José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

O ECOLOGISTA DO PÉ VIRADO
Se você entrar no mato
Prá cortar lenha ou caçar
Isso agora virou crime
Que pode lhe complicar
Pois tem muito ecologista
Tem IBAMA, paisagista
Que estão sempre a vigiar.

Ou pode até apanhar
Sem saber quem lhe bateu
Pois já existe até caso
De caçador que morreu
E o corpo foi encontrado
Todo de açoite cortado
E o autor se escafedeu.

Padre Anchieta escreveu
Em mil quinhentos sessenta
Essa história interessante
Que a caçador atormenta
Os índios deram o relato
De uma aparição no mato
Nua, crua e fedorenta.

Essa coisa escafedenta
É uma lenda brasileira
Descoberta por acaso
Na região pantaneira
Dentro da mata fechada
E hoje é acreditada
Por esta Nação inteira

Uma figura brejeira
Que tem forma de menino
Atormenta lenhadores
Com um assobio tão fino
Que deixa o sujeito moco
Já levou muito caboclo
À surdez ou ao desatino.

Pode ser no sol a pino
À tardinha, madrugada
Se notar que a floresta
Está sendo ameaçada
Entra em cena assobiando
Ao invasor assustando
Fazendo muita zuada.

Essa figura safada
Gosta de ganhar presente
Os índios lhe deixam arcos
Flechas, abanos, pingente
Os brancos lhe levam fumo
Materiais de consumo
Perfumes e aguardente.


Sua figura aparente
É controversa de mais
Baixinho, ruivo, careca
Não tem órgãos genitais
Orelhas grandes, pontudas
Pele bastante peluda
E os pés virados prá trás.

Carácteres regionais
De acordo com sua história
No pantanal é um demônio
No Sul um deus e se adora
No Sudeste é currupira
Lá no Norte é curupira
No Nordeste é caipora.

Os pés, segundo a história
São virados para trás
Prá criar caminhos falsos
Enganando os animais
Que estejam no seu encalço,
Quem quiser seguir seus passos
Se afasta mais e mais.

Nas florestas de Goiás
Ele tem dentes pontudos
Do Pará tem dentes verdes
No Nordeste é orelhudo
Esse levado da breca
Na Amazônia é careca
Com o corpo cabeludo.

Já fizeram até estudo
Pra conhecer a origem
Desse ente sobre humano
Que habita a mata virgem
Assustando caçadores
Açoitando lenhadores
Noutros causando vertigem

Já se sabe que a origem
Vem do índio do Brasil
Quer dizer curumim-pira
Foi do tupi que saiu
Um aparentado fino
De um corpo de menino
Com o de um macaco bugiu.

Quem navega pelos rios
Ás vezes ouve pancadas
Ou ver árvores tremendo
Dentro da mata fechada
Se diz que é o caipora
Conferindo se a flora
Tem alguma galha quebrada.

Ele bate na galhada
Prá ver se estão suportando
Uma provável tempestade
Que esteja se aproximando
É sua vida corriqueira
Está de qualquer maneira
Sua mata vigiando.

Também quem está viajando
Por estradas vicinais
Ver caçadores correndo
Saindo dos matagais
E escuta o assobio dele
Esteja certo que é ele
Protegendo os animais.

Lá pelas Minas Gerais
Onde ele tem atuado
Muito mais freqüentemente
Protegendo no cerrado
Lhe chamam de pai-do-mato
Onde há um grande aparato
De caçador de veado.

Precisam tomar cuidado
Os que gostam de pescar
Que ele é também homem-d’água
E gosta de balançar
Barcos de quem está pescando
Ou muambas traficando
Até o barco afundar.

Se o pescador descuidar
Sabe que terá problema
Se é barco de passageiro
Não terá esse dilema
Pois o nosso ecologista
Também é bom progressista
Manter a ordem é seu tema.

No Rio Parapanema
A notícia esparramou
Que lá tinha um homem-d’água
Perseguindo pescador
Foram conferir de perto
Prá poder contar de certo
E era nosso benfeitor.

Quem tudo faz com amor
Tem proteção do Divino
Damos glórias e louvor
A esse fantasma menino
Pois as matas brasileiras
Estão virando capoeiras
Por causa dos desatinos.

Nosso torrão nordestino
Está virando um deserto
Acabaram nossa flora
O solo está descoberto
Agora retiram  rocha
E o pó que ali desabrocha
Queima a pastagem por perto.

Se acham que está certo
Pois agüente as conseqüências
Não reclamem dos castigos
Da Divina Providência.
Como podemos ter água
Se a Natureza é só mágoa
Por tamanha inconsciência?

A nossa jurisprudência
Comete indignidade
Permitindo esses desmandos
Com tamanha ingenuidade
Que leva por incompetência
O sertão à decadência
O solo a esterilidade.

Quem abastece as cidades
São nossos mananciais
Que estão secos, desprezados
Porque já não chove mais
Tornando-se por descapricho
Grandes depósitos de lixo
E outros materiais.

Quem tem dinheiro de mais
Fica a se vangloriar
Cavando poço e vendendo
Água a quem pode pagar
O lençol d’água afundando
E o solo esterilizando
Sem poder se evaporar.

Precisávamos juntar
Os caiporas do Brasil
Todos aqui no sertão
Prá enfrentar o desafio
Desses donos do poder
E botar todos prá correr
Na base do assobío.

A vida está por um fio
Não temos como negar
Novas doenças surgindo
Pela impureza do ar.
Cada vez mais poluído
Rarefeito, resumido
Sem mato para filtrar.

Só a Química pode salvar
Mas a química natural
O mato reflorescendo
Frutificando o ramal
O pássaro  se alimentando
As sementes germinando
Replantando o matagal.

Reaparece o animal
Que já estava em extinção
A água do subsolo
Faria a evaporação
Novas nuvens se formando
Lá no céu se derramando
Para nossa salvação

O governo da nação
Economizava mais
Pagando salário digno
A policias florestais
Do que pagando emergências
Prá manter a incompetência
Daqueles que nada faz.

Não dar pra viver em paz
Com o lavrador precisando
Mendigar de porta em porta
De políticos nefandos
Que de promessa em promessa
Leva o pobre na conversa
E sai se beneficiando.

E o mundo vai girando
No compasso da mentira
Os donos d'água rezando
Pra o demonio Pomba Gira
Secar todos os regatos
Derrubar todos os matos
Pra não ter mais curupira.

Pra que tanta ziguezira
Se nada há de se levar
Nossa vida é passageira
E é preciso constatar
Que o homem, queira ou não queira,
Ao pó, à cinza, à poeira,
Cedo ou tarde há de voltar.

É tolice comparar
Ciência e religião
Somente a Ciência tem
As asas da perfeição
Não há causa sem efeito
Diante deste conceito
Não há outra explicação.

A Bíblia é quem tem razão
Segundo o grande profeta
Não pode haver perfeição
Onde a treva se projeta
O futuro é duvidoso
Daí o verso lastimoso
Deste rebelde poeta.

Nossa vida é predileta
Não deve ser combatida
A luz da vida é tão forte
Não pode ser destruída
Você que uma vida tem
Siga o Homem de Belém
Se não quer perder a vida.

O velho Matusalém
Viveu séculos imortais
Mas no seu tempo existia
Muita flora e animais
Hoje a vida é passageira
Como o fogo da pedreira
Queima nossos vegetais.

As ciências atuais
Quis civilizar a terra
E o mundo sente os efeitos
Do negro abismo da guerra
Com as leis da impunidade
Destruindo sem piedade
Rio, monte, vale e serra.

Prá que ciência na terra
Dizimando nosso chão?
Se a tendência dos homens
É a pura destruição!
O homem gera inclemência
Sempre em nome da ciência
Pela civilização.

Não pode existir razão
Prá instinto destruidor
Tangido pela ciência
Tornando o homem opressor
Repartindo sem clemência
Prá o rico tanta potência
Prá o pobre tanto clamor.

O homem fala de amor
Mas não passa de um fingido
Tudo na face da terra
É por ele perseguido
Agredindo a Natureza
Faz da ciência uma deusa
Prá depois ser destruído.

Lá no mato, entristecido,
Chora triste o curupira
Assistindo a morte lenta
Da fáuna que o homem tira
Da floresta dizimada
Dando lugar à estrada
Da verdade prá mentira.

Caipora, currupira
Curupira, curumim
Homem-d’água ou o que seja
Já se aproxima do fim
Com ele se vai a lenda
Sua fauna, rica vivenda
Seu bosque, rico jardim.

Quem quiser falar de mim
Tem minha autorização
E agradeço aos leitores
Que queiram me dar razão
Usei meu ponto de vista
De poeta cordelista
Prá dar minha opinião.

Tendo ou não tendo razão
Não quis ofender ninguém
Defendo o pobre que sofre
Porque sou pobre também
Na bonança ou nos apertos
Nos erros ou nos acertos
Razão se dar a quem tem.

Falem mal ou falem bem
Da razão ninguém me tira
Da vida cotidiana
Em nada contei mentira
O outro assunto eu terminei
Pois em poesia contei
A lenda do curupira.
SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 3)
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 16/04/2009
Alterado em 19/11/2022
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