José Medeiros de Lacerda

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Textos

JESUINO BRILHANTE, O CANGACEIRO FANTASMA
Quando se fala em cangaço
Só se lembra de Lampião
Pois só ele fez história
Em todo nosso sertão
Um poderoso bandido
Que se tornou conhecido
Por essa imensa Nação.

Mas antes de Lampião
O cangaço já existia
Muitos viraram bandidos
Nem sempre porque queria
Nesse torrão nordestino
Ele mesmo, Vírgulino
A outro bando pertencia.

Ainda na monarquia
O cangaço começou
Devido a impunidade
Que o Império reinou,
Coronéis, Senhor de Engenho
Exerciam com empenho
O seu papel de opressor.

Mas o instinto traidor
Nem sempre foi triunfante
Daí tornar cangaceiro
Bons e honestos sitiantes
Meia-Noite, Cabeleira
E também Sinhô Pereira
Foram fazendeiros antes

O Cangaceiro Brilhante
Que é dele que eu vou falar
Um homem de bens e posses
Uma família exemplar
E se tornou um bandido
De tanto ser perseguido
No Estado Potiguar.

Quando nasceu e o lugar
Há vários depoimentos
O ano é quarenta e quatro
E o século, Mil e Oitocentos
Janeiro ou Março é o Mês
Dia dois ou vinte e seis
Não se prova em documentos

Entre intrigas e tormentos
Nasceu e foi batizado
Com o nome de Jesuíno
Alves de Melo Calado
Local, Vila de Patú
Na região do Açú
E Rio Grande o Estado

Jesuíno era casado
Tinha bonita família
Dona Maria a esposa
Um filhinho e quatro filhas
Legalmente trabalhavam
E a todos maravilhavam
Por aquelas redondilhas.

Amansador de novilhas
Bom vaqueiro e lavrador
Brilhante era o apelido
Que alguém um dia botou
Por brilhar como vaqueiro
No prado ou no espinheiro
E o apelido pegou.

Como todo agricultor
Amava o campo e a paz
Resignado com a vida
Porém tudo o que se faz
Tendo Deus no coração
Gera inveja e ambição
Dos filhos de satanás.

Por aqueles carrascais
O mal também imperava
Pois Deus mandava a farinha
O Diabo o saco rasgava
E a justiça que é cega
Nem sempre numa refrega
O lado bom acertava.

Onde Brilhante morava
Com toda reputação
Havia na vizinhança
Uma família Limão
Uns pretos arruaceiros
Atrevidos, desordeiros
Que tinham parte com o cão.

Toda aquela perfeição
Da família Jesuíno
Cai por terra num momento
Por causa do desatino
De um Limão assaltante
Que invade o sitio Brilhante
E lhe carrega um caprino.

Não bastando o desatino
Um dia lá em Patú
Honorato, um dos Limão
No meio de um sururú
Dá uma surra num menino
Que era irmão de Jesuíno
Com um relho de couro cru.

Tava formado o angú
Daquela desunião
Honorato a Vangloriar-se
Juntando o insulto à agressão
Ainda manda um recado
Prá Jesuíno ter cuidado
Senão tinha outra lição.

Jesuino vendo o irmão
Com o corpo eslapiado
Chegando em casa chorando
E lhe dando o tal recado
Perde toda a compostura
E se entrega a loucura
Por se ver desafiado.

Em seu cavalo montado
Parte louco em disparada
Encontra o preto Honorato
E dá-lhe uma punhalada
E continua furando
Deixa o negro agonizando
E a guerra declarada.

Foi-se a vida sossegada
Do lavrador e vaqueiro
Em seu lugar aparece
Um terrível cangaceiro
Perseguido da polícia
Condenado da justiça
Virou ele um justiceiro.

Um homem honrado e ordeiro
Tornou-se um fora-da-lei
Dona Maria, perseguida,
Desprovida do seu rei
Evadiu-se sem destino
Foi encontrar Jesuino
Junta com a sua grei.

Como se deu eu não sei
Esse encontro casual
O pai e o irmão perseguidos
Fugiram para Natal
Mas foram aprisionados
E ambos trancafiados
Na cidade de Pombal.

Agora no matagal
Jesuíno o cangaceiro
Escondeu sua família
Na Serra do Cajueiro
E na caatinga vagando
Ia passando e formando
Seu bando de desordeiros.

Ficou sendo um justiceiro
Esse terrível bandido
Assaltando os potentados
Distribuindo aos desvalidos
Como o terror da nobreza
E o defensor da pobreza
Ficou sendo conhecido.

Chega-lhe então aos ouvidos
A fatídica informação
Que em Pombal estavam presos
O seu pai e seu irmão
Junta sua cabroeira
Dizima a cidade inteira
E os liberta da prisão.

A seca na região
Começa a matar gado
No ano setenta e sete
E o Governo do Estado
Acudia no momento
Enviando mantimentos
Ao povo necessitado.

Mas tudo era desviado
Para a rica fidalguia
Porque já naquele tempo
A corrupção existia
Jesuíno se emboscava
Os comboios assaltava
E aos pobres distribuía.

A policia perseguia
Mas sua luta era em vão
Jesuíno, agora junto
Com seu pai e seu irmão
E uma grande cabroeira
Se entocavam nas trincheiras
Das serras da região.

Mulher e filhos num vão
Da serra do Cajueiro
Chamado Casa de Pedra
Seguiam o cangaceiro
Nas partilhas ajudavam
Nos combates se esquivavam
Por ordens do bandoleiro.

Já trinta e cinco janeiros
Completara Jesuíno
Fazendo o bem à pobreza
Fazendo o mal a granfino
O sertão o idolatrava
A cidade o condenava
Foi assim o seu destino.

Mas um dia, sol a pino
Jesuíno é emboscado
No ano setenta e nove
No interior do Estado
Da Paraíba do Norte
Por um cerco muito forte
Volantes de três Estados.

Dezembro tinha chegado
Já chovia no sertão
Tomba morto Jesuíno
Seu pai também seu irmão
E quase todo seu bando
Ou correu ou foi tombando
Tingindo de sangue o chão.

Foi a maior danação
De defunto pelo mato
Cidade Brejo do Cruz
Ainda conta esse fato
O sangue formava enchente
De policia um contingente
Era grande o aparato.

Termina o primeiro ato
Da história de Jesuíno
Brilhante, sujeito honrado
Que por força do destino
Se viu marginalizado
E ao cangaço fadado
No interior nordestino.

No solo potiguarino
Outro fato acontecia
Que lembrava Jesuíno
Fosse noite ou fosse dia
E durou mais de dez anos
Segundo interioranos
Que ali tinham moradia.

Primeiro sua montaria
O cavalo Zelação
Que sempre o acompanhou
Nas festas de apartação
E no tempo de cangaceiro
Foi seu fiel escudeiro
Nas caatingas do sertão

Vendo seu amo no chão
Em meio a outros bandidos
Zelação deu um relincho
E pulou enfurecido
Em cima dos policiais
Atingindo uns dez ou mais
Antes de ser atingido.

Cai no chão desfalecido
Se levanta sem demora
Roda feito um redemonho
Dá um estouro e se evapora
Dentro do mato fechado
Nunca mais foi encontrado
A partir daquela hora.

Por este sertão afora
Se crer em assombração
Até mesmo o litoral
É rico em superstição
Casa velha é assombrada
Fantasma é alma penada
Milagre  é religião.

O cavalo Zelação
Foi mais um fantasma novo
Que saia nas estradas
Por aqueles sorocôvos
Atropelando animais
Derrubando vegetais
Causando terror no povo

O povo antigo e o novo
Conhecem sua proeza
Durante o mês de Dezembro
Um relinchar com tristeza
Se escuta no arrebol
Do nascer ao por do sol
Enlutando a Natureza.

Quando qualquer esperteza
Se fazia no sertão
Contra agricultores pobres
Já surgia Zelação
Expulsando os opressores
Causando terríveis dores
Ao autor da opressão.

Depois a aparição
Do dono do animal
Começou ser percebida
Por toda zona rural
Como um raio reluzente
Defendendo sua gente
De quem lhe fizesse mal.

No cinturão um punhal
Um bacamarte de prata
Um gibão todo vermelho
Uma potente chibata
Um fantasma cangaceiro
Atacando os fazendeiros
Que cruzasse aquelas matas.

Ou ficção ou bravata
Em qualquer ocasião
Quem praticasse injustiça
Nos caminhos do sertão
Onde estivesse morria
Somente os tiros se ouvia
E o tropéu de Zelação.

Encerrando a narração
Desse fantasma bisonho
Que foi na vida um fiel
Devoto de Santo Antonio
E perdeu sua liberdade
Por impetuosidade
Das trapaças do Demônio.

Ver a terra era seu sonho
Nobre terra do sertão
Com o povo repartida
Pelo sol da partição
Seu sonho foi destruído
E o transformou num bandido,
Um perigoso ladrão.

Os pobres do meu sertão
Muito se beneficiaram
Com Jesuíno Brilhante
E muitos lhe acompanharam
Em sua luta cangaceira
Até a hora derradeira
Em que o assassinaram

Pois os ricos se juntaram
Com o governo da Nação
Lhe botaram emboscada
E ele morre à traição
A sua luta fenece
Mas o povo não esquece
Sonha com ele o sertão.

O desmando, a corrupção
Não inventaram hoje em dia
Essas chagas sociais
É herança da monarquia
Negro e bicho de curral
Pobre, índio e marginal
Tinham a mesma valia.

Deus nos deu soberania
Prá viver em Santa Paz
Mas quem junta mais um pouco
Sempre quer um pouco mais
Ao pobre prejudicando
Vai mais e mais se aliando
Aos filhos de Satanás.

Está escrito nos anais
Do velho Matusalém
Quem trabalha e mata a fome
Não come o pão de ninguém
Quem junta fama e renome
E ganha mais do que come
Sempre come o pão de alguém.

Vem do tempo do vintém
O ditado popular:
Quem quiser ser bom que morra
Ou acerte no milhar.
Porque pobre vivo e peste
É coisa que no nordeste
Só serve prá atrapalhar.

Não adianta negar
Que Deus faz nosso destino
De acordo com nossas posses
Como fez com Jesuíno
Que era honrado na pobreza
Por não possuir riqueza
Transformou-se em assassino

Assim como Antônio Silvino
Vítima de um coronel
Lucas da Feira era um negro
Escravo de um infiel
Sinhô Pereira era nobre
Meia Noite, sobrinho pobre
De um senhor rico e cruel.

Neste antigo carrossel
Cada vez mais viciado
Ainda tem gente que diz
Que o mundo está virado
Desaprovo a peito aberto
Pois acho que o mundo é certo
O povo é quem está errado.

Sei que a muitos desagrado
Com esta conjeturação
Mas acho que o cangaço
Acabou-se no sertão
Prá surgir mais reforçado
Nos gabinetes dourados
Dos poderes da Nação.

Se cangaceiro é ladrão
Só uma diferença há
O antigo roubava os ricos
Para a pobreza ajudar
O de hoje, engravatado
Tira do necessitado
Prá se beneficiar.

Lampião no seu lugar
Foi um homem alvissareiro
Saturnino um satanás
Vestido de fazendeiro
Tramou, urdiu, só parou
Quando viu que transformou
Vírgulino em cangaceiro.

Hoje pelo mundo inteiro
Em tudo há corrupção
No lugar das carabinas
Tem gravata e jaquetão
Também no nosso Brasil
Com caneta e sem fuzil
Ta cheio de Lampião!!!
Série Cangaceiros, Vol. IV
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 16/12/2009
Alterado em 01/02/2011
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