A CRUZ DA MENINA
O Turismo é uma indústria De sucesso financeiro Presente em muitos locais Por este chão brasileiro Atraindo visitantes Os mais próximos ou distantes E até mesmo do estrangeiro Este vínculo interesseiro As vezes mostra valores Que precisam ser mostrados Em nossos interiores Mas aproveitam também O sacrifício de alguém Que foi vítima de opressores. Dentre esse grandes valores Pelo Nordeste espalhado Bahia tem seu turismo Mais rico, mais afamado Padím Ciço em Juazeiro Zabé da Loca em Monteiro E outros em nosso estado. Santa Luzia tem Talhado Parque do Povo em Campina Pai Mateus em Cabaceira Areia, Cachaça fina Souza, Vale Dinossauro A Cruz da Moça em Amparo E em Patos, Cruz da Menina. Turismo virou rotina No Vale das Espinharas Com curiosos, romeiros E promessas das mais raras Transporte sofisticado Ônibus, carro fretado E até Pau-de arara. Lembrança simples e rara É ali oferecida A história é verdadeira Não é coisa construída Trata-se de uma inocente Que a maldade prepotente Negou-lhe o direito à vida A poesia me convida A entrar nesse roteiro Já contado por poetas Cordelistas verdadeiros Usarei linguagem plena Como fez Damião Lucena E Antonio Américo Medeiros Retirantes e romeiros Sempre houve na região Uns peregrinos de seca Outros por religião Antes da modernidade Miséria e calamidade Imperavam no Sertão. Numa certa ocasião Nas secas dos anos dez Um casal de retirante Cumpria o triste revéz Sem ter nada prá comer Migravam prá não morrer Queimando na terra os pés. Religiosos fiéis Só lhes restava rezar Vendo a filhinha sofrer Então resolvem doar A sua adorada filha A uma boa família Que a quisesse adotar. E a criança foi morar Com um casal em Campina Francisca era o nome dela Uma bonita menina Calma, educada, discreta Mesmo sendo analfabeta Mas tinha linhagem fina. O casal não tinha estima Pela menina adotada Tratavam-na como escrava Pior que uma criada A criança no castigo Em vez de encontrar abrigo Virou saco de pancada. Domila, a mulher malvada Esposa de Absalão Torturava a inocente Mantendo-a na prisão E como se não bastasse A usava até prá sentar-se Nela e tocar violão. O marido Absalão Desses sujeitos pacatos Resignado aceitava Os caprichos insensatos Daquela mulher ferina Que aplicava na menina Os mais terríveis maus tratos. Vindo residir em Patos Cuidar do motor da luz Que iluminava a cidade Também com ele conduz A mulher e a menina Que cumpria sua sina Carregando sua cruz Logo a mulher se introduz No seio da sociedade Na rua tanta pureza E em casa tanta maldade Ninguém ali desconfiava Que aquele rosto ocultava A mascara da falsidade. Saía todas as tardes, Com o marido trabalhava Deixando só a criança A casa toda trancava Em meio à escuridão Domila com Absalão Só meia noite voltava. A menina suportava Esse suplício calada Sofrer era seu destino Pois já estava acostumada A Jesus agradecia Depois que o casal saía Por sentir-se aliviada. A sorte estava marcada E Francisca não sabia Certa noite ouvindo risos Onde reinava a alegria Pertinho da casa dela Resolve abrir a janela Prá ver o que acontecia Pela primeira vez ria Ali no seu abandono Crianças brincavam livres Sem ter prisão, sem ter dono Francisca maravilhou-se Voltou prá rede, deitou-se E logo pegou no sono. Como fita de carbono Descuido deixa seqüela A menina distraída Deixou aberta a janela Como um chamado divino Intervindo em seu destino Para libertação dela. Estava armada a esparrela Pela mulher desejada Chegando em casa encontrou A janela descerrada Primeiro em ladrão pensaram Porém logo constataram Não estava faltando nada. A criança é arrancada Com toda perversidade Da redinha em que dormia E começa a crueldade Com uma trave de madeira Batem de qualquer maneira Sem ter dó nem piedade. Tamanha brutalidade No mundo nunca se viu A menina surpreendida Aos golpes não resistiu Com tanta selvageria Nessa noite de agonia Seu corpinho sucumbiu O seu espírito partiu Prá o Reino da Salvação Deus ganhou mais uma estrela Prá brilhar na amplidão Morreu na flor da idade Vítima da perversidade De Domila e Absalão. Com a concretização Do crime ali praticado O temor da descoberta Foi maior que seu pecado Depois de muita zuada No meio da madrugada Um plano fora traçado. Um caminhão foi fretado Prá levar a “encomenda” Àquelas horas da noite Alegando ser uma venda No “mole” sem pagar nada A qual seria deixada Perto de uma fazenda. Para que o leitor entenda Como a trama foi urdida O caminhão foi fretado Paga a quantia pedida Mais caro que normalmente E o motorista contente Empreendeu a corrida. A cidade adormecida De nada desconfiou Em certo ponto da estrada Absalão ordenou Que o motorista parasse E ali mesmo esperasse Que já vinha o comprador. E logo descarregou O fardo um tanto pesado Com a ajuda da esposa Que havia lhe acompanhado Pegando os dois o pacote E perto de um serrote O corpo fora deixado. Voltaram todos calados Ainda tudo adormecido Chegando em casa já tinham Um plano estabelecido De manhã cedo a cretina Disse a todos que a menina Havia desaparecido. O tal marido fingido Encenou uma caçada Muitos o acompanhou Naquela busca forjada E as mulheres consolavam A esposa que chorava Fingindo estar desolada. Datas não foram citadas Desculpem minha omissão Vou reportar-me ao início Dando tempo à narração Pois preciso esclarecer Para o leitor compreender O roteiro da questão O ano da doação Sem registro em evidência Anos 15 ou 19 De seca e deficiência Talvez por aí comece Esta história que entristece Quem dela toma ciência. 22 a residência De Domila e Absalão Se transfere de uma vez Do Cariri prá o sertão Francisca já padecia Privações e tirania Do casal sem coração. Um ano de solidão E alguns meses talvez No dia 10 de outubro Do ano de vinte e três Seu sofrimento termina Depois que a dupla assassina Tira-lhe a vida de vez. Um modesto camponês Morador da região No dia 13 de outubro Segue a movimentação De urubus em aparato E encontra o corpo no mato Já em decomposição. Seus filhos Maria e João Que em casa se encontravam Vieram ver o cadáver Com o genro e constatavam Que a figurinha franzina Era um corpo de menina Pelas vestes que usava. No cadáver já faltava Pelo que foi constatado O seu bracinho esquerdo O outro estava quebrado Depois na delegacia Também se constataria Ter o crânio fraturado. Quando o casal foi chamado Para o reconhecimento Disseram não ser a mesma Do desaparecimento Tendo depois alegado Não saber pelo estado Total de apodrecimento. Na cidade o movimento De revolta começou Quando a policia local O tal casal intimou E eles prá se defender Afirmaram não saber Como tudo se passou. A vizinhança escutou As pancadas e maus tratos Aplicados na criança Por aqueles insensatos O caso virou rotina E os carrascos da menina Findaram deixando Patos. Este como outros fatos Terminam sem solução Impera a impunidade Prá quem não tem proteção O tempo passa depressa E em 28 começa Nova seca no sertão. Não há mais água no chão Recomeça o desatino Só a fé nas orações Por um milagre divino E essa fé religiosa Muda o rumo desta prosa Começando com Justino. Um caboclo nordestino Zé Justino Nascimento Aos pés da cruz da menina Se ajoelha por um momento E pede-lhe que interceda A Deus prá que lhe conceda O fim desse sofrimento. Com ela no pensamento Ele começa a cavar Ali perto uma cacimba Sem nunca desanimar E tendo a graça alcançada A água tão desejada No chão começa a minar. Com o volume a aumentar Molhando o chão ressequido Zé Justino se ajoelha Junto à cruz agradecido Pela interseção dela E lhe promete uma capela Por atender seu pedido. Conforme foi prometido A capela construiu Terminando em 29 A 25 de abril E começa a romaria Que continua hoje em dia Neste sertão varonil. E assim se constituiu Dos milagres o primeiro Atribuído a Francisca Nesse torrão brasileiro Que é hoje uma tradição Da Bahia ao Maranhão E até mesmo no estrangeiro. Assim como em Juazeiro Do Padre Cícero Romão A Cruz da Menina em Patos Tem uma grande legião De fiéis e de romeiro Tem visita o mês inteiro Com novena e procissão. O crime sem punição Rolou pelos tribunais Até o fim dos anos 30 Quando não se apelou mais Tendo como resultado Não ter sido condenado O casal de marginais. Ficou somente os anais Da história da cidade Manchado com sangue virgem Pelas mãos da falsidade Martirizando um cristão Dando uma Santa ao Sertão Prá nossa felicidade. E foi crescendo a cidade Até chegar ao local Que o corpo foi encontrado Onde era um matagal E muito tem progredido Com sucesso merecido De projeção nacional. Hoje existe no local Grande parque estruturado Casa de velas, de ex-votos Comércio de lado a lado Restaurantes e banheiros Para deixar os romeiros Muito mais acomodados. O governo do Estado Deu sua contribuição Liberando grandes verbas Para a edificação Resta agora novos planos Prá trazer do Vaticano Sua beatificação. Pois a Santa do Sertão Todos a ama e estima E eu termino a narração Pois o espaço sublima Mas deixo aqui registrada Esta trova pronunciada Por Ronaldo Cunha Lima: VENHA VER NOVO CENÁRIO DA DEVOÇÃO NORDESTINA CONHECENDO O SANTUÁRIO DO PARQUE CRUZ DA MENINA. Série Coisas do Brasil Vol. VI Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 30/07/2008
Alterado em 22/01/2010 Copyright © 2008. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |