José Medeiros de Lacerda

Leia poesia - A poesia é o remédio da alma

Textos

COLO DE ANJO
Uma versão Lacerdiana de "Pegadas na Areia" do grande Malba Tahan

Certa noite andava eu
Numa poeirenta estrada,
Matulão com pouca roupa
No meu colo atravessada;
Sem uma casa por perto,
Sem prumo, sem rumo certo
A viola pendurada,
Sozinho em pleno deserto
Prá mim nada dava certo
Nesta vida atribulada.

Notei a marca estampada
De um rastro que me seguia
Mas quem andava ao meu lado
Só o rastro aparecia;
Fiquei todo arrepiado
Por constatar assustado
Um fato raro e incrível,
Dois passos me acompanhando
Como se ali, caminhando,
Houvesse alguém invisível.

Como se fosse possível
Alguém ali me escutar
Gritei alto:  “Quem me segue
Que não quer se apresentar?
Quis correr amedrontado.
Mas uma voz ao meu lado
Falou-me aos ouvidos meus:
“ Não grites assim comigo,
Eu sou teu único amigo,
Seguidor dos passos teus.

Por este mundão de Deus
Já amarguei minha dor,
Me chamavam mentiroso,
Mas eu tinha o meu valor;
Quanto mais eu padecia
Mais a minha fé crescia,
Sem nunca desanimar,
Pois, como tu tens agora,
Tinha eu estrada afora
Alguém prá me acompanhar.

Por esse alguém me mandar
É que agora estou aqui,
Como sombra dos teus passos
Na poeira a te seguir.
E nunca te deixarei,
Sempre te acompanharei
Seja qual for sua estrada,
Mesmo ela sendo comprida,
Tortuosa e dolorida,
Sem nunca te cobrar nada.

Eu sou teu Anjo da Guarda”.
Disse isso e se calou.
Desde esse dia seus passos
A me seguir continuou;
E eu fiquei acostumado
Com aquele rastro ao meu lado
Como um fiel seguidor,
Em toda estrada que eu ia
Até que chegou o dia
Que tudo se transformou.

A minha vida mudou
Quando encontrei Iracema
De muita simplicidade
E uma beleza extrema;
E tivemos um filhinho
Para enfeitar nosso ninho,
Minha vida triplicou,
Meu lar humilde de outrora
Era só riqueza agora
De alegria e de amor.

Só uma coisa me estranhou:
A partir daquele dia
Não vi mais o par de rastro
Que antes sempre me seguia.
Quando mais eu precisava
Aquele que me amparava
Me deixou sem despedida;
Se não quis mais me ajudar,
Por certo foi procurar
Outra alma triste e perdida.

Mas como tudo na vida
É efêmero e passageiro
Um dia minha mulher
Cai em grande desespero.
Meu filhinho adoentou,
Pouco tempo mais durou
E se foi sem despedida,
Logo aquelas criaturas
Que eram minha fartura
Foram embora desta vida.

E a vida da minha vida
Desfaleceu de verdade,
Coração ficou capenga
De tanta dor e saudade.
Abandonado e perdido
Lembrei do rastro sumido
E gritei desesperado:
“Anjo meu, cadê você
Que jurou me proteger!
Veja agora o meu estado!

Sozinho, desamparado,
Quando mais eu te preciso
Só vejo o chão ao meu lado,
Teu rosto não visualizo.”
E aquela voz sonorosa,
Mais doce e melodiosa
Ressoa em minha presença:
“Estou aqui, companheiro,
Prá que tanto desespero?
Onde está a sua crença?

Recobre sua consciência,
Examine teu calçado,
Olha o passo onde tu pisa
E o rastro que tem ficado,
Examina traço a traço,
Veja agora que teu passo
Não pode te acompanhar,
Lembra o rastro que te guia,
E os passos que te seguia
É o que vais encontrar.

Nunca vou te abandonar
E nunca te abandonei,
Nem quando você casou
De te amparar eu deixei.
Hoje, conseqüentemente,
Que ficou só novamente,
Me insultas e eu não me amolo,
Mas quando você casou
Que sua vida triplicou
Eu te carreguei no colo”.

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 29/06/2008
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