José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

A MULA DOIDA DE MAIS
De Quinta prá Sexta-feira,
Meia noite mais ou menos,
Se escutar uns relinchos
Ou uns tinidos ferrenhos,
Não pense que é a mula preta
Da moda que conhecemos.

Essa, todos nós sabemos,
Não há quem não a conheça,
Tem os pés de labareda,
Queima quem a desmereça,
Bota fogo pela boca
Mesmo não tendo cabeça.

Prá que o folclore enriqueça
Eu vou contar esta estória
Da mulher que virou mula
Tentando a Divina Glória
Ainda na Península Ibérica,
Se não me falha a memória.

Bem antes da nossa história,
Entre Espanha e Portugal
Uma condessa importante
Prima de Pedro Cabral
Se apaixonou por um padre
E se tornou bestial.

Teve o contato carnal
Com o padre da freguesia
Começou assediando
E o vigário não queria
Mas entre assédio e recusa
Traçou a mulher na pia.

A partir daquele dia
Começou a maldição
Não houve quem impedisse
A sua transformação
E na quinta à meia noite
Ela vira assombração.

É sua obrigação
Correr sete freguesias,
Seja vila, povoado
Ou grupo de moradia
Prá voltar a ser mulher
No amanhecer do dia

Na outra Quinta inicia
Sua forma escafedenta
Muitas vezes soluçando,
Sentindo grande tormenta,
Pois mesmo sem ter cabeça
Relincha, tem boca e venta.

Tem o bafo de pimenta,
De alma fica vazia,
Não tem respeito a ninguém
Percorrendo a travessia,
Assusta a tudo que encontra
E a Satanaz prestigia.

Com grande malicunia
O que ela pisa estraçalha,
Seus cascos são afiados
Como cortantes navalhas,
Com os coices dessa mula
Qualquer tora vira palha.

Essa aberração canalha
Por suas loucas caminhadas
Quando volta à forma humana
Está muito fatigada
Fedendo igual a morrinha
E moida de pancadas.

A história dessa abestada
Que veio de Portugal
Chegou no descobrimento
Com Pedro Álvares Cabral
E encheu de assombração
Do Sertão ao Litoral.

E também o pessoal
Da América Latina
Conhece suas façanhas
Desde o México à Argentina
Com o nome de Malora,
De Alma-Mula ou Amina.

Aqui também é Burrinha,
É Besta-Fera, é Comadre,
Por transportar os vigários
Pelas vilas e cidades
Houve até quem confundisse
E chamasse Burra-de-Padre.

Ou besta-fera ou comadre
É importante evitá-la,
Mulheres de vida fácil
Que se exibe em larga escala
Cuidado que a mulher-mula
Pode também alcançá-la.

Deve o padre amaldiçoá-la
Sete vezes todo dia
Antes de rezar a missa
Onde é sua moradia
Só assim a mulher-mula
Se livra dessa eresia.

Mas há outra epilogia
Pra o maldito encantamento.
Tem que um homem de coragem,
No espaço de um momento,
Cortar o freio de ferro
Do tal bicho burrarento.

Tirando o arreamento
Cravado na boca dela
Aí ela reassume
A forma de uma mulher bela
E então se libertará
Da fera existente nela.

Mas a libertação dela
Não tem valor perenal,
Ela só estará livre
Da fera descomunal
Enquanto o seu salvador
Morar no mesmo local.

Por ele ser um  mortal
Poderá morrer primeiro
Ou mudar de residência
Sem indicar seu paradeiro
Aí ela vira mula
E volta pro tabuleiro.

Se o fato é verdadeiro
Ou apenas fantasia
Ainda está acontecendo
Com as mulheres hoje em dia
Pois tem gente namorando
Com gente que não devia.

O que se ver hoje em dia
Já não se estranha mais
Mulher querendo ser padre
E padre nas nas bacanais
Homem virando mulher
Moça virando rapaz.

Os direitos são iguais
Em nossa Constituição
Mas od direitos divinos
Não dão essa permissão
Nos faz desejar a volta
Da antiga inquisição.

O governo da Nação
Permite esse expediente
Já não há dança romântica
Como havia antigamente
E a música de mexer bunda
Fere os ouvidos da gente.
Jânio Quadros, presidente,
Ainda tentou acabar
Com os maiôs que as mulheres
Usavam na beira-mar,
Além de não conseguir,
Teve que renunciar.

Só que a roupa de banhar
Usada na maresia
Que o Presidente Jânio
Acabar não conseguia
Veste confortavelmente
Dez mulheres hoje em dia.

Hoje é rica a putaria
Existente na Nação
Exibida no cinema,
Teatro e televisão,
Basta ligar o aparelho
No programa CALDEIRÃO.

A nossa religião
Cada vez mais esquecida,
Padre na hora do vinho
Se excede na bebida
E a besta-fera na missa
O esperando na saída.

Tem tanta mula perdida
Ensinando porcaria,
Mula Xuxa, Feiticeira,
Outras tantas na Bahia,
Até o México nos manda
A sua Mula Thalia.

Eliana e Alegria,
Programinha de criança,
Exibe um baita veado
Com uma grande poupança
Ensinando os garotinhos
Dançar e mexer a pança.

Já não existe esperança
Nesta vida atribulada
De salvar nossas crianças
Totalmente alienadas
Pois a moral dos adultos
Está muito depravada.

Lembrar a infância passada
Antes da televisão
Mula Doida era só lenda
Por todo este Sertão,
Hoje se ver Mula Artista
Se casando na prisão.

Já tem Mula Sapatão,
Já casa Mula com Mula,
Veado já virou gente
E Pinto é palavra chula,
São essas coisas que hoje
Nossa juventude adula.

Luiz Gonzaga, Seu Lula,
Condenou os cabeludos
Mas ele próprio foi vítima
Do tempo, esse dragão mudo,
Que a pureza e castidade
Que existia levou tudo.

Tem que haver um estudo
Prá esse triste desembargo,
Só a Justiça Divina
Pode assumir esse cargo:
Trocar o espírito estreito
Por um espírito mais largo.

A Mula Hebe Camargo,
Quase 100 anos de idade,
Falando em casar de novo
Com alguém da sociedade
E as pelancas se escondendo
Por baixo da vaidade.

O terrorista BEEN LADEN
Tá explodindo avião
Jorge Bucha manda o povo
Ligar a televisão
Prá ver os Estados Unidos
Torrar o Afeganistão.

Se ver a destruição
De tudo que a vida cria
O povo fica à deriva
Igual a cego sem guia
E o fogo da besta-fera
Queima mais uma freguesia.

O Estado da Bahia
É de tudo o campeão,
Campeão de safadeza,
Professor de corrupção,
E a Mula Tchan exercendo
Sua representação.

Não devo pedir perdão
Pois não falei eresia,
Besta-Fera hoje é novela,
Pureza é malicunia,
Mas se o povo quer assim
Ai de quem falar de mim,
Pois prevejo que seu fim
Será como Ozama Been:
Sem paz e sem alegria.
(SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 2)
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 16/04/2009
Alterado em 19/11/2022
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