A MOÇA E O MARIMBONDO
Trecho do Cordel
Foi assim que aconteceu Lá na Casa da Cultura Um órgão do município Pertencente à Prefeitura, Essa história zombeteira Com sabor de brincadeira, Mas que foi verdade pura. A fruta quando madura Precisa ser consumida Se insistir em guardá-la Torna-se fruta vencida, Assim uma ordem dada Precisa ser respeitada Prá lei não ser transgredida. Minha poesia convida A seguir nesta aventura Que junta inseto com gente, Boniteza com feiura, Morte, vida e ferroada, Tempo com data marcada, Na minha literatura. Lá na casa da cultura Tem uma repartição Com vários funcionários Cada um na sua função, Uma ou outra discordância Mas coisa sem importância, Prevalecendo a união. Em uma reunião Tinha o chefe decretado Que todos usassem farda E assim ficou combinado: Bermudas prá o masculino, Saias para o feminino, Foi o acordo firmado. Mas um membro revoltado Não quis a ordem acatar, Sendo mulher resolveu Ir de calças trabalhar Conseguindo com essa asneira Discordar das companheiras E o chefe contrariar. Toda idéia singular Em grupo não soa bem Por isso que Nicolau Entrou na trama também De sua casa vizinha Preparou uma meisinha Enfeitiçada no além. Mandado não sei por quem Um marimbondo surgiu Para cumprir a tarefa Que Nicolau lhe incubiu E usasse fosse o que fosse Na moça que rebelou-se E a saia não vestiu. Nenhum zumbido se ouviu Na hora determinada. Marimbondo, calmamente, Aplicou-lhe uma picada Do tipo bem dolorida Na parte mais escondida Feminina e delicada. A moça, sobressaltada, Soltou um grito de dor, Levantou-se da cadeira, Suas calças arreou, E ali, no meio da sala, Tirou do pé a sandália E o marimbondo matou. O local picado inchou Como uma mala sem alça, A moça, que era rumbeira, Andava a passos de valsa, E a solução encontrada Foi usar saia rodada, Tendo que abolir a calça. O chefe, cheio de graça, Se alegrou com o resultado, Dia l4 de maio O fato foi registrado E lavrado em escritura: Lá na Casa da Cultura Esse dia é feriado! (Santa Luzia, Maio de 2006) Certa noite de mistério Pesadelo e desencanto Eu entrei num campo santo Pra sentir seu grande império; Andando no cemitério Tremendo como um balão Eu apalpava caixão Torrões, cabelos e ossos, Cruz quebrada e outros troços Atirados pelo chão. Sei que a decomposição Imperava em alguns túmulos Desintegrando os acúmulos Em trágica putrefação; Lápide em ouro e latão Com frases de antigamente Ou epitáfios recentes Mostravam que a morte é séria Inimiga da matéria Do forte e do prepotente. Haviam outros viventes Entre as catacumbas sujas Lagartixas e corujas Davam vida ao ambiente; Valores de antigamente Que hoje nem lembram mais Eram só restos mortais Como outros objetos Entre vermes e insetos, Viram lixo, nada mais. Na cidade dos mortais Eu encontrei um tamanco Um retrato, um lenço branco, Símbolos de amor e de paz: E entre os materiais A caveira de um cristão Se levantava do chão E me olhando gargalhava Assim, como quem zombava Da fraqueza dos irmãos. O crânio, os pés e as mãos No esqueleto se mexia E já não mais se sabia Se era jovem ou ancião, Crente, católico, pagão... De quem era essa caveira? Cheia de óleo e poeira Com o vento se tremia Assim, como quem dizia Que essa vida é passageira. Na risada zombeteira O esqueleto como um louco Sorria, fazendo pouco Desta vida rotineira; O orgulho, a voz grosseira, A perfídia, a maldade, O ódio, a perversidade, Valentia e arrogância Estão queimando as substãncias Dos jardins da humildade. Roubo, vício, vaidade, Quem usa não é liberto Sua alma não dá certo Na aferição da verdade; O carinho, a lealdade Vibram sempre a mesma luz Uns em trapos, outros nus, Todo morto é transformado Num líquido purificado Das palavras de Jesus. Abracei os ossos nus Em profundo nervosismo Pelo amor do Cristianismo Atirei-me a uma cruz; Gritando o nome: Jesus! Senti pena dessa gente Que não ama, que não sente Da própria vida os ressábios, Ao morrer, seus negros lábios Sorrirão eternamente.
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 23/12/2009
Alterado em 22/07/2014 Copyright © 2009. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |