José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

AS IRMÃS DE PUXINANÃ E O DRAMA DE ZÉ DA LUZ
Trecho do Cordel:

Zé da Luz era um matuto
Da vila de Itabaiana
Engraxador de sapato
Também cortador de cana
E entre tudo que fazia
Frequentava cantoria
Todo final de semana.

Da terra paraibana
Visitava grande parte
Ora engraxando sapato
Ora praticando a arte
Da poesia declamada
Pois sem ler e escrever nada
Na rima era um baluarte.

Pra atirar de bacamarte
Nos festejos de São João
Zé era requisitado
Pois nisso era campeão
Esse caboclo, afinal
Era um multifuncional
Do litoral ao sertão.

Em uma ocasião
De sua vida aventureira
Zé da Luz foi convidado
Pra ir declamar na feira
Da vila Puxinanã
Num Domingo de manhã
Onde havia uma brincadeira.

As cantorias de feira
Eram chamadas folguedo
Zé recebendo o convite
Rumou pra vila sem medo
Todo garboso e pachola
Pois trazia na cachola
Ser a atração do folguedo.

E no Domingo bem cedo
Em Puxinanã chegava
A natureza ajudando
Linda manhã desenhava
Com um céu de brigadeiro
Um vento brando, maneiro
E um sol que não queimava.

O comércio ja estava
Repleto por toda via
Gente da vila e do campo
Só chegava e não saía
Uns passeando na praça
Outros bebendo cachaça
Esperando a cantoria.

O locutor anuncia
Que a festa vai começar
Uma dupla de violeiros
Na viola a pontear
O povo se aglomerando
Pacientemente esperando
O Zé da Luz declamar.

E foi ele começar
A animação aumentou
Quando surge três donzelas
Perto do Zé se postou
Ele desembaraçado
Rodopiava animado
Na roda que se formou.

Mas quando ele avistou
As moças alé de lado
Quis falar, tremeu a fala
Ficou todo encabulado
Na poesia foi fracasso
Foi errando passo a passo
Andando desengonçado.

E as moças do seu lado
Faziam insinuação
Deixando o pobre matuto
Fora de concentração
Olhando para as donzelas
Nas sem atinar qual delas
Tentava o seu coração.

Fazendo a apresentação
Das meninas do folguedo
Eram três irmãs donzelas
Do sítio Pé do Lagedo
Filhas de Chico Fainha
Moravam numa casinha
Embaixo de um arvoredo.

Dia de feira bem cedo
Chegavam na currutela
Pra vender maxixe fresco
Quiabo, couve, favela
Garrafada pra lombriga
E chá pra dor de barriga
De quebra-faca e macela.

Augusta, a irmã mais velha
Era a mais alta das tres
Vaqueira de profissão
Derrubava qualquer res
Mas seu jeitinho galante
E seu olhar provocante
Apaixonava o freguês.

Conta-se que certa vez
Um caboclo bem disposto
Só porque essa cabocla
Lhe deu um beijo no rosto
Depois um chega pra lá
O cabra garrou chorar
Quase morre de desgosto.

A cabocla, por seu posto,
Gostava de atracação
Usando de artimanha
Fez lá sua reinação
Deixando Zé na esparrela
Sentindo frio na espinhela
E cosca no coração.

A Segunda, a Conceição,
Era outra formosura
Com cada tronco de coxa
Quase da minha grossura
Quando ela caminhava
Com seu gingado levava
Qualquer marmanjo à loucura.

Era a gentil criatura
Uma atraente donzela
Trajava um vestido branco
De palma, véu e capela
Olhos azuis rutilados
Como brilhantes cravados
Na face cor de canela.

Zé da Luz olhou pra ela
E quase perde o sentido
Tentou fazer-lhe um agrado
Ela não lhe deu ouvido
Deixando o pobre coitado
Com o coração magoado
Por querer sem ser querido.

Mas não se deu por vencido
Prosseguindo a brincadeira
Tentando puxar conversa
Com a morena gingadeira
E quando seu insucesso
Já fazia algum progresso
Foi que ele viu a terceira.

Essa  morena faceira
Era a maior tentação
Redonda como uma bola
Cabelo cor de carvão
E um olhar de quem seduz
Que fez com que Zé da Luz
Desse com a cara no chão.

Na quentura da paixão
Ele viu no corpo dela
Dois melões avantajados
Na sua pele amarela
Parecendo dois cuscuz
Zé vendo seus ombros nus
Quase enlouquece por ela.

Mas não caiu na esparrela
Começou a versejar
Praquela moça morena
Dos olhos da cor do mar
Ela lhe agradeceu
E até correspondeu
Com um sorriso e um olhar.

Começaram a namorar
Ali no meio da feira
Causando inveja e ciume
À Segunda e à primeira
Que antes foram cortejadas
E fingindo ou disfarçadas
Levaram na brincadeira.

Principalmente a primeira
Que mais conquista e seduz
Vendo o progresso da mana
Pra o mancebo se conduz
Toda dengosa e exibida
Deixando quase fundida
A cuca de Zé da Luz.

A outra, de olhos azuis,
Também quis tirar proveito
Da confusão que gerou-se
Mas já não tinha mais jeito
Augusta, a irmã vaqueira,
Pôs um fim na brincadeira
Levando tudo de eito.

Zé da Luz insatisfeito
Com o clima ali gerado
Pondo fim na situação
Perguntou determinado:
- Por que voce não me quis
Me fazendo um infeliz
Quando eu lhe fiz um agrado?

E voce, do rebolado?
A coisa não é assim.
Por que me desprezou antes
E agora está afim?
Vão vender mangai na feira,
Que eu gostei foi da terceira
E ela gostou de mim!

A festa chegou ao fim
A feira foi se acabando
Zé da Luz continuou
Com a Maroca namorando
Antes ninguém lhe queria
E no fim da ingrisia
Escolheu a sua cruz
Pra sair desse embaraço
Desejou cair nos braços
Da dona dos dois cuscuz!


           Recife, 14/05/2010
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 20/05/2010
Alterado em 22/07/2014
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