UM CAÇADOR DE BARBATÃO
Deus faz o nosso roteiro
Conforme sua vontade, Quando chega a nossa hora Nos nega a oportunidade De deixar algum recado, Nos leva para o seu lado E aqui só fica a saudade. Por nossa velha amizade Atendo a um pedido seu E passo a contar em versos Do jeito que aconteceu, Conforme você contou Sua vida de caçador Quando no campo viveu. FALA LUIS FELIX “ Vou começar a partir De duas cabras que eu tinha Ambas bastante amojadas, Soltava de manhãzinha, Durante o dia pastava E finalmente voltava Pro curral de tardezinha. Num sábado soltei as cabras, Vim pra feira na cidade, Devido alguns compromissos Cheguei em casa bem tarde, Perguntei da criação E através do meu irmão Recebi a novidade. Nessa tarde não voltaram Por certo tinham esquecido Ou subiram serra acima Ou então tinha parido, Só estava descartada Que tinham sido roubadas Ou que tinham se perdido. De manhã tirei o leite, Tratei primeiro do gado, E saí atrás das cabras Procurando no cercado, Não tardou fui descobrindo O rastro delas subindo Pra Serra do Pau Ferrado. Pensei, devem ter parido E não puderam descer Preciso encontrar as crias Para os bichos não comer Quando a cabritada berra E mesmo porque na serra Não tem água pra beber. Bem na quebrada da serra Havia um grande umbuzeiro E bem perto um quebra-quebra Na rama do marmeleiro, Me veio no pensamento, Ou foi briga de jumento, De bode ou até carneiro. E mais adiante avistei Bastante sangue coalhado Cheguei logo a conclusão Que a onça tinha pegado. Num quebradeiro esquisito Oito pernas de cabrito Contei ali espalhado. Matou a cabra, rasgou E comeu a cabritada Das crias só as canelas Pôde ali ser encontradas Da cabra só a cabeça E o couro pelas avessas Na ramagem pendurada. O sangue ainda estava fresco, O mau cheiro rescindiu, Pois junto a carnificina Ela urinou e subiu Por um serrote inclinado Em direção a um talhado E ali nada mais se viu. Peguei então o chocalho E uma parte do couro Levei até a fazenda Pra mostrar o sumidouro. Das cabras o impreciso, Do meu bolso o prejuízo E da onça o desaforo. A outra cabra sumiu E eu cheguei a conclusão Que havia ali duas onças Perseguindo a criação E outra conclusão minha, A segunda cabra tinha Servido de refeição Eu não fui procurar ela Porque estava desarmado Mas sabia que ela estava Dormindo ao pé do talhado Onde o brenhado se expande Dentro de uma gruta grande Por trás do cipó trançado. De todas minhas caçadas Foi essa a primeira vez O ano, 44 E Dezembro foi o mês, Nessa eu não fui feliz Todas as outras que fiz Eu deixo aqui pra vocês. Dezembro, 47 Uma cabra teve um casal Pariu em cima da serra E ficou no matagal, Se criaram barbatão E a mãe, por tal razão, Nunca mais veio ao curral. Eu criava um bom cachorro Que RUBICAN se chamava Era um fiel companheiro Que sempre me acompanhava Tava sempre do meu lado Atendia ao meu chamado Se eu mandasse ele pegava. Preparei uma carabina Me destinei a caçar Essa cabra e suas crias Que se criaram por lá. Um primo também quis ir E eu falei, se tu subir Vai sofrer de renegar. Falei, não sei quando volto, Não tem água prá beber, Se é difícil subir Muito mais é pra descer Não adianta tentar, Se quiser me acompanhar Você só vai padecer. Tentei todos os argumentos Mas ele não desistiu Chegando no pé da serra O cachorro descobriu O trilheiro já formado Na direção do talhado Pegou o rastro e subiu. Pelas 10 horas do dia A pedra tremia no sol Meu primo morto de sede Tava preto de suor Não conseguiu suportar E me disse, eu vou voltar, Eu respondi, é melhor. Fiquei lá com o cachorro Já das três horas passava Sem água, só descampado, Mas eu não me preocupava Porque era acostumado. Fiquei no pé do talhado Onde os bichos se encontrava. Por volta de quatro e meia Eles da furna saíram Pus o cachorro deitado E eles não pressentiram Só quando estavam passando E o cão foi se levantando Foi então que eles nos viram. Fizeram finca na serra O cachorro eu aticei Pegou na perna da cabra E eu encostado cheguei Os dois sumiram no mato O cachorro foi no rastro E a grande eu amarrei. Ouvi o latido longe Era o cachorro acuado Estavam em outra furna Da serra que havia ao lado Dos olhos só vi o claro Efetuei o disparo Que ecoou no brenhado. Foi o macho que caiu De serra abaixo rolando Nisso a novilha correu Com o cachorro acompanhando Sumiram na quebradeira E eu passei uma hora inteira Na picada procurando. Na procura ainda escutei Um chiado pelo chão Pensei ser uma cascavel Mas era um peba grandão Passei-lhe fogo, matei, Guardei tudo e continuei Seguindo o latir do cão. Ela estava entocada E o cachorro acuando Que eu só via as duas tochas No escuro os olhos brilhando Quando o disparo partiu Ela pulou e caiu Nos meus pés estrebuchando. Joguei a bicha nas costas E o rifle pendurado Subi com grande trabalho Desci por um descampado Cansado, devagarinho Até chegar no caminho Que ia pro Pau Ferrado. De longe fui escutando Conversas pelo caminho Era um casal de primos Que vinham de Juazeirinho, Foi a minha salvação Pois não tinha condição De levar tudo sozinho. A moça era a namorada Que eu tinha e casei com ela Com 15 anos de idade O rapaz era irmão dela Fizeram essa travessia Cada um numa montaria, Ela silhão ele sela. Levaram a novilha morta, Peba, rifle e foram andando, Joguei o bode nas costas, A cabra saí puxando Me mandei na noite afora E lá pelas oito horas Fui na fazenda chegando. O tempo foi se passando E eu caçando barbatão Que se criava na serra Do Dotor Napoleão, Caçar criação selvagem Ali naquelas paragens Tinha virado tradição. (Barbatão, pra quem não sabe, É necessário explicar, É boi, é bode, é carneiro Que não se pode domar, Nasce e cresce na capoeira, Tem região brasileira Que chamam de “marruá”.) No ano 66 Houve uma vaquejada Lá na Fazenda das Almas Com uma grande churrascada. Matou-se dois grandes bois Quatro carneiros e arroz Pra alimentar a peonada. Mas nesse ano aumentou O número da vaqueirada Então eu disse: Dotor, A carne não dar pra nada. Ele me disse. Se faça, Pegue as armas, vá pra caça, Traga carne pra moçada. Mate os bodes que quiser, Escolha os mais corpulentos, Não regateie munição, Aproveite este momento E chame alguns companheiros Mas traga os couros inteiros Pra fazer encouramento. Saí com alguns companheiros Foi uma festa essa caçada! Matamos 23 bodes, Foram 23 buchadas Tratadas pelas fateiras E a carne foi pra fogueira Pra aumentar a churrascada. No mesmo ano, em dezembro, Fizemos outra caçada, Vaqueiros e moradores Estavam nessa empreitada , Fora os de tiro e peixeira, Peguei nove na carreira Dentro da mata fechada. Nesse tempo havia um bode Tão grande que era um colosso Com uma ponta bem grande Descendo pelo pescoço Esse bicho soberano Durante mais de 10 anos Provocou muito alvoroço. Desse bode sorrateiro Ninguém se aproximava, Fizemos muita tocaia Pra ver se alguém o pegava Mas por mais que se tentasse, Por mais que a gente cercasse, Ele do cerco escapava. Meu primo Lucas Paulino Que veio a ser meu cunhado, Me disse que em Soledade Tinha um cachorro afamado Pelo carirí inteiro Pegava qualquer mateiro No mato ou no descampado. Disse que traria o cão Pra pegar o bode afamado E como disse assim fez, Trouxe o cachorro citado, Era uma fera musculosa Presa grande, poderosa E pêlo um pouco azulado. Enfrentando essa peleja Era grande o contingente Longe fomos escutando Os cascos na pedra quente, Sentindo a perseguição Disparou a criação Com o “ Ponta Baixa ” na frente. Eu desmontei de Cigana Deixei a égua amarrada Desamarrei o cachorro Que saiu em disparada Sumiram os dois na carreira Só se ouvia a quebradeira Dentro da mata fechada. Saímos na buraqueira Onde eles tinham passado Até chegar no Riacho Do Olho D’água Salgado Num serrote muito alto Que o bode tirou dum salto Do cachorro acompanhado. Dava uns 10 metros de altura Onde eles foram saltar, Sem poder fazer o mesmo Tivemos que arrodear E eu interrompo o folheto Mas no próximo eu prometo Esta história continuar. SÉRIE CAÇADORES - VOLUME 4
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 16/04/2009
Alterado em 21/11/2022 Copyright © 2009. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |