José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

A LENDA DA MANDIOCA
Nordestino brasileiro
Que exerce agricultura
Tem a mente caleijada
Calcada a uma vida dura
Na bonança ou no tormento
Seu principal alimento
É farinha e rapadura.

Quando é tempo de fartura
Roceiro tem caixa alta
A vida vira uma festa
A Natureza se exalta
É colheita empaiolada,
Mesa diversificada
Mas a farinha não falta.

A farinha está na pauta
Do que eu pretendo contar
Produto da mandioca
A lenda que eu fui buscar
No seio da natureza
Estando ela com certeza
Entre as mais belas que há.

Aqui o leitor verá
Meu maior objetivo
Mostrar que o índio deixou-nos
Legado bem expressivo
Hoje marginalizado
Seu habitar dizimado
Mas nunca virou passivo.

Num impulso decisivo
Minha mente se refez
No espírito da poesia
Para falar desta vez
No que a memória enfoca;
E a LENDA DA MANDIOCA
Eu deixo aqui pra voces.

Numa tribo, certa vez,
Houve cena inusitada:
Uma jovem ficou grávida
Sem ainda ser casada.
Sendo filha do cacique
Para que ao pai se explique
De pronto é interpelada.

«Meu pai, eu não sei de nada,
- Insistiu a indiazinha -
Com ninguém tive contato
Pois ainda sou novinha!»
Pra o pai tornou-se maldita
Pois nela não acredita.
Que sina, a da pobrezinha!

A maldição se avizinha
Naquela nação pagã
O pajé, impressionado,
Invocou o Deus Tupã
Pra que houvesse solução
E um pouco de compreensão
Em respeito à cunhatã.

Numa chuvosa manhã
Tem o chefe uma visão
Que lhe transmite um conselho
E pede compreensão
Não destruir a família
E amparar sua filha
Com aquela gestação.

O chefe com emoção
Resolveu acreditar
Na inocência da filha
E aquele tabu quebrar,
Transcorrida a gestação
Todos viram com emoção
Uma criancinha chegar.

Uma beleza sem par
Trouxera um novo porvir
Uma menina, branquinha,
De cor incomum ali
Praquele bebê nascido
Um nome foi escolhido
Batizaram de Mani.

Mas o maior ti-ti-ti
Pela tribo se espalhava
Não só pela pele branca
Que a menina apresentava:
Não bastasse, já sabia
Caminhar quando nascia
Ademais, também falava.

Sua pureza brilhava
Envolvendo aquela gente
Mas mesmo com tenra idade
Aquela pobre inocente
Sem doença, sem razão,
Prostou-se naquele chão
E dormiu eternamente.

Seus guardiões simplesmente
Ainda a julgavam dormindo
E por isso não puderam
Ver seu espírito saindo
Foi enorme o desengano
Quando notaram o engano
Em que estavam caindo.

O cacique pressentindo
Não pôde fazer mais nada
Reconheceu o desfecho
De sua netinha amada
Chorando resignou-se
E ordenou que ela fosse
Na própria oca enterrada.

A tribo desconsolada
Na aldeia grande abalo
O cacique macambuzo
Nada podia animá-lo
No sepulcro a mãe amada
Plantou flores perfumadas
Todo dia ia regá-lo.

Em um pequeno intervalo
De tempo ali decorrido
No dito lugar brotou
Um mato desconhecido
Aquela terra escavaram
Contudo não encontraram
O corpo do ser querido.

«Nosso povo foi vencido!
- Gritavam todos fiéis -
Um povo comum seremos,
- Sentenciaram os pajés -
A terra já nos consome
Nos resta a peste e a fome
E da sorte um duro revés!

Igual aos igarapés
Onde existe água à vontade
Haverá em nossos olhos
Pranto e infelicidade
Nada nos protegerá
Jurupari nos trará
Miséria e necessidade!»

A Tupã, Deus de bondade,
Todos pediam perdão
Junto à cova da menina
Faziam lamentação
Se dizendo abandonados
E esse ritual sagrado
Dos pajés não foi em vão.

No ribombar de um trovão
Ouviram Tupã falar:
- Não se aflijam, meus filhos,
Não vou os abandonar
Refaçam o túmulo escavado
E por cem dias contados
Com lágrimas devem regar.

Toda tribo a se espantar
Com a sentença que ouviram
E no final de cem dias
Assustados eles viram
Tubérculos de cor marrom
Miolo de branco tom
Naquele solo surgiram.

As raízes extrairam
Botaram pra cozinhar
Tinha um gosto vigoroso
Um dom de revigorar
Bradaram: «Isso é presente
Pois mata a fome da gente
Precisamos celebrar!»

E começaram a criar
Diversas variações
A casca virou bebida
Que causa alucinações
Torrada virou farinha
Recebendo na cozinha
Mais diversificações.

Caule cortado em frações
Se usa para plantar
Tem o nome de «Maniva»
As partes de semear
A cauda é «Manipuera»
Sendo outra boa maneira
Da indiazinha lembrar.

«Mani» pra homenagear
«Puera» é a parte ruim
Coada no tipiti
De onde sai o cauim
É comida brasileira
Com nome de Macaxeira,
Mandioca ou Aipim.

Na culinária é sem fim
A maneira que é usada
Tucupi é outra forma
Que a raiz é depurada
No Estado do Pará
Pra fazer o tacacá
Comida africanizada.

A folha jovem é usada
Pra fazer um refogado
Com outras ervas nativas
e se chama «esparregado»
A cachaça é a «tiquira»
Que outros chamam «imbira»
Variando por Estado.

Enfim, é grande o legado
Que a indiazinha deixou
Como a mãe de Jesus Cristo,
Um espírito gerou
Essa linda cunhatã
Concebida por Tupã
E sua mãe não pecou.

Esta lenda se criou
No Estado do Pará
Onde hoje é Santarém,
A Mani nasceu por lá
Mas é lenda brasileira
Engrandecendo a bandeira
Da cultura popular.

Lembrando, só por falar,
A famosa tapioca
Com a menininha lembrada
Essa memória se enfoca
Raiz que em oca nasceu
Dessa forma recebeu
A alcunha de «Manioca».
SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 9

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 31/01/2011
Alterado em 19/11/2022
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