José Medeiros de Lacerda

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Textos

A LENDA DA CABEÇA SATÂNICA
Esse é mais um fantasma
Do folclore brasileiro
Chamam CABEÇA SATÂNICA
E veio do estrangeiro
Em Recife ele aportando
Hoje vive assombrando
Por este Brasil inteiro.

Não se sabe o roteiro
De onde ele surgiu
Crê-se ter vindo da Europa
De terras de muito frio
Com origem portuguesa
Só se sabe com certeza
Que a nossa terra invadiu.

Muita gente já o viu
Do litoral ao sertão
Por este Nordeste inteiro
Da Bahia ao Maranhão
Não gosta das capitais
Preferindo os matagais
E locais de escuridão.

Se faz dessa aparição
Relatos assustadores
Também muito variados
Desde os colonizadores
Está em todo lugar
E às vezes só de pensar
Nessa coisa causa horrores.

Olhos amedrontadores
Bastante arregalados
Um sorriso enigmático
Sempre na face estampado
Se vai pelo chão rolando
Outras vezes saltitando
Ou no ar fica parado.

Noutro fato registrado
Desta feita no sertão
É cabeça de um homem
Com feições de Lampião
Que contempla sorridente
O sofrimento latente
Dos que passam privação.

Numa terceira versão
É uma cabeça levada
Por um ser fantasmagórico
Que a conduz pendurada
E a solta pra aperrear
Quem se encontra num lugar
Errado na hora errada.

Costuma surgir do nada
Como uma pessoa vulgar
De costas pra o indivíduo
A quem quer intimidar
E sem luminosidade
Pois na obscuridade
O pavor aumentará.

Essa pessoa vulgar
Estranha e irreconhecível
Se transforma na cabeça
Ficando quase invisível
E vai pelo chão rolando
Com magia transformando
O possível em impossível.

Essa assombração incrível
Até o nome é um displante
Chamam CABEÇA SATÂNICA
Ou então CABEÇA ERRANTE,
Como já fora citado
Surge aos saltos pingados
Ou em cabeça rolante.

O seu olhar provocante
E sorridente seduz
Cabelos longos caídos
Tomam forma de capuz
Só lembrá-la nos consome
E a menção do seu nome
Já pede o sinal da cruz.

Sua aparência faz jus
A loucas palpitações
Até quando o assunto gira
Em torno de assombrações
O seu nome é descartado
Pra evitar que um descuidado
Padeça de convulsões.

Meras alucinações
Mas com fundo de razão
Pois associam seu nome
Com a própria encarnação
Do capeta, o coisa feia,
Que persegue quem vagueia
À noite na escuridão.

Se isso é superstição
Que essa cabeça perdida
Basta tocar em alguém
Ou algo que tenha vida
Que a criatura esmorece
Se depaupera, amolece
E morre logo em seguida.

Também é coisa sabida,
Se ela sai na noite afora
E para em frente a uma casa
Onde uma família mora
Em poucos dias acontece,
Alguém na casa adoece
E morre sem ter demora.

Pra que ela vá embora
Daquela casa afinal
Tem que chamar logo um padre
Pra exorcizar o local
Para afastá-la de cena
É rezar uma novena
E extirpar de vez o mal.

Mas novena natural
Sem essas modernidades
Pois a Cabeça Satânica
Pertence à antiguidade
E tem lá o seu mister,
Se não for reza como fé
Não tira sua maldade.

A sua capacidade
Satânica e bestial
Não enfraquece com reza
De padre sem ter moral
Sem generalização,
Mas toda congregação
Tem sempre alguém anormal.

Hoje é muito natural
Dessa cabeça a maldade
Pois religião com fé
É coisa da antiguidade,
As igrejas de hoje em dia
São ricas de fantasia
E pobres de caridade.

O que se ver na verdade
É propaganda enganosa
Hoje mula sem cabeça
Tornou-se mula vaidosa
E padres nas bacanais
Pulando nos carnavais
Todo ancho, todo prosa.

O que era mar de rosa
Virou mar de perdição
É a Cabeça Satânica
Toda cheia de razão
Atuando abertamente
Pra aumentar seu contingente
Não precisa escuridão.

Da capital ao sertão
Hojé é grande o reboliço
É terreiro sem macumba
Feiticeiro sem feitiço
Mas a vida segue em frente
E eu, abelhudo e insolente,
Não tenho nada com isso.

Quem puder mostre serviço
Pra não cair numa fria
Se essa cabeça rola
Até que nos serviria
Se fosse pra seleção
Em vez de desilusão
Talvez nos desse alegria.
Recife, 10/03/2011
SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 18
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 11/02/2012
Alterado em 20/11/2022
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