VOLTA SECA - UM CANGACEIRO NA PRAI
Nos tempos de Lampião Muita coisa acontecia Desonravam muitas moças E a outras protegiam Umas ficavam no bando Obedecendo ao comando Do rei da cangaçaria Foi assim com Abadi Uma mulata faceira Que acompanhou Lampião Prá servir a cabroeira E terminou amigada Com o cangaceiro Aspensada E virando cangaceira Abadia na peixeira Era ligeira e voraz Mas ruim do que Lucifer Pior do que Ferrabrás Soldado que ela encontrava Seu passaporte assinava Prá morar com Satanás. Vivendo nos carrascais Da Bahia onde nasceu Teve um filho de Aspensada Porém logo o pai morreu Lampião foi o padrinho Deu de presente um sítinho Que um fazendeiro lhe deu. Quando o menino nasceu Abadia retirou-se Do bando dos cangaceiros E em seu sítio instalou-se Prá criar o seu rebento E ficou até o momento Que Lampião ausentou-se O cangaceiro mudou-se Pro solo, pernambucano Os coronéis expulsaram Abadia do chão baiano Ela perdeu a herdade, A paz, a tranqüilidade E caiu no desengano. Tentando, fazendo plano, Foi procurar a justiça Mas no caminho morreu De uma febre tiriça Deixando o filho coitado Pelo mundo abandonado Padecendo de injustiça. Sem ter da vida a malícia O mulatinho João Chamado de Volta Seca Pelo padrim Lampião Com fome pela cidade De dormir sentiu vontade E se escondeu num vagão. Estava numa estação Que ele nada sabia De um trem que afastou-se Antes de raiar o dia Quando ele foi despertando O trem roncava cortando Os socavões da Bahia. Em Salvador chegaria No início do anoitecer Desceu dali escondido Para os guardas não lhe ver E saiu perambulando Pelas ruas procurando Qualquer coisa prá comer. Veio então a conhecer Uns guris de cara feia Que vendo o mulato novo Pensaram em meter-lhe a peia Mas depois se aproximaram E por fim se apresentaram Como Capitães da Areia. Volta Seca se aperreia Sem ter a quem recorrer Foi levado a um trapiche Lá lhe deram de comer E ele muito enfadado Deitou, dormiu descansado Até o amanhecer. Passou então a fazer Parte daquela cambada Imitando passarinhos Prá alegrar a meninada Sempre lembrando o sertão O seu padrim Lampião E sua caatinga amada. Junto a essa garotada Foi se tornando um ladrão Roubavam tudo que viam, Ajudavam cafetão Obedecendo ao comando Do chefe daquele bando, Pedro Bala, o capitão Notícias de Lampião Sabia pelos jornais Tinha roubado um revólver De uma loja de arsenais Dizia que se preparava Quando crescesse voltava Prá seus velhos matagais. Epidemias fatais Se alastrou na Bahia Alastrim, bexiga preta Que matava noite e dia Quem pegasse não tinha jeito Levavam prá um lazareto E poucos sobrevivia. Dentro do bando existia Um menino afeminado Que caiu com a doença E foi logo escanteado Trataram de expulsar Para os outros não pegar O mal que havia se alastrado. Um pívetinho aleijado Que Sem Pernas se chamava Aproveitando o ensejo Que o chefe não estava Com instinto delinqüente Pegou surrar o doente Que indefeso chorava Volta Seca de onde estava Plantou-se na sua frente Com um safanão no Sem Pernas Que rolou pelo batente Com o revólver a apontar Ameaçando atirar Quem batesse no doente. “Pedro Bala está ausente”, Parem com essa injustiça O doente é um dos nossos E não soldado de polícia Atiro em quem se mexer Porque tô doido pra ver Moleque virar notícia”. Sem Pernas, cheio de malícia Saiu cuspindo no chão Nisso entra Pedro Bala No meio da confusão “Que houve?” Foi perguntando, Viu Volta Seca falando Com o revólver na mão. “Esse tá com a mardição”. E aquela cambada ali Começaro a bater nele Prá fazer ele sair Eu só me meti porque Aqui dentro só você É quem pode decidir”. Pedro Bala disse-aqui Quem dar as ordens sou eu Tu tá certo, Volta Seca Pelo que aconteceu Por seu debique atrevido Sem Pernas será punido Do jeito que procedeu Certa vez apareceu No trapiche uma garotinha Trazida por dois garotos Um dia de tardezinha Ela estava num terreno Com um irmãozinho pequeno Por nome de Zé Fuinha. Ela quase uma mocinha Mas estava abandonada Os país morreram da peste Deixando-a, pobre coitada Quando ela foi adentrando No trapiche foi deixando A molequeira assanhada. Foi preciso luta armada Com tanto instinto animal Volta Seca foi um deles Que armado de punhal Ainda feriu um menino Com seu instinto assassino De cangaceiro brutal. Mas tudo se pôs normal Com a chegada da chefia E a garotinha ficou Servindo de companhia Todos lá gostavam dela Porque encontraram nela A mãe que eles queria. Aconteceu certo dia Da garotinha ser presa Levada prá um orfanato Triste, sozinha, indefesa Com uma refeição por dia Dormindo na palha fria Contra as leis da natureza. Com rapidez e presteza A meninada reunida Tiraram-na prisão Por assalto e investida Mas ela chegou doente E poucos dias prá frente Saltou prá fora da vida. A criançada sentida Começou se dispersar O Professor foi pro Rio Gato em Ilhéus foi morar Volta Seca vacilou Foi preso e muito apanhou Para os outros dedurar. Só serviu prá aumentar Com aquela injustiça Do cangaceiro a revolta E o ódio pela polícia Só pensava em se soltar Ir pro cangaço e voltar Prá “matar muita mundiça”. A Bala deu a notícia Quando saiu da prisão Dizendo, “Vou procurar O meu padrim Lampião Aqui foi bom no começo Mas agora reconheço Meu lugar é no sertão”. Na rabada de um vagão Mandou-se de Salvador Como se fosse um milagre A sorte o acompanhou No meio de um sururu Antes de Aracajú O seu padrinho encontrou. Bruscamente o trem parou No meio do tabuleiro Estava sendo assaltado Por dezoito bandoleiros Volta Seca pulou fora Porque viu naquela hora O seu padrim cangaceiro. Ali todo prazenteiro Foi gritando - meu padrinho! Encaminhou-se prá ele Mas foi barrado o caminho O chefe manda afastar “Deixa o moleque chegar, Quero vê-lo de pertinho”. Quem é tú, seu pírralhinho Que vem com tanta alegria? -Sou Volta Seca-responde -Da sua comadre Abadia. Lampião o reconhece Volta Seca se oferece Prá ficar na companhia. Lampião que já sorria Reconhecendo o menino Lhe responde- É impossível, Tu ainda é muito mofino. -Mas já estou tarimbado E já briguei com soldado, Já me tornei assassino. Ele manda Ponto Fino Ao garoto entregar Uma carabina possante E dar ordens prá matar Sem ter pena de ninguém Qualquer um daquele trem Que dali queira arribar. Dois soldados a viajar No trem desafortunado São arrastados prá fora Depois de identificados E encostados num vagão Prá depois do arrastão Ser por alguém fuzilado. Zé Baiano é escalado Para aquela execução Mas Volta Seca gritando Implora prá Lampião Deixa comigo que eu quero Descontar o que fizeram Comigo lá na prisão. Teve nessa ocasião O seu pedido atendido Cai o primeiro soldado Com um tiro no pé do ouvido A cabroeira a sorrir O outro tenta fugir Mas é também atingido O garoto num grunhido Cai em cima com um punhal Sacia sua vingança Num gesto descomunal Seu padrinho fica olhando E um ou outro falando “Oh cangaceirinho mau! “ Foi a pia batismal De Volta Seca ao cangaço Com o punhal na carabina Faz na madeira dois traços Se embrenham nos carrascais Deixando o trem para trás Abandonado ao fracasso. Dali em diante o cangaço Tem outra conotação Os jornais de cinco Estados Transmitem a informação Um cangaceiro menino No bando de Vírgulino Aterroriza o sertão. No rifle do valentão Já tem trinta e cinco traços Cada traço é uma vítima Cada vítima é um fracasso Prá o Governo dos Estados Que perdia seus soldados Prá os bandidos do cangaço. Era tanto estardalhaço E falta de compaixão Que chegou a emocionar O bandido Machadão Cangaceiro dos antigos E também dos mais amigos Do valente Lampião. Foi em uma ocasião Volta Seca despachava Um soldado com um punhal Seu couro aos poucos tirava Cortando devagarinho Pedacinho a pedacinho Enquanto o homem gritava. Machadão se impacientava Com a frieza do menino Apontou para atirar No cangaceiro assassino Foi seu último pecado Pois foi ali alvejado Pelo chefe Vírgulino. No trapiche dos meninos Onde o garoto morava Cada notícia chegada À garotada ufanava Por se sentirem vingados Vendo as baixas nos soldados Que vez por outra os surrava. Cada dia que passava Aumentava a apreensão Volantes mais numerosas Embarcavam prá o sertão Com armamento pesado Prá acabar com o reinado Do bando de Lampião. Mas a insatisfação Cada vez mais aumentava Sem conhecer a caatinga A volante fracassava Quando um ou outro matavam Suas cabeças cortavam E prá Capital levava. Mas Lampião se encantava Era o que todos dizia Viam muitos cangaceiros Que com ele parecia Só davam tiros perdidos Pois ele era protegido Por traz de feitiçaria. O garoto ninguém via Naquela paragem feia Lampião o protegia Mas o que mais aperreia A polícia é ter ciência Que ele tinha experiência Dos Capitães da Areia. E o moleque semeia O terror pelo sertão Dezesseis anos de idade Vividos na perdição Por seus crimes praticados Já tinha se transformado Na sombra de Lampião. Enfim, chega a informação Que haviam capturado E estava sendo trazido Prá capital do Estado O cangaceiro menino O pior dos assassinos Que iria ser julgado. Volta Seca é condenado A trinta anos de prisão Por quinze mortes provadas Em intensa investigação Embora houvesse ciência Trinta crimes em evidência Sem haver comprovação. O rifle em exposição Na parede pendurado Comprovava outra verdade Dos crimes executados Muitos não acreditavam Mas a evidência mostrava Sessenta traços marcados. Série Cangaceiros - Volume 3 Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 06/08/2008
Alterado em 01/02/2011 Copyright © 2008. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |