O MENINO CAÇADOR
Quando escuto o estampido
De um tiro cortando o ar Me lembro de um velho tempo E às vezes choro ao lembrar Pois da minha mocidade De coisas sinto saudade De outras sinto pesar. Nos tempos que o Quipauá Descia com grande enchente A meninada brincando Naquelas águas correntes Enfeitando a Natureza Tão pura quanto a pureza Daqueles rostos contentes. Integrando o contingente De crianças que brincava Nas águas daquele rio Ali também se encontrava Um garotinho mulato Meu amiguinho de fato Que na Quixaba morava. Seu velho pai trabalhava Na mina, de garimpeiro, O homem de confiança Do americano estrangeiro Que a “scheelita” extraía E em “containers”conduzia Daqui pro Rio de Janeiro. Prá seguir noutro roteiro Navegando em alto mar Mas não é desse processo Que eu pretendo falar Também não é, com certeza, Dos banhos da correnteza Do velho Rio Quipauá. Felizardo de Alencar Gozava de bom conceito Na convivência com os “gringos” Que ficavam satisfeitos Com os préstimos do agregado Que tinha sempre o cuidado Defazer tudo bem feito. Quando não estava no eito Lavando terra na tina Ou fazendo algum mandado Em qualquer parte da mina Fazia as obrigações Da casa dos seus patrões, Essa era sua rotina. Nos arredores da mina Um região serrana Tinha caça em abundância E nos finais de semana Era o lazer que existia Seu Felizardo era o guia Da equipe americana. Tinha onça sussuarana Pintada, tatu-galinha, Mocó, preá, ribaçã Muita asa branca e rolinha, Tatu-peba, Tatu-bola, Nas três serras: da Viola, Da Mandioca e da Cozinha. Na vizinhança não tinha Ninguém a se comparar No tiro, na pontaria, Nas técnicas de caçar, Na mata ou na capoeira Quem “amarrasse a chuteira” De se Feliz Alencar. E sempre a lhe acompanhar Na labuta ou diversão Seu filho de quinze anos Que aprendia a lição Tornou-se um bom servidor, Na caça um bom caçador Na família um bom irmão. Esse garoto em questão De quem pretendo falar Éaquele meu amigo Dos banhos do Quipauá Estudava, trabalhava E ainda acompanhava O pai quando ia caçar. Um atirador exemplar Foi se tornando o menino Sua táticas de caça Surpreendia os granfinos Sempre com o pai a seguí-lo Para substituí-lo Esse era o seu destino. Por descuido ou desatino Um dia o pai se feriu Uma flerpa incandescente De uma pedra que caiu Atingiu-lhe o olho direito, Nem oculista deu jeito A sua visão sumiu. Seu filho o substituiu Nos afazeres da mina Com sua orientação Como a norma determina O bom velho aposentou-se Da labuta retirou-se Cumprindo assim sua sina. Numa tarde de chuva fina De um final de semana Prá fazer uma caçada Se prepara a caravana E indicando o caminho Para guia foi Juninho Com a equipe americana. É assim como se chama O menino caçador Felizardo Alencar Junior Criado com muito amor E para servir de guia Na caçada que fariam O próprio pai indicou. E o garoto se equipou Com espingarda de dois canos Para seguir a caçada Seguindo do pai os planos Que depois de orientar O filho, foi conversar Com os homens americanos. “O garoto é soberano, Não reparem na estatura, Tenham fé que esse menino Vai fazer boa figura, Nunca me decepcionou E se ele ao pai puxou A chumbada é segura. E seguiram a aventura Para o encontro das três serras No sítio Ipueira Funda Aonde a pintada berra Embaixo o berro ecoado A onça dava miado Que tremia toda a terra. Uma verdadeira guerra Seria ali começada Entre caçador e caça Seguidos da cachorrada Que o garoto acompanhava E ao seu comando avançava Ferozes feras treinadas. Uma equipe é deslocada Para a Serra da Mandioca Outra segue mais adiante Na Viola desemboca Prá Cozinha vai Juninho Se envereda num caminho Que termina numa loca. Mais adiante ele se entoca Na entrada de um grotão Seguido por três cachorros Atados à sua mão Com algum tempo passado Escutou o arrastado Da folha seca no chão. Já fica de prontidão Com a cachorrada esperando Daí a pouco aparece Já vinha lhe farejando, Deu-lhe dois tiros certeiros Só aparece o fumaceiro E a serra toda ecoando. Com um tiro se extraviando E o outro no coração A pintada estatelou-se Estrebuchando no chão Mas para sua desgraça A onça, pela fumaça, Veio em sua direção. Rolaram os dois no grotão Em uma luta de morte Com a cachorrada avançando Mas a onça foi mais forte E acerta o corpo franzino Provocando no menino Com a unha um grande corte. O garoto foi sem sorte Pois a fera o atingiu Bem no meio da garganta E todo sangue saiu Ela caiu para um lado E o menino degolado Ali mesmo sucumbiu. Todo caçador ouviu Os tiros e a quebradeira Gritos, urros e latidos E chagaram na carreira Só viram a onça abatida E o garoto sem vida Numa moita de catingueira. O terror da ipueira Nesse dia se acabou Os cachorros que latiam Tudo ali silenciou Como última homenagem Ali naquelas paragens Nunca mais ninguém caçou. SÉRIE CAÇADORES - VOLUME 6
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 16/04/2009
Alterado em 21/11/2022 Copyright © 2009. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |