José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

UM VAQUEIRO CAÇADOR
(LUIZ FÉLIX- PARTE II )
Continuando a história
Do meu amigo Luiz
Que viveu com nossa gente
Oitenta anos feliz
E nos deixou faz um ano
Mudou-se pra outro plano
Pois o destino assim quis.

Vaqueiro muito afamado
Isso ninguém contestou
Pra pegar bode selvagem
Foi um grande caçador
E enquanto vista ele tinha
Nessas paragens vizinhas
O melhor atirador.

Contei no outro volume
Das pegas de bode os “racha”
Da vaquejada das almas
Derrubando boi na faixa
Mas cheguei á compulsória
Quando contava a história
Do bode da ponta baixa.

Quem leu a história sabe
Do tal cachorro afamado
Que embrenhou-se com o bode
Dentro do mato fechado
E os caçadores seguiram
Até que os dois sumiram
No Olho D’água Salgado.

Aqui terminava uma serra
Outra ali já começava
Formando uma letra “V”
Onde as duas se encontrava
Em cima alcantis profundos
Em baixo era o fim do mundo
Só escuridão imperava.

O bode pulou na ponta
Da serra pro outro lado
O cachorro fez o mesmo
Mas não era acostumado
O bode o pulo alcançou
O cão caiu e ficou
Na macambira espetado

“Compadre Sólon desceu
E eu de cima guiando
Embaixo laçou o cão
Tirou pra fora arrastando
Com o corpo ensangüentado
O peito todo rasgado
E o bicho só arquejando.

Foi uma tarefa difícil
tirar depois esse cão
Trabalhamos quase um dia
Pela sua salvação
Com trabalho e desespero
E perdemos o roteiro
Do tal bode barbatão.

Dias depois encontramos
O bicho em outro rebanho
Fiquemos sempre tentando
Caçando, fazendo planos
Mas por azar ou capricho
Só fomos pegar o bicho
Depois de quatorze anos.

Dois filhos de Bíu Delfino
Num dia de sol bem quente
Conseguiram dominá-lo
Bem magro quase sem dente.
Neles o bicho avançando
E eles se esquivando
O pegaram finalmente.

Dias depois apareceu
Outra onça no sertão
Pegando todo bezerro
E jumento da região
Era uma sussuarama
De estrutura soberana
Mais parecia um leão.

Para pegar essa fera
Seu Mateus nos acudiu
Era um caçador de onça
Que por aqui existiu
Com arataca e forquilha
Preparou uma armadilha
E a bichona caiu.

Era uma onça tão velha
Que as unhas eram cascão
Levamos a bicha viva
Com a arataca na mão
Até chegar na vivenda
De um morador da fazenda
Do Dotor Napoleão.

Esse dito morador
Tinha um cachorro valente
Que ao ver a onça de perto
Chorava tal fosse gente
No seu dono foi pulando
De bosta o homem melando
Tremendo e batendo os dentes.

Meu cachorro Rubican
Pequeno mais destemido
Mordia as coxas da onça
E saltava protegido
Dos botes se defendendo
O cachorro era pequeno
Mas era muito atrevido.

Uma semana depois
Outra canguçu caiu
Mas deixou só a metade
Da mão e escapuliu
Fez um grande revirado
Sumiu no mato fechado
E essa nunca mais se viu.

Outra vez um morador
Saiu prá caçar mocó
Deu de cara com uma onça
Dormindo no cafundó
Saltou de um grande penedo
E não atirou com medo
Porque estava andando só.

Voltou, chamou meu irmão
E começaram a subir
Com dois cachorros de raça
O melhor que havia ali
Mas quando perto chegaram
Que a onça farejaram
Trataram de escapulir.

Amarrados um ao outro
Lá na frente se engancharam
De tanto puxo e repuxo
Quase que os dois se enforcaram
E os caçadores armados
Correram tudo espantados
Nem um tiro dispararam.

Nunca fui de judiar
Com bicho na serrania
Matava sempre de tiro
Quando a gente podia
Se fosse na capoeira
Pegava até na carreira
Se o animal corria.

Caça de bode a cavalo
Foi perdendo a sensação
Correr atrás de novilha
Não transmitia emoção
Bom era o mato enfrentando,
Matei de bala, caçando
Trinta e quatro barbatão.

Tive de perder dois tiros
Em todas minhas caçadas.
Um porque ventava muito
E a distância era estirada
E o outro, o sol tremia
E eu fiquei, ao meio dia
Com a vista encandeada.

Nunca atirei de espingarda
Nem para matar mocó
Espingarda é muito chumbo
Arrebenta qualquer nó
Quem é bom de pontaria
Prefere uma artilharia
Que leva uma bala só.

Aqui nessa região
Eu sempre fui respeitado
Porque nas minhas caçadas
Só matava bode erado
De 30 a 50 quilos
Esse era meu estilo
Com uma arma de lado.

Lembro de alguns animais
Que matei na região:
Três mocós de bom tamanho.
Nove cascavéis grandão
E por defesa ou ascinte
De revólver matei vinte.
Cachorro louco ou ladrão.

Lembro da  maior distância
Que com revólver atirei
Estava a 32 metros
Esse a cabeça eu errei
Era uma cachorra doente
Que morreu na minha frente
Pois a costela acertei.

Lembro do primeiro tiro
Que eu dei em criação
Era uma cabra branca
Estava em cima, num capão,
Ainda parei, pensando:
Já vou começar errando
Essa nova profissão?

Meu primo Dito de Doca
Ainda disse: É perdido
Você atirar daqui,
Lá não vai nem o zumbido.
Mas se a arma eu apontava
Isso significava
Que já estava decidido.

Então eu lhe respondi:
Distância é problema meu,
Ela estando em minha frente
Se arrisca mais do que eu.
Fui o gatilho apertando
E ela desceu bolando,
Nos pés de nós dois morreu.

Uma vez atirei num bode
Que num talhado pulou
Mas tava ventando muito,
O vento o rifle empurrou
Da testa atirei no meio
E pegou no olho em cheio
E o bode não escapou.

Outra vez foi no sol quente
Que chega a terra tremia
O rifle me encandeou
E eu errei a pontaria
O bode pulou prá um lado
E eu sai desconsolado
Pensando como agiria.

Era uma hora da tarde
Fiquei numa moita sentado
Por volta de cinco horas
O sol já tinha esfriado
O dito bode avistei
E de revólver o matei
No Olho DӇgua do Talhado.

Como estava anoitecendo
Um dos negros do talhado
Me emprestou um jumento
Todo pronto, encangalhado
Para o bode eu conduzir
Que ia prá longe dali
E o bicho era pesado.

Mesmo sendo um caçador
Só atirava prá matar
Pois detesto exibição
De quem vive a judiar
Como um caso que se deu
Com um conhecido meu
E eu agora vou contar.

Júlio de Fina morava
Em São Mamede, na roça
Caçava gato do mato
Com uma espingarda grossa
Com aratacas, sangrias
Passava dias e dias
No mato, dentro de choça.

Uma maracajá filhote
Caiu em uma armadilha
A gata mãe evadiu-se
Com os outros da família
Minutos depois voltou
E do local se acercou
Para proteger a filha.

Júlio atirou na cabeça
Matando a gata no ato
Os filhotes assustados
Correram por um regato
E a filhote machucada
Ficou só, abandonada
Prá morrer dentro do mato.

Devia ele lavá-la
Prá cuidar de sua mão
Eu lamentei muito tempo
Por essa judiação
Chamava-o de serpente
Que não merecia da gente
Nenhuma consideração.

Meu amigo Fenelón
Um famoso cantador
No começo da carreira
Também quis ser caçador
Por ser muito inteligente
Fez sucesso no repente,
Na caça não emplacou.

Foi um período difícil
Que ele estava passando
Arranjou seis aratacas
Pelo mato foi armando
E por onde ele passava
Que uma arataca armava
O local ia marcando.

Ainda pegou dois gatos
E caçando prosseguiu
Mas um dia descuidou-se
E o seu descuido o traiu
Marcava todas que armou
Porém uma não marcou
E ele mesmo caiu.

Uma arataca potente
Dessas que é toda dentada
Estava a mais de uma légua
Dentro da mata fechada
Sem ninguém pra lhe ajudar
Sofreu muito pra chegar
Onde era sua morada

Em casa a mulher tentou
Abrir mas não conseguiu
Foi chamar com meia légua
Um vizinho que acudiu.
Fenelon com o pé inchado
Passou um mês aleijado
E da cama não saiu.

Depois que estava curado
Subiu a serra e tirou
As aratacas que tinha
Uma por uma amassou
Deixando tudo prá trás
E jurou que nunca mais
Queria ser caçador.

Eu também caçava às vezes
Mas não fazia profissão
Minha vida de vaqueiro
Me dava satisfação
Quando na caça eu estava
Era porque precisava
Matar bode barbatão.”

Foram essas aventuras
Que seu Luiz me contou
Escrevi em poesia
Para agradar ao leitor
Mas a relíquia deixada
É a sua voz guardada
Na fita do gravador
SÉRIE CAÇADORES - VOLUME 5
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 16/04/2009
Alterado em 21/11/2022
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