José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

UM CAÇADOR DE PREÁ
Meu nome é José Patrício,
Por Zé Sales sou chamado,
Sou da família Medeiros,
Tradicional no Estado.
Da vida de caçador,
Já que você perguntou,
Vou dar também meu recado.

Com setenta e quatro anos
Hoje já não caço mais
Mas vez por outra ainda ando
Onde foi meus matagais,
Contemplando fico triste
Pois matas já não existe
Como era a tempos atrás.

Andar no mato o meu fraco,
Caçar era minha glória,
Nunca perdi uma caçada,
Sempre contava vitória,
Ainda tenho anotado
Alguns dos bichos caçados,
Se não me falha a memória.

Quatrocentos e setenta
Jararacas bem malhadas,
Duas raposas doentes
Pelas beiras das estradas,
Matei setenta e dois tejos
Nos tabuleiros e brejos
Dessa vida atribulada.

Matei nove cascavéis
Mais seis cobras de veado,
São os bichos importantes
Que devem ser registrados,
Outros bichos que eu caçava
Eram os que eu matava
Pra garantir meus trocados.

Todo dia bem cedinho
Eu saía pra caçar,
Com um cigarro de fumo
Na boca, pra me espertar
Voltava no fim do dia
E com certeza trazia
Dezoito a vinte  preá.

Daqui para Seu Duarte,
Pedras do Bode e do Sino,
Do Poço da Craibeira
Até Chico Guilhermino,
Pedra das Cabras passava
No Gato Preto chegava
Pra cumprir o meu destino.

O chão quente, abrasador,
A resistência encolhia,
A fome pedia comida,
A sede água pedia,
Com o organismo cansado
E o bisaco pesado
Chegava em Santa Luzia.

Tenho ainda na memória
Minha caçada primeira,
Também a primeira arma,
Espingarda cartucheira,
Só não lembro do dinheiro,
Sei que comprei de um brejeiro
No Sábado, no meio da feira.

Botei duas cargas de pólvora
Pois carregar não sabia,
Ao dar o primeiro tiro
Acertei a pontaria,
Essa descarga esquisita
Atirei no Santa Rita
Se ouviu em Santa Luzia.

No tronco de um xique-xique
Eu tinha visto um preá,
Sumiu  xique-xique e tudo,
Não sei onde foi parar,
Do tiro só vi a chama,
Do preá ficou lama
E o buraco no lugar.

Cícero Lúcio era vaqueiro
De seu Barto no cercado,
Ao ouvir o estampido
Se aproximou assombrado,
A voz tremendo e afônica
Pensando ser bomba atômica
Que um avião tinha atirado.

Uma gata maracajá
Eu matei nessa caçada,
Três filhotes bem novinhos
Achei depois a ninhada,
Nada podendo fazer
Tive também que trazer
Os três pra minha morada.

Vendi a Walber da SANBRA
E peguei um bom dinheiro,
O mesmo deu de presente
A um dos seus companheiros
E completando a missão
Sairam de avião
Daqui pro Rio de Janeiro.

Até hoje ainda lembro
De uma caçada que fiz,
Nessa matei uma ticaca
E também duas codorniz,
Como não pode faltar,
Trouxe dezoito preá
Nessa caçada feliz.

Lá detrás do cemitério
Fui fazer uma caçada,
Atirei num juruti
Que caiu numa ramada,
Me abaixei para apanhar,
Não sei como explicar,
Mas senti uma cacetada.

Levantei atordoado
E avistei uma caveira
Que de repente sumiu
Numa nuvem de poeira,
No lugar da minha queda
Encontrei muitas moedas
Arrumadas em fileira.

Era coisa muito velha,
Já não tinha mais valor,
Algumas mais conservadas
Mário Ferreira comprou,
As outras eu joguei fora,
Dei, guardei e até agora
Eu não sei que fim levou.

Com uma turma de amigos
Fui fazer uma caçada
Lá na Lagoa dos Campos
Um dia de madrugada,
Mas de todos no transporte,
Excluindo a minha sorte,
Nessa ninguém matou nada.

Essa viagem foi feita
No carro de Antônio Barreira,
Todos muito bem armados
De espingarda cartucheira
De cartuchos carregados
E eu entre eles, coitado,
Armado de sovaqueira.

Foram atrás de ribaçã
Não acharam nem cajaca,
Chico Antônio adormeceu
Em cima de uma jararaca,
Zé Ventinha, ainda estou vendo
Pegou um tejo correndo
E matou com uma estaca.

Vi que não tniha futuro
A caçada acompanhada,
Pulei  a cerca em Zé Nunes,
Deixei a companheirada
E me embrenhei no cercado
Onde era acostumado
Fazer sozinho a caçada.

Matei uma asa branca
Antes de me tocaiar
Noutra lagoa pequena
Que existia por lá
E antes do fim da manhã
Matei trinta ribaçã
E trinta e nove preá.

Noutra caçada que fomos
Também com Antônio Barreira,
Lá em seu Chico Favela
Com a mesma turma primeira,
Tinha tanta ribaçã
Que escurecia a manhã
Embaixo das faveleiras.

Mesmo de dentro de casa
Me escorei numa janela,
Com um tiro numa faveleira
Derrubei sessenta dela,
Sangue no chão era poça,
Se a espingarda fosse grossa
Torava o pé de favela.

Não pense que é exagero
Matar sessenta de um bote,
Temístocles de Aristarco
Na Lagoa do Serrote,
Segundo ele me contou,
Com um tiro só derrubou
Cento e dez com um cravinote.

Lembro-me que certa vez
Zé Braz veio me encomendar
Umas cinquenta rolinhas
Para vender no seu bar,
Com a transação acertada
Preparei a espingarda
E saí para caçar

Cinco horas da manhã
Para caçar eu partía
Papa-sebo, bem-te-vi,
Saí matando o que via,
Só não encontrei rolinha,
Quando foi de tardezinha
Cheguei em Santa Luzia.

Zé pagou-me satisfeito
Sem de nada suspeitar,
Uns quinze dias depois
Passei de novo em seu bar,
Me disse desalentado
Que os passarinhos assados
Ninguém queria comprar.

Saí dali em silêncio
Sem deixar ele saber
Que o povo não queria
Comer as aves porque
Dentre as outras saborosa,
Bem-te-vi é amargosa,
Não presta para comer.

Outra vez um cidadão
Que eu não posso revelar
Me encomendou um mocó
Para um caldo ele tomar
Porque estava operado,
Preá era carregado,
Se comesse ia piorar.

Matei uma preá grande,
Tratei ela bem tratada,
Levei para o doente
Cumprindo minha empreitada,
Ele comeu o guizado,
Ainda bebeu o caldo
E não piorou em nada.

Matei duas codorniz,
Vendi por cinco mil réis,
O comprador transformou-se
Num dos clientes fiéis,
Me procurou bem ligeiro
E por cinqüenta cruzeiros
Me encomendou mais dez.

Mas codorniz era raro,
Complicado pra caçar,
E as que tinha era longe,
Eu tinha muito que andar.
Como eu não dava bobeira
Resolvi de outra maneira
Sua encomenda encontrar.

Lá perto do cemitério
Tinha muitos caborés
Desses que mora em buraco
E tem pena até nos pés,
Com espingarda e munição
Fui cumprir minha missão,
Num dia só matei dez.

Tratei e salguei as aves,
Dei um tempo pra enxugar,
Levei para o encomendante,
Tratou logo de pagar
E comeu muito feliz
Caboré por codorniz,
Sem de nada suspeitar.

Não me chame desonesto
Pois eu posso não gostar,
São práticas de caçadores
Sem ninguém prejudicar;
Eu não gosto de intriga
Mas quando a sorte me obriga
Eu luto prá escapar.

Caçar tornou-se difícil
Pois caça já não havia,
Resolvi passar uns tempos
Lá pros lados da Bahia
Mas forçado pela idade
E pesado de saudade
Voltei pra Santa Luzia.

Hoje estou aposentado,
A idade muito avançada,
Só tenho como lembrança
O bisaco, a espingarda
E o descontentamento
Ao dar o depoimento
Dos meus tempos de caçada
SÉRIE CAÇADORES - VOLUME 3
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 16/04/2009
Alterado em 21/11/2022
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras