José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

ADOLFO MEIA NOITE
Meia Noite era apelido
De mais um dos bandoleiros
Que fez parte do cangaço
Logo nos tempos primeiros
E apesar dos seus brios
Já tinha tido alguns tios
Que haviam sido cangaceiros.

Adolfo o nome primeiro
Não se sabe mais de nada
Também o seu nascimento
Tem data indeterminada
E mesmo sendo um bandido
Um pouco desconhecido
Provocou muita zuada.

Sua vida desregrada
Tem haver com seus amores
Afogados da Ingazeira
Lá no Pajeú das Flores
No sertão pernambucano
Foi nascido esse tirano
Junto aos seus perseguidores.

Pais muito trabalhadores
Tinham nele grande estima
Sobrinho de um coronel
Que tinha alma ferina
Político na região
No lugar do coração
Tinha nitroglicerina.

Pai de uma linda menina
Atraente e elegante
Prima legitima de Adolfo
Com diferença marcante
O pai dele obedecia
Porque nada possuía
E o dela era dominante.

Por acinte ou por displante
O destino alcoviteiro
Quis que os dois se apaixonassem
Prá de modo traiçoeiro
Tirá-lo da honradez
E transformá-lo de vez
Em terrível cangaceiro.

Manoel e Sinobileiro
De Meia Noite os irmãos
Tentavam dissuadi-lo
Daquela louca paixão
Pois conheciam as maldades
E acintuosas crueldades
Do tio sem coração

Adolfo na ilusão
Da beleza feminina
Acreditando no tio
Que lhe demonstrava estima
No começo relutando
Acabaria aceitando
Seu casamento com a prima.

A alma impura e assassina
Como era de se esperar
Disse que não criou filha
Prá com mendigo casar
E de forma traiçoeira
Resolve à sua maneira
Os pombinhos separar.

Manda três cabras pegar
Meia Noite e amarrá-lo
Num tronco colonial
E fortemente açoitá-lo
Chegando em casa ferido
O pai muito ressentido
Recusou-se a abençoá-lo.

Só podia perdoá-lo
Depois que ele lavasse
Aquela ofensa com sangue
De modo que se vingasse
Do rico esquecesse a filha
E o carrasco da família
Ele mesmo assassinasse.

E em casa só voltasse
Quando cumprisse a missão
Adolfo na mesma noite
Se esgueira pela mansão
Invade o quarto do tio
Corta-lhe da vida o fio
Prá ter do pai o perdão.

Foge com os seus irmãos
Manoel e Sinobileiro
E o trio passa a viver
No vale do Rio Pinheiros
Pela policia caçados
Morrem três jovens honrados
E nascem três cangaceiros.

Para os homens do dinheiro
Que mandavam no sertão
Matar um chefe político
Era crime sem perdão
Por ser pessoa importante;
E daquela noite em diante
Começa a perseguição.

Para Adolfo e seus irmãos
Termina o tempo de paz
E começa um novo tempo
Vivendo nos carrascais
Levando a vida a roubar
E fugindo prá escapar
Das forças policiais.

Diferente dos demais
Meia Noite era pacato
Mesmo sendo um cangaceiro
Vivendo dentro do mato
Aos pequenos respeitava
E nas lutas só brigava
De acordo com o desacato.

Naquele tempo era fato
Se transportar importância
Através de mensageiro
Ou escravo de confiança
De um a outro local
Por dentro do matagal
Prá encurtar a distância.

Foi numa dessas andanças
Que o trio de cangaceiro
Encontrou com Periquito
Um negro do cativeiro
Que levava num jumento
Recebida em pagamento
Grande importância em dinheiro.

Manoel e Sinobileiro
Começaram a açoitá-lo
Tomando dele o pacote
Com a intenção de roubá-lo
Mas Meia Noite se impôs
Tirando o negro dos dois
Depois foi interrogá-lo.

“Não precisamos roubá-lo
- Disse para os companheiros-
Eu conheço Periquito
Sei que ele não tem dinheiro
Se ele carrega ou não
Não é dele, é do patrão,
Nós não somos desordeiros”.

E pergunta ao mensageiro
Que tremia como o vento
Quando bate na ramagem
Provocando movimento
- De tudo que vai levando
Diga se está transportando
Munição e alimento.

O Negro nesse momento
Responde com voz chorosa
-Levo quinhentos mil réis
Do senhor Paulo Barbosa
Recebi em pagamento
De uma venda de alimento
Ao coronel Espinosa.

Da fazenda Santa Rosa
Estou viajando há dois dias
De comer só rapadura
Carne seca e água fria
E um pouco de farinha
Mas hoje de tardezinha
Termino essa travessia.

-Isso é tudo que eu queria
Para nossa precisão
Deixe a comida e vá embora
Terminar sua missão
Mas leve o pacote inteiro,
Se eu precisar de dinheiro
Vou tomar do seu patrão.

Era assim pelo sertão
No tempo dos cangaceiros
Nem sempre os fugitivos
Tinham que ser desordeiros
Às vezes a precisão
É que fazia o ladrão
Por aqueles tabuleiros.

E esses três cangaceiros
Sobrinhos de coronel
Se envolveram na maldade
Pelo destino cruel
Adolfo foi humilhado
Com a família do seu lado
Cumpriram o seu papel.

E ficar vivendo ao léu
Não é boa experiência
Prá suas necessidades
Assaltavam residências
Somente o essencial
Arma, alimento, animal
Conforme a conveniência.

Na policia a inclemência
Continuava imperando
Espalhada na caatinga
Meia Noite procurando
Vez por outra se encontravam
O céu escuro ficava
Com o fumaceiro nublando.

Até que um dia cruzando
Um rio que estava cheio
O grupo foi alvejado
Quando estavam bem no meio
Sem haver outra saída
Adolfo perdeu a vida
Baleado no tiroteio.
Série Cangaceiros, Vol. VII
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 16/12/2009
Alterado em 01/02/2011
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