Quando de  pano  rasgado
Um ruído eu escutei
Pensei “Oh cueca falsa! “
Mas deixa que foi a calça
Que descoseu palmo e mei.

Pensei, mas não me importei,
Chamei o jegue na espora
Sentindo um vento gelado
No traseiro e fui-me embora
Sozinho pela estrada,
Na casa da namorada,
Cheguei num quarto de hora.

Ela já tava la fora
Com a mãe me esperando
Abraçou-me e convidou
Pra entrar, eu fui entrando,
Por está muito cansado
Tinha um tamborete ao lado
E eu fui logo me sentando.

Vi a mulher apontando
E conversando sozinha
Depois ficou coxixando
Com minha namoradinha...
E que onde eu fui me sentar
Era usado pra matar
Pelar e tratar galinha.

Nesse tamborete tinha
Um buraco arredondado
Minha calça descozida
Mas sem ninguém  ter notado
Porem foi eu me sentar
Pros pissuidos passar
No buraco do danado

Eu ali, bem assentado,
Sem ter notado essa asneira
E nele tinham tratado
Um galo a manhã inteira
Disse a mulher, num entalo:
La esta o papo do galo
Pendurado na cadeira!

E dizia em converseira
A filha: - Vá conversar
Com o rapaz ali sentado
Pra ele não desconfiar
Que eu vou aqui por detrás
Com  um pano embebido em gas
O tamborete limpar.

E haja a moça a conversar
Com uns papos que até gostei
Era umas conversa bonita,
Umas  prosa, uns arrodei,
Dai eu senti, patrão,
La em baixo um repuxão
Que eu fui  na lua e votei

Naquela hora eu pensei
Só  em coisa que não presta
Vendo a coisa ficar preta
E a velha com a mulesta
Meus pissuido puxando
A moça ali conversando
E eu só franzindo a testa.

Pensei logo - Só me resta
Escapar dessa mutreta
Deu vontade de gritar
De  chorar  me  deu veneta
Enquanto em fuga eu pensava
Mais a velhota puxava
Mais eu fazia careta!

A velha entrou numa saleta
Voltou trazendo uma faquinha
Começou a amassar
Dar uma esfregadinha
Dizendo:  isso eu nunca vi,
Porque o que tem aqui
São dois ovim de rolinha!

Dando outra amassadinha
Começou dizer de novo:
Foi essa a primeira vez
Que eu vi galo comer ovo!
Pra ninguém me desmentir
Eu vou cortar isso aqui
Pra poder mostrar pro povo!

Deu um repuxão de novo
Mode cortar com a peixeira
Naquilo eu criei coragem
Dei  um pulo da cadeira
Dei na frente outro pinote
Pulei pro riba dum  pote
Sai em toda carreira!

Ta beba, veia treteira!
- Sai comigo dizendo -  
Ia cortar o meu saco...
Escapei dessa fedendo!
Aprumei na capoeira
Desimbestei na carreira,
Passei três dias correndo.

A velha compreendendo
Riu-se  de não parar mais
Eu vou lembrar para sempre
Dessa velha  satanás.
E também vou  me lembrar:
Sempre que eu for me sentar
Passo logo a mão atrás!

Ontem sonhei contigo novamente
Nem se quer consigo recordar
Deve ter sido um sonho tão ardente
Que eu queria tanto me lembrar...

Não consigo ver tudo o que sonhei
Mas consegui ver seu rosto direitinho
Só me lembro que em teus braços me joguei
Que você me ofereceu muito carinho

Assim que eu lembrar-me deste sonho
Você será a primeira a saber
Se você aceitar o que te proponho
Prometo sonhar sempre com você

Já se aproxima o anoitecer
Espero ter outro sonho tão ardente
Amanha  conto tudo pra você
Se eu sonhar contigo novamente

Na região amazônica,
na floresta tropical,
acontece cada coisa
que surpreende o mortal:
foi lá que vi, certo dia,
um debate sem igual.

Quem pensa que o animal
é privado de linguagem
e só sabe se expressar
por seu grunhido selvagem,
vai pensar que tô mentindo
ou contando pabulagem.

Sou poeta de coragem
e amo o chão brasileiro,
me meto em qualquer paragem
com meu verso verdadeiro
- quem me guiou na viagem
foi um índio feiticeiro.

Me disse o pajé matreiro
coisas de que duvidei,
falou que bicho falava
e eu não acreditei:
- "Pois então venha comigo,
eu mesmo lhe mostrarei"

Pois o pajé era rei
de uma tribo da floresta
que com plantas se alimenta
e com os bichos vive em festa,
coisas que fazem pensar
que a vida ainda presta.

Uma apreensão funesta
logo então me dominou
na hora que eu tomei
o chá que o pajé mandou,
pois ele virara peixe
depois que àquilo entornou.

E tudo se transformou
depois que provei do chá,
mergulhei no Rio Negro,
era peixe, um Acará,
e descambei rio acima
a floresta a espiar.

Eu vi bicho conversar
e planta fazer agouro,
descobri todo o segredo
de transformar terra em ouro
e que a água do planeta
é nosso maior tesouro.

Mestre compadre besouro,
um tal Cavalo do Cão,
foi quem veio avisar
que ia haver eleição,
e um debate àquela noite
era a maior atração.

Ouvi que a grande nação
lá da floresta encantada
com relação à dos homens
é bem civilizada,
e a bichocracia ali
há tempos foi implantada.

Comemos da farinhada
que nos mandou urubu,
tomamos boa cachaça
com cobra surucucu,
ouvimos a serenata
do maestro cururu.

Disse o sapo: - "Eu sei que tu
fazes verso de improviso,
porém se fores contar
como é nosso paraíso,
alguém decerto achará
que tu perdesse o juízo!"

- "Mestre Sapo, se preciso
eu trago aqui pra provar!
Uma festa igual a esta
não tem em outro lugar...
- Me dê mais uma formiga,
Compadre Tamanduá!"

O sapo barbado está
por ser um sapo ancião,
e era um dos candidatos
disputando a eleição,
pondo-nos a explicar
sua estratégia de ação:

- "O professor é ladrão,
o tal pássaro tucano,
e eu vou mostrar à nação
qual é o seu real plano:
ele quer é nos vender
baratinho a americano!

Nosso solo é soberano,
aqui quem manda é a gente!
Eu vivo n'água e na terra,
por isso sou mais consciente
do que quem vive no ar
e cisma em ser presidente..."

Uma planta inteligente
fez um aparte legal:
- "Mas o professor tucano
tem o voto vegetal:
se derrubarem a floresta,
rio seca, maioral!"

Chegara a hora afinal
do início do debate,
tucano empaletozado
foi pegando o arremate:
- "Que sejamos pragmáticos,
sonhar é coisa pra vate!

Eu vou te dar xeque-mate
agora e da próxima vez,
mas saiba ser elegante,
sapo perdedor freguês:
não queira mudar o jogo
logo no seguinte mês..."

**********************************

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 11/02/2012
Alterado em 29/07/2014
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras